Memória herdada. A educadora Carolina Ribeiro e o vanguardeiro ensino paulista

La memoria heredada. Carolina Ribeiro y la vanguardista enseñanza paulista

Carolina Ribeiro and the Pioneering Sao Paulo Teaching. Inherited Memories

Ana Regina Pinheiro*

1Doutora em Educação pela Unicamp, localizada em Campinas/SP - Brasil. Vinculada ao Instituto de Filosofia e Ciências Humanas -IFCH/UNICAMP, orientadora educacional on-line e Instituto Luso-brasileiro de Educação e Cultura, docente titular. Email: aregin@uol.com.br

Recibido: 27/07/11, Arbitrado: 20/09/11


Resumen

Este artículo aborda aspectos de la trayectoria de la educadora Carolina Ribeiro (1892-1982), destacando su formación en el magisterio, la carrera de profesora y dirigente de la enseñanza paulista y las relaciones que mantuvo con la Iglesia Católica, en el proceso de estructuración nacional de la enseñanza en Brasil, en las décadas de 1930 y 1940. Dirigente de la Escuela Normal de San Pablo en el período de 1939 a 1948 y primera mujer en asumir el cargo de Secretaria de Educación de ese estado en 1955; Ribeiro construyó, a lo largo de su carrera, una estrecha cooperación con grupos de orientación católica, en especial la Liga del Profesorado Católico de San Pablo (LPC), participando activamente de una amplia disputa por el control ideológico del profesorado (Chagas de Carvalho, 1989). Lideró movimientos en defensa de la memoria de la educación paulista, que fue modelo para las reformas implementadas por otros Estados brasileros en la década de 1920 y mantuvo el tono crítico de las reformas que buscaban la estructuración del Estado nacional y amenazaban la hegemonía política y educacional de San Pablo en este contexto. El objetivo del enfoque en su trayectoria, por lo tanto, es recuperar discursos y prácticas no siempre convergentes, cuyos contenidos son resignificados en su recorrido, de acuerdo con las condiciones objetivas (Bourdieu, 1996) y con las aproximaciones y los diálogos que estableció teniendo en cuenta la amplia repercusión nacional que alcanzó tal modelo de enseñanza.

Palabras Clave Carolina Ribeiro, memoria, educadores paulistas, modelo educacional paulista, profesorado católico.


Abstract

This paper discusses issues of educational footprint by Carolina Ribeiro (1892-1982), highlighting her training in school-teaching, her career and role as a São Paulo education director and her involvement with Catholic Church during Brazilian structuring education process in 1930' and 1940'; she was also a leader of São Paulo Normal School from 1939 to 1948 and first woman to assume the Education Secretary at 1955; throughout her life, Ribeiro shaped a close cooperation with Catholic groups, especially the League of São Paulo Catholic Teachers (LPC), enthusiastically participating in a wide dispute over teachers' ideology control (Chagas de Carvalho, 1989.) She led a movement to protect memories of São Paulo Education, which structured the reforms implemented by other Brazilian states in 1920' and kept a critical note on reforms looking to structure the national state but threatened São Paulo politics and education hegemony. Therefore, focus on her career wants to recover non-always convergent discourses and practices whose contents are re-signified on the road according to objective status (Bourdieu, 1996), and approaches and dialogues established taking into account the broad national impact reached by that teaching model.

Keywords Carolina Ribeiro, memories, São Paulo educators, São Paulo education model, Catholic teachers.


Resumo

Este artigo aborda aspectos da trajetória da educadora Carolina Ribeiro (1892-1982), destacando sua formação no magistério, a carreira de professora e dirigente do ensino paulista e as relações que manteve com a Igreja Católica, no processo de estruturação nacional do ensino no Brasil, nas décadas de 1930 e 1940. Dirigente da Escola Normal de São Paulo, a vanguarda do ensino paulista, no período de 1939 a 1948 e primeira mulher a assumir o cargo de Secretária da Educação desse Estado, em 1955; Ribeiro construiu, ao longo de sua carreira, estreita cooperação com grupos de orientação católica, em especial a Liga do Professorado Católico de São Paulo (LPC), participando ativamente de uma ampla disputa pelo controle ideológico do professorado (Chagas de Carvalho, 1989). Liderou movimentos em defesa da memória da educação paulista, que fora modelo para as reformas implementadas por outros Estados brasileiros na década de 1920 e manteve o tom crítico às reformas que visavam a estruturação do Estado nacional e ameaçavam a hegemonia política e educacional de São Paulo nesse contexto. O enfoque em sua trajetória tem por objetivo, portanto, recuperar discursos e práticas nem sempre convergentes, cujos conteúdos são ressignificados no seu percurso, de acordo com as condições objetivas (Bourdieu, 1996) e com as aproximações e os diálogos que estabeleceu com educadores liberais e entidades católicas, tendo em vista a ampla repercussão nacional que alcançou tal modelo de ensino.

Palavras chave Carolina Ribeiro, memória, educadores paulistas, modelo educacional paulista, professorado católico.


Meu ideal é a reforma da mentalidade do professorado para que se convença da grandeza de sua missão.
E, apesar dos meus muitos anos sonho com a reforma social pela influência de um professorado
consciente, porque em cada escola se cultua tudo o que de grande e santo, justo e belo, enobrece nossa terra.
1

Introdução

Nas primeiras décadas do século XX, segundo dados estatísticos escolares divulgados nos primeiros anuários de ensino deste Estado, São Paulo viveu grande expansão do ensino primário e normal. Vislumbra-se, por meio dessa fonte, um significativo aumento das matrículas gerais no ensino primário, passando de 14.427 para 157.232 alunos entre 1890 e 1914 e, em igual proporção, os grupos escolares saltaram de 38 para 168, entre 1898 e 1915 (Monarcha, 1999).

Esses dados representam relevante amostra de um cenário novo na educação paulista e, muito embora devam ser relativizados devido a precariedade dos dados estatísticos escolares desse período, traduziam-se, sobretudo, no impulso que o Estado havia dado à escolarização e à sistematização dos dados sócio-educacionais, que passaram a ocupar a política e o debate educacional paulista. Iniciativas que ganhariam contornos regionais, no rastro dos princípios federalistas e da política de descentralização do ensino ratificados na primeira carta constitucional republicana do Brasil, de 1891.

No plano da institucionalização do ensino, o atual debate historiográfico relativiza o papel do Estado, na medida em que defende a necessidade de se considerar o diálogo com outras esferas e instituições sociais que seriam os principais agentes (Faria Filho, 2003) desse processo, sobretudo, a tradição educacional católica, que detinha o monopólio do ensino, e os movimentos de educadores, que impingiram uma dinâmica específica ao processo educativo. O importante papel que a cultura escolar exerceria para o sucesso ou o fracasso das reformas educacionais complementa esse movimento teórico, com base em novas pesquisas que demonstram ser os processos educativos escolares fenômenos sociais anteriores à formação dos Estados Nacionais (Viñao Frago, 2003).

O pioneirismo paulista, por sua vez, repercutia o desenvolvimento econômico advindo da bem sucedida política de cultivo do café e o fortalecimento político de grupos oligárquicos que se reorganizaram em torno dos valores republicanos, dos pactos federativos e das alianças construídas com setores conservadores do laicato e da hierarquia da Igreja Católica. Criou-se, no imaginário popular, a lendária distinção de São Paulo do restante da nação, traduzida na imagem da vocação para o trabalho e o progresso e no ressurgimento da «epopéia bandeirante».2 Nas tentativas constantes de refundação da sociedade paulista, esses elos com o passado glorioso eram associados à superioridade econômica e cultural de São Paulo no plano nacional.

Para analisar o debate educacional pelo viés das disputas regionais, em que pese o papel que desempenhou o federalismo como princípio constitucional abordaremos, de maneira introdutória, neste artigo, aspectos da trajetória3 da educadora paulista Carolina Ribeiro (1892-1982), professora primária e dirigente da Escola Normal de São Paulo que, situada na vanguarda do ensino paulista, se relacionou com as reformas que visavam à reestruturação do Estado e à nacionalização do ensino, nas décadas de 1930 e 1940. Sua posição crítica em relação às reformas educacionais desse período, bem como sua estreita cooperação com grupos de orientação católica assumiram a forma de uma ampla disputa pela memória4 da educação paulista, identificada aos princípios e valores da fase áurea das primeiras reformas do ensino do período republicano, ao entusiasmo docente e ao progresso de São Paulo e, quiçá, do Brasil.

O desenvolvimento da educação escolar em São Paulo, nas primeiras décadas da República, e seus referentes modernos, tais como a crítica ao obscurantismo religioso e a crença em que as instituições do Estado laico e democrático de direito seriam a garantia da ordem social e do progresso são retomados, nesse artigo, na chave das articulações do poder local e das alianças regionais nas disputas por espaço político. Fatores que mobilizaram estratégias educacionais peculiares acerca de modelos de sociedade e de educação, em contextos diversos.

Nesta perspectiva, as disputas em torno da educação ganhariam novas nuances com a ascensão de Getúlio Vargas ao Governo Federal, durante a Revolução de 1930 e o impedimento da posse de Julio Prestes, representante paulista eleito ao poder central. Fato que desencadeou o rompimento do pacto oligárquico que sustentava a regionalização do jogo político até essa data, forçando rearranjo das forças e apoios políticos regionais em função da estruturação do Estado Nacional.

A implantação do Ministério da Educação e Saúde Pública, em 1931, e o acirramento do debate educacional que se aprofundava desde 1924 com o surgimento da Associação Brasileira de Educação definiriam um campo de disputas em torno de temas decisivos para o processo de nacionalização do ensino, tais como, o direito à educação, o dever do Estado na supervisão do sistema de ensino público e privado, subsídios educacionais públicos, retorno do ensino religioso nas escolas. As divergências entre os pioneiros da educação, que lutavam pela democratização do ensino público, laico, gratuito e obrigatório e os católicos conservadores, reascenderam com a publicação do Manifesto dos Pioneiros, em 1932 e motivaram debates educacionais da Assembléia Constituinte de 1933.

Nesta perspectiva, a Revolução de 1930 se converteu na primeira derrota aos interesses da oligarquia paulista, ameaçando a hegemonia desse grupo no plano nacional. Esses fatos culminaram com a mobilização de São Paulo na Revolução Constitucionalista em 1932, marcada pela oposição desse Estado ao governo central e pela exigência do retorno à normalidade constitucional, da qual Carolina Ribeiro participou ativamente. Após nove meses amotinado, esse movimento foi reprimido pelas forças do governo Vargas, situação que se tornou a segunda grande derrota dos paulistas no plano político federal.

Essas grandes perdas para a elite paulista foi um tema fronteiriço para os educadores que defendiam o pioneiro modelo de ensino dos tempos áureos. Na interpretação de Chagas de Carvalho (1989, p. 34), a nova realidade política inaugurada no pós-30, ampliava a abrangência da luta que se abria pela hegemonia escolar e as possibilidades concretas «de o movimento educacional influir na prática estatal» decorrendo, deste contexto, outros desafios para o movimento educacional paulista.

A trajetória de militante das causas paulistas situava Carolina Ribeiro na mencionada vanguarda do ensino e na liderança de parte do professorado católico que se colocava no centro da luta pela recuperação da hegemonia de São Paulo no cenário nacional e suas iniciativas se transformariam em contraponto às políticas de nacionalização do ensino implementadas no período pós-1930.

Faz-se necessário esclarecer ainda que, embora este artigo situe as ações de Carolina Ribeiro em uma chave de leitura regional, que tem como pano de fundo a disputa pela memória da educação paulista, o enfoque sobre sua trajetória tem por objetivo recuperar as aproximações e os diálogos que estabeleceu com educadores liberais e entidades católicas, tendo em vista a ampla repercussão nacional que alcançou tal modelo de ensino. A militância de Carolina Ribeiro na educação paulista, a exemplo do que defendem as autoras Hilsdorf, Warde e Chagas de Carvalho (2004, p. 134), representa a presença de um «quadro rico e diversificado, que indica a presença e o controle mas não a exclusividade do poder público no campo da educação».

Formação no magistério - o anúncio de uma vocação bandeirante

Carolina Ribeiro diplomou-se professora primária em Itapetininga, em 1907 e, no ano seguinte, aos 16 anos de idade, iniciou sua carreira como substituta efetiva da Escola Modelo, anexa à Escola Normal na mesma cidade. Desde então, dedicou-se ao ensino público paulista e desbravou a hierarquia institucional, até então fechados à participação feminina. Atuou como professora em várias escolas do interior transferindo-se para a capital para lecionar no Grupo Escolar Maria José (1913-1916), onde criou e dirigiu o «Jornal das crianças», projeto que adotou nas escolas e entidades por onde passou. Esta prática estava alinhada à tendência de criação de jornais escolares e demais periódicos educacionais que seriam duas das principais estratégias utilizadas por grupos que rivalizavam a hegemonia educacional, para o registro e a difusão de idéias nesse período (Chagas de Carvalho, 1994).

O orgulho de ser normalista perpassou a infância e a adolescência de Carolina Ribeiro e sua família, a exemplo do percurso almejado por muitas jovens à época.5 Em suas memórias relata que, sendo a caçula de uma família de nove irmãos, testemunhou a realização de um desejo de seu pai, o de ter formado cinco de seus nove filhos professores. «Posso morrer tranqüilo», teria dito o pai, «deixo cinco filhos preparados para servir a Pátria, pela educação - cinco Professores».

Enfatizava que, na fase inicial de sua carreira de professora, profissão pela qual expressava profundo compromisso e afetividade, a inexperiência a impedia que vislumbrasse a extrema responsabilidade que essa profissão representava. O orgulho em ser professora transcendeu sua formação escolar, sua experiência concreta e a transportou para além de suas próprias expectativas quando, ao iniciar sua carreira, se confessou com um padre e este lhe mostrou o que verdadeiramente é ser professora.

Eu não havia alcançado o valor da predileção de meu Pai; e não soubera ver, ainda, que o mestre é, também, o guia de almas como de inteligências pelas quais terá de responder.

Data de então, a decisiva investidura na missão mais alta e mais nobre - a de Educador. E, daí, a preocupação constante de dar o melhor que posso, até o sacrifício, para a educação da infância e da juventude de minha terra e o desejo de despertar, em todas as situações em que estive - professora primária ou secundária; diretora de Grupo Escolar, de Ginásio e Escola Normal, de suscitar, no coração de alunos e colegas, uma centelha desse entusiasmo (Folheto, Centenário de nascimento, 1992, p. 19).

Essa espécie de revelação, quando ainda moça, sentida durante o aconselhamento com um líder eclesiástico, simboliza um divisor de águas em sua carreira e um dos traços mais marcantes de sua trajetória. Esse fio condutor que percorre sua memória recupera a palavra entusiasmo como uma expressão que mobilizava múltiplos sentidos e filiações ao «ser professor», aproximando-a do legado dos renomados educadores e normalistas paulistas, e dos laços que ligam a profissão docente aos apelos da fé e da vocação católica.

É possível notar as dimensões que alcançou esse entusiasmo, no livro Um retrospecto, publicado em 1930, pelo educador João Lourenço Rodrigues com o objetivo de ser uma obra memorialística sobre «a evolução do ensino público na terra dos bandeirantes» (Rodrigues, 1930, p.p. 8-10). Primeiro normalista no cargo de Inspetor Geral da Instrução Pública (1907-1909), Rodrigues participou ativamente, ao lado de Carolina Ribeiro, das atividades em defesa da escola normal, por meio de sugestões de temas e consultas sobre fatos e datas históricas. Este autor buscou cultivar uma memória positiva das primeiras reformas paulistas referindo-se, com orgulho, à hegemonia do modelo de ensino que repercutiu, na década de 1920, na reorganização e modernização dos sistemas estaduais de ensino em todo o país, seu principal legado.

Quando as outras unidades da Federação, no intuito de reformar os seus velhos moldes didáticos, apelaram para São Paulo, solicitando o concurso dos seus professores, elas afirmaram por esse feito o primado da terra dos bandeirantes em matéria de organização didática, reconheceram os progressos metodológicos que dela fizeram um paradigma. Nada menos de dez Estados dão disso testemunho: Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso, Goyaz, Espírito Santo, Sergipe, Pernambuco, Piauhy, Ceara e o próprio Distrito Federal. (Rodrigues, 1930, p. 428)

A antiga escola de formação de professores, que se converteu em palco privilegiado dessas primeiras reformas do período republicano, se tornou o centro de uma espécie de legado bandeirante que motivava a luta da militância de educadores paulistas em torno de uma memória herdada.6 Nessa memória da fase áurea que buscavam cultivar, João Lourenço Rodrigues e Carolina Ribeiro, dentre outros continuadores da obra dos grandes mestres de outrora, atribuem à dedicação desses normalistas o "primeiro surto de entusiasmo" no processo de organização da instrução em São Paulo, ocorrido no início do século XX, contribuindo para a construção da auto-imagem positiva do normalista.

Naquele contexto, a organização das escolas-modelo e a formação da prática pedagógica dos futuros professores eram mudanças prioritárias, sobre as quais deveria incidir a ação dos reformadores, «ressaltando-se o valor de observação, da experiência sensorial, da educação dos sentidos, das lições de coisas, do método intuitivo de Pestalozzi» (Tanuri, 1994, p. 43). Talvez resida nesta observação o principal elemento da surpreendente notoriedade que atingiu Antonio Caetano de Campos7 no processo educacional paulista. Apesar de não ter sido o mentor da Reforma de 1890 e sim Rangel Pestana, que viabilizaria a ação pedagógica reformadora transformando as escolas anexas à Escola Normal -como a Escola Primária e, posteriormente, o Jardim da Infância-, em escolas-laboratório para a formação de professores, a tradição credita à grande obra do mestre, tornado mito, a criação das escolas-modelo onde as normalistas seriam formadas observando a prática de ensino de professores experientes.

Auto denominado ex-aluno, sobrevivente da única turma formada por Caetano de Campos, em 1891, e da turma complementarista de 1904, João Lourenço constrói a imagem mítica própria aos redentores, atendendo ao chamado do grande mestre:

E eles foram.

E eles souberam honrar a confiança do seu Mestre. Partiram sozinhos, porque não havia ainda, então, os voluntários da nobre cruzada, que só mais tarde foram aparecendo.

Pelejaram sem competidores, quando não havia postos de evidência a conquistar. E o seu entusiasmo operou milagres!

Relegada até então num plano secundário e obscuro, a classe do professorado público dele emergiu em plena claridade, numa como transfiguração.

De suas fileiras saíram os Diretores das Escolas-Modelo, dos Grupos Escolares, das Escolas Normais e dos Ginásios; delas saíram Inspetores Distritais, membros do Conselho Superior, Diretores Gerais da Instrução Publica e até representantes do povo no Congresso. A fama da sua capacidade transpôs as lindes do Estado e de outras unidades da Federação foram solicitados os seus serviços.

E eles foram ainda - novos bandeirantes - levar à juventude de outros Estados os grandes benefícios do ensino reformador (Rodrigues, 1930, p. 424).

Carolina Ribeiro foi herdeira desse grupo de entusiastas servidores da causa educacional, «novos bandeirantes» dos anos iniciais da república, para quem o magistério estaria acima das causas pessoais e dos interesses políticos e seria a expressão máxima do amor à Pátria e a Deus. Entendidos como elementos inseparáveis da nobre missão de fazer «vibrar as cordas mais sensíveis dos corações infantis e juvenis, em hinos e evocações patrióticos, para edificação dos corpos, na contemplação das glórias passadas» (Carolina Ribeiro).

A carreira de dirigente no sistema público de ensino paulista

Imbuída, portanto, da missão de formar almas e inteligências Ribeiro ingressou no prestigiado cargo de dirigente da centenária Escola Normal após passar pela experiência de ter organizado uma escola católica, o Grupo Escolar Católico São José (1923-1931), localizado no Ipiranga. Na Escola Normal de São Paulo atuou como diretora, inicialmente da Escola Primária (1935-1948), anexa ao Instituto de Educação -denominação adotada no período em que essa escola abrigou o primeiro instituto de educação para a formação de professores em nível superior no Brasil (1933-1938)- com a função de auxiliar Fernando de Azevedo, então diretor do Instituto. Com a brusca extinção do Instituto, em 1938, Carolina Ribeiro assumiu também a direção da Escola Normal (1939-1948).

Na carreira de dirigente no sistema educacional paulista, Ribeiro foi a primeira mulher a ocupar o cargo de Secretária da Educação, em São Paulo, em 1955 e concorreu a uma cadeira de deputada na Câmara Federal, na primeira eleição do período de redemocratização (1945 a 1964)8 pelo conservador partido da União Democrática Nacional (UDN)9. Atingiu, nessa ocasião, 7.013 votos no Estado e ficou na suplência da vaga, à frente de Carlota Pereira de Queiroz10, reconhecida militante das causas paulistas. Várias coincidências aproximam Ribeiro e Queiroz, além da militância paulista, foram as duas únicas representantes femininas dentre os candidatos eleitos (7) e os que ficaram na suplência (28) pelo seu partido, na disputa eleitoral de 1945 e têm registradas as mesmas datas (anos) de nascimento (1892) e morte (1982).

Oradora reconhecida, falava costumeiramente na escola normal, em nome dos paulistas que reverenciavam as tradições e compartilhava, com João Lourenço Rodrigues, a tese bastante difundida à época, segundo a qual São Paulo é um Estado destinado a ser o «carrochefe» do país, cujo prestígio fora alcançado pela vocação para o trabalho e o progresso econômico e pelo vigor de suas instituições, que consolidaram sua posição no cenário nacional e, sobretudo, instauraram uma memória positiva da terra dos bandeirantes.

Em entrevista concedida ao jornal São Paulo, em 1946, sobre os eventos comemorativos do centenário da Escola Normal, na condição de presidente da comissão organizadora, Ribeiro referiu-se à criação do Instituto e à novidade da direção da Escola Normal Modelo ter sido delegada a uma mulher:

Antes, porém, que se pudesse avaliar os frutos desta reforma, outra destruía os fundamentos da organização. Em 1938 é a Escola Normal que reaparece e em 1939 uma verdadeira revolução se dá na mesma Escola: pela primeira vez no Estado, a direcção da Escola normal é entregue a uma mulher (A Atualidade, 1946).

Consciente da distinção que significou sua nomeação para tal função manifestou-se criticamente em relação à criação do Instituto de Educação, em 1933, fase em que a Escola Normal Caetano de Campos, transformada em sede do Instituto, passou por várias reformas de ordem pedagógica, arquitetônica e administrativa, como a construção do terceiro pavimento do edifício-sede (conhecido como Edifício da Praça) e a nova denominação: Instituto de Educação Caetano de Campos, que o distinguia do curso normal, oferecendo formação para professores em nível superior.

Coerente com essa postura crítica em relação às reformas que estivessem em desacordo com as mencionadas tradições regionais paulistas, uma de suas primeiras providências ao assumir o cargo de diretora da Escola Normal, em 1939, foi usar de seu prestígio para apoiar o movimento de ex-alunos complementaristas de 1904, que reivindicavam a mudança de nome da escola para Escola Normal Caetano de Campos. Carolina Ribeiro discursou alertando o interventor Adhemar de Barros sobre uma velha aspiração dos educadores paulistas. Feito amplamente divulgado em periódicos oficiais e de grande circulação à época11, conforme fragmento de artigo publicado no Correio Paulistano:

Com a recondução do nome de Caetano de Campos para a fachada da Escola Normal da Praça da República, os professores desta época reconquistam um tesouro que estava perdido. Tesouro legado pelas gerações de mestres de outrora; e parte integrante do rico patrimônio da instrução pública de São Paulo, que mãos sacrílegas ousaram temerariamente tocar e reduzir, sem medo à sanção que o futuro, mais cedo ou mais tarde, haveria de aplicar-lhes (Notas - Escola Caetano de Campos, 15/12/1939).

Os fartos registros que ganhou esse episódio na imprensa paulista é um indício de que os educadores vinculados à Escola Normal teceram suas próprias estratégias na defesa inconteste da autonomia e da memória desta escola, confrontando-se com governos interventores e suas ações reformadoras e, para essa empreitada, contaram com o apoio de setores conservadores paulistas (advindos especialmente da Igreja Católica), que organizavam a reação à nova situação política que se instaurava na década de 1930.

Não podemos ignorar, no entanto, em nossa análise, a existência de um contexto propício à renovação e seguidos apelos sociais por amplas reformas educacionais que vinham de forma crescente desde a década de 1920. Representante deste movimento educacional renovador, Fernando de Azevedo destacou-se nas reformas do Distrito Federal, em 1928, em São Paulo, em 1933 e na redação do Manifesto dos Pioneiros, de 1932. Em sua versão, que predominou nos meios oficiais, está presente a preocupação em difundir a memória de uma luta redentora em defesa da educação nacional que, em nome do progresso da nação, promoveu a superação da situação de estagnação em que se encontrava o ensino. A partir da nova realidade política inaugurada no pós-30 era premente organizar «o campo doutrinário da pedagogia, no qual se disputava o controle ideológico do professorado» (Chagas de Carvalho, 1989, p. 34).

Azevedo costura sua crítica à autonomia dos Estados que se mantinham responsáveis pela organização do ensino primário e da escola de formação de professores. Na memória que constrói da luta do movimento renovador contra as forças tradicionais do liberalismo federalista que, em sua visão, deviam ser superadas, desaparecem a mobilização dos movimentos sociais, na medida em que prioriza a ação política que emana do Estado para a sociedade. Não podemos esquecer que Azevedo fala do lugar que ocupou, à frente das idéias de renovação, mas, também, como reformador que realizou políticas de reforma da instrução pública.

Ainda que tenha vivenciado ativamente os efeitos nefastos que a política nacional traria para São Paulo pós-revolução de 1930, a diretora Carolina Ribeiro não ignorava a necessidade de mudanças no plano educacional. Nesse sentido, a ampla reforma pedagógica e administrativa que Fernando de Azevedo promoveu no espaço, no mobiliário e material didático destinado à Biblioteca Infantil da Escola Primária, em 1937, contou com sua colaboração. Empregou, a partir dessa iniciativa, parte dos preceitos propostos pelas teorias e métodos renovadores do ensino, sem tampouco, abandonar o legado dos primeiros educadores republicanos.

Após a reforma da Biblioteca, em 1935 e, contanto com o apoio da bibliotecária Iracema Marques da Silveira, Ribeiro criaria o Jornal Escolar Nosso Esforço (1936-1967). Escrito e organizado pelos alunos do curso primário, esse periódico serviu de instrumento pedagógico e político pelo longo período de 31 anos, para veiculação das datas comemorativas e dos preceitos cristãos e cívicos defendidos no período (Pinheiro, 2008).

Assim, nessas marcantes passagens de sua carreira, a história da escola normal paulista e o tema das reformas educativas seriam os principais objetos de seus discursos e motivo dos conflitos com o poder público ao longo de sua trajetória. Nesse sentido, elemento agregador, a força da epopéia bandeirante pulsou no discurso de Carolina Ribeiro, proferido por ocasião das comemorações do IV Centenário da Cidade de São Paulo, em 1954, como também está incorporada nas ideias de João Lourenço Rodrigues, evidenciando que a permanência desta representação foi um dos parâmetros da militância paulista. Ribeiro busca explicar a origem do sucesso da fórmula paulista traçando um histórico do ensino neste Estado, e de seus elementos significativos, para, em seguida, enfatizar seu passado glorioso, cuja origem seria o ensino jesuítico:

A prosperidade gera inveja, a cobiça; e há, sempre, um Marquês de Pombal a consubstanciar as ambições, a inveja e o despeito, para, de um golpe, tentar destruir o trabalho de dois séculos sem respeitar direitos, sem olhar as conseqüências.

Em 1759 -o Brasil perdeu, num dia, 600 mestres- que tantos eram os padres expulsos [...]

Há um colapso na instrução, até que, refeito do espanto, se começa a procurar meios e modos de remediar o mal que era profundo. -Desastrosa reforma. Foi a primeira (Ribeiro, 1954, p.p. 99-117).

Notamos, neste trecho o argumento introdutório que simboliza a resistência às desastrosas políticas governamentais que tramaram contra o desenvolvimento da educação, não apenas na década de 1930, como ao longo da história do Brasil, no sentido inverso ao proclamado por Azevedo (como vimos anteriormente). Ecoa como um tesouro solapado pela cobiça de forças invejosas. É possível perceber indícios do tom crítico com o qual Ribeiro se dirigiu a elas e que guiou sua trajetória na defesa da Escola Normal. Na seqüência, a referência à primeira reforma republicana associando-a a Rangel Pestana e Caetano de Campos e ao desenvolvimento de São Paulo, como elementos intrinsecamente ligados à renovação desta escola, no início da República:

Rangel Pestana, o jornalista de pulso, traça rumos e focaliza a importância de uma grande Escola Normal, como base para a educação do povo. É a grande hora de renovação, e um grande nome se impõe para essa empresa: Caetano de Campos [...] Caetano de Campos firma o eixo de sua reforma para introdução do método analítico em São Paulo (e no Brasil), porque era, nos bons tempos, São Paulo o mentor da educação do país: era essa, principalmente, a prova de sua hegemonia (Ribeiro, 1954, p.p. 99-117).

Verifica-se, aqui, um dos elementos constante em seu discurso, a associação das primeiras reformas educacionais republicanas à vocação de São Paulo para o desenvolvimento. A recusa a uma posição inferior à hegemonia nacional que, a seu ver, sempre foi por direito pertencente a São Paulo. Mas, ela é ainda mais enfática ao recuar aos primórdios da colonização para acentuar as origens do ensino paulista: «O ensino primário paulista (e o brasileiro) começa com o jesuíta» (Ribeiro, 1954, p. 117).

O anseio por autonomia expresso por esses educadores retoma outro tema duplamente recorrente no repertório político da elite paulista, o federalismo. Em primeiro lugar, devido à forte identificação que expressam com os anseios federalistas dos republicanos históricos, que remontam ao final do século XIX e, em segundo, porque o lugar (Escola Normal) de onde falam foi palanque destes mesmos políticos federalistas, enquanto exercitavam sua autoridade. João Alberto Sales, autor do livro A Pátria paulista - manifesto republicano paulista - e que se tornou um dos mais árduos defensores do federalismo, foi diretor desta mesma Escola Normal da Praça, no período de 1898 a 1901.

Havia, pois, uma estreita relação, entre o projeto defendido pelos republicanos históricos, a Escola Normal da Praça e entidades de orientação católica. De certa forma, é possível observar relações entre aquele modelo épico de representação da história (Ferreira, 2002) e as práticas ritualísticas que constituíam a dinâmica da Escola "Caetano de Campos" e que se tornaram um solo profícuo para a realização contínua da sociedade paulista, via escolarização.

As relações de Carolina Ribeiro com a Igreja Católica

Demonstrando a liderança que havia cultivado junto aos professores e instituições paulistas e a ampla gama de relações tecidas com setores da Igreja Católica, Carolina Ribeiro participou ativamente da fundação da Liga do Professorado Católico - LPC (1919) e da Liga das Senhoras Católicas (1921), das quais foi diretora e membro atuante. Na LPC foi redatora da Revista Anchieta, em 1934, juntamente com o educador João Lourenço Rodrigues, por dois números apenas, pois a publicação foi interrompida para dar lugar à Revista Brasileira de Pedagogia, criada pela Confederação Católica Brasileira de Educação.

Catani (1989) e Chagas de Carvalho (1994) destacaram o papel que as revistas pedagógicas desempenharam na prescrição pedagógica para os professores. As revistas produzidas em São Paulo, na década de 1920 se configuraram em estratégias que buscaram atender à crescente demanda do professorado por orientação técnica-pedagógica, tais como a Revista Educação e a Revista Escola Nova. Porém, o largo interesse em atender ao professorado não se limitava às iniciativas do Estado. A Igreja se incumbiu de tal tarefa, em primeiro lugar, disseminando a fundação de associações leigas, como é o caso da Liga do Professorado Paulista, a primeira no gênero no Brasil, e da Liga das Senhoras Paulistas e, posteriormente, da criação das Associações do Professorado Católicos - APC (1928) e da Confederação Católica Brasileira de Educação (1933), dentre outras, que visava a centralizar e a concentrar as ações planejadas propriamente ao professorado, configurando-se, assim, um campo de disputas em torno de sua profissionalização.

A formação e a projeção de Carolina Ribeiro em entidades de filiação religiosa que alcançaram notoriedade nas fileiras do movimento do professorado paulista correspondia, de certa forma, à expansão da escolarização identificada nas primeiras décadas da República, mas expressa, também, o quadro regional no qual se deu a disputa política pela hegemonia da educação.

Discursando durante a fundação do Centro do Professorado Paulista (CPP), em 1931, o professor Joaquim Álvares Cruz nos deixa algumas pistas sobre os significados da filiação à LPC no contexto do associativismo docente paulista, que sintetizam os anseios desta associação junto aos professores e as disputas em torno da memória e da organização do professorado, se referindo à LPC como uma associação da classe puramente católica.

É verdade que já existiam duas associações. Uma, a Associação Beneficente do Professorado Público de São Paulo, de feição litero-pedagógica, semi-abandonada, sem-rei-nem-roque e na agonia, deixando no seu acervo preciosa coleção de revistas com ótimos trabalhos (...) Outra, a Liga do Professorado Católico, de cunho puramente religioso, funcionando junto à Cúria Metropolitana e destinada a congregar, em torno da Igreja, o magistério católico (...) nem uma nem outra, pois, se achava em condições de canalizar os anseios da classe, agrupando-a em torno dos seus ideais (Cruz, 1931, apud: Cruz, 2008).

A distinção entre esses movimentos traçada na leitura do Professor Cruz, deixa escapar a penetração da hierarquia católica na disputa que havia entre grupos de educadores paulistas, que se organizavam em associações e movimentos com objetivos distintos. Portanto, pode-se inferir que a clara filiação de Carolina Ribeiro a entidades de orientação católica que influenciaram o associativismo docente e os educadores paulistas, cuja atuação central era a defesa de valores e símbolos relacionados à escola normal e ao ensino paulista e identificados ao progresso de São Paulo a aproxima, ao mesmo tempo, dos educadores que comungavam ou apenas simpatizavam com a causa educacional católica e com o civismo cristão presentes no ensino normal. E nos fornece indícios relevantes da existência de um alinhamento da ação educacional católica com o ensino público em São Paulo.

As estratégias da Igreja Católica, em promover sua inserção nos meios sociais, no processo de transição do regime republicano no Brasil, foram investigadas por Miceli (1988) que destaca, ao estudar a mobilidade social da elite eclesiástica, dentre outros aspectos, a criação de formas negociadas para compartilhar o poder ocupando cargos-chave na política local, de ampla expressão institucional, garantia da necessária inserção nacional. O trabalho de Miceli representou um marco interpretativo para estudos sociológicos e históricos sobre as relações entre Estado e Igreja e trouxe como grande contribuição, também para os estudos em educação, o rompimento com a concepção monolítica segundo a qual a separação entre essas duas instituições, imposta pela Primeira Constituição Republicana (1891), teria representado uma perda de espaço social e político para a Igreja.

Ao recuperar as continuidades da ação católica no campo educacional, tais como a forte presença da concepção católica, tanto nas formas de associativismo docente quanto na orientação do ensino público em São Paulo, durante a chamada Primeira República, promovida em várias frentes, com destaque para a direção da escola normal e os educadores nos postos de comando em outras instâncias públicas, podemos questionar uma memória histórica comum, segundo a qual a Igreja estaria alijada do cenário político ao qual voltaria a partir da década de 1920, na tentativa de recuperar o espaço político-institucional perdido com o advento da República. Dessa forma, estudar a trajetória da educadora Carolina Ribeiro, problematizando esses vínculos, pode contribuir para o rompimento com uma visão estereotipada que qualifica negativa ou positivamente a ação educacional católica no contexto da educação laica. É afirmar a relevância das propostas educacionais católicas no contexto da política educacional paulista.

No caso de Carolina Ribeiro podemos indagar se essa aproximação com a Igreja Católica não representou o passaporte para que uma normalista galgasse espaços públicos de expressão, antes ocupado por outros renomados educadores que assumiram cargos de liderança no magistério paulista. São relações que conformam um modo de conceber a educação, as políticas educacionais, a organização do espaço escolar e o movimento dos professores como categoria profissional. Portanto, sua marcante inserção social pode ser atribuída, em parte, a essa forte vinculação religiosa, destacada constantemente pela imprensa e nos eventos comemorativos que realizava na escola, mas, especialmente, na sua concepção da relação entre o magistério e a ação política.

E foi em função da origem paulista e de sua orientação católica que essa educadora e escritora mereceu lugar privilegiado em publicações especializadas no registro da história intelectual paulista. Foi alvo de biógrafos ufanistas do orgulho de serem paulistas, que contribuíram para a cristalização de sua memória. Um livro digno de registro é «A mulher paulista na História», organizado por Adalzira Bittencourt. Outro destes biógrafos foi Luís Correia de Melo, autor do livro Dicionário de autores paulistas, cuja obra, lançada em 1954, visava acrescentar às comemorações dos 400 anos da cidade de São Paulo «um trabalho de natureza paulística» (Melo, 1954, p. 13). Segundo apresentação do autor, a obra «é composta apenas por autores nascidos em São Paulo, razão suficiente para terem suas trajetórias imortalizadas». Fiel a este critério, Carolina Ribeiro e João Lourenço Rodrigues figuram como verbetes como grandes paulistas.

Desta forma, o diálogo com instituições e sujeitos que estiveram em evidência no longo processo de racionalização e uniformização de políticas públicas de ensino, em contextos distintos é um indício da relativa autonomia dessa educadora e da profusão de idéias multifacetadas que esses sujeitos irradiavam nos meios culturais e educacionais. Evidenciam continuidades e mudanças peculiares aos processos político-educacionais e discursos e práticas nem sempre convergentes.


Pie de página

1Carolina Ribeiro em entrevista concedida ao Jornal Correio Paulistano sob o título: Expoente máximo do professorado em São Paulo: Carolina Ribeiro - Exerceu todos os cargos de direção relativos ao ensino - única mulher secretaria de estado nas Américas do Sul e do Norte. Correio Paulistano, 23/02/1958.
2Expressão que seria empregada pela elite intelectual paulista em alusão ao legado de heroísmo e pioneirismo do movimento das bandeiras, liderado pelos paulistas desbravadores do interior do Brasil colonial, nos séculos XVI e XVII.
3A noção de trajetória aqui, recupera características de um percurso humanizado que entrelaça discurso e práticas, nem sempre convergentes e se aproxima da noção de relato em Bourdieu (1996), para quem o conteúdo não é estático, passivo, frio, mas ressignificado pelo sujeito e pelas condições objetivas.
4A disputa pela memória é tratada, neste texto, no sentido atribuído por Burke (1992a, p. 240) como «recriações do passado, atos de memória, mas são também tentativas para impor determinadas interpretações do passado, para moldar a recordação. São, em todos os sentidos, representações coletivas».
5Sobre o significado social que o ingresso no curso normal representava para as moças e suas famílias no Brasil, no final do século XIX e primeiras décadas do século XX, há uma diversidade de publicações ficcionais e de estilo memorialístico. Ver: Dupre, Maria Jose. Éramos Seis. São Paulo: Atica, 1973; MORLEY, Helena (pseudônimo de Alice Dayrell Caldeira Brant). Minha vida de menina. Cia. das Letras, 1998.
6Nota - memória herdada
7O médico carioca Caetano de Campos foi nomeado em 13 de janeiro de 1890 ao cobiçado cargo de diretor da Escola Normal de São Paulo por indicação de Rangel Pestana. Dentre os políticos e educadores que se destacaram no período, Rangel estana, Gabriel Prestes, Prudente de Morais e Oscar Thompson, cuja memória é reverenciada como os responsáveis pelas reformas que fariam de São Paulo pólo irradiador de cultura e vanguarda da educação nacional, Caetano de Campos era o único que não era natural de São Paulo.
8Em novembro de 1937, Getúlio Vargas decretou o Estado Novo e outorgou uma nova Constituição. Esse período totalitário perdurou por até maio de 1945, quando o Decreto-Lei No. 7.586, de 28 de maio de 1945 determinou recriação da Justiça Eleitoral e do Tribunal Superior Eleitoral, em dois de junho daquele ano.
9A União Democrática Nacional (UDN) foi um partido político fundado em 1945, de orientação conservadora e em oposição às políticas implementadas pelo Governo Getulio Vargas.
10A médica Carlota Pereira de Queiroz participou como parlamentar na Constituinte de 1933 e foi a primeira brasileira eleita deputada federal, em 1934, quando os direitos políticos abriram-se às mulheres.
11Ver: Revista Educação: Departamento de Educação do Estado de São Paulo, vol. XXVII, No. 27/28, p. 154, set./dez., 1939 e Jornal da Manhã, de 12/12/1939.


Referencias

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Documentos citados

A Atualidade da Escola "Caetano de Campos". Jornal de São Paulo, 16 mar. 1946.

Expoente máximo do professorado em São Paulo: Carolina Ribeiro -Exerceu todos os cargos de direção relativos ao ensino- única mulher secretaria de Estado nas Américas do Sul e do Norte. Correio Paulistano, 23/02/1958.

Folheto, Centenário de Nascimento, 1992

Notas - Escola Caetano de Campos. Correio Paulistano, São Paulo, 15 dez.1939.