Tecné, Episteme y Didaxis: TED
0121-3814
Universidad Pedagógica Nacional, Facultad de Ciencia y Tecnología
https://doi.org/10.17227/ted.num56-18621

Recibido: 1 de febrero de 2023

Experimentação e formação de professores/as de Química: diálogos com a relação com o saber


Experimentación y formación de maestros de química: diálogos con la relación con el saber


Experimentation and Training of Chemistry Teachers: Dialogues with the Relationship with Knowledge

A. Cristina Lança, 1 W. Francisco, 2

Mestra em Química. Professora de Educação Básica. Universidade Federal do Tocantins - Campus de Gurupi, Brasil. amandacristinalanca17@gmail.com Universidade Federal do Tocantins Universidade Federal do Tocantins - Campus de Gurupi Brasil Brazil
Doutor em Química. Profesor universitário. Universidade Federal da Integração Latino-Americana - Foz do Iguaçu, Brasil. welington.francisco@unila.edu.br Universidade Federal da Integração Latino-Americana Universidade Federal da Integração Latino-Americana - Foz do Iguaçu Brazil

amandacristinalanca17@gmail.com

Resumo

A teoria da relação com o saber, desenvolvida por Bernard Charlot, examina como o sujeito se apropria do conhecimento ao longa da sua trajetória vivencial. Partindo dessa noção, este estudo identifica sete elementos formativos da relação com o saber para explorar as concepções dos estudantes de Licenciatura em Química do estado do Tocantins sobre o papel da experimentação no ensino e aprendizagem da Química. Realizou-se uma pesquisa qualitativa, utilizando-se o método de caso. O balanço do saber serviu como instrumento de pesquisa e a análise de conteúdo foi aplicada para tratar os dados. Os resultados apontaram que as concepções dos estudantes transitam entre a experimentação investigativa e ilustrativa, o que é condizente com a realidade escolar. No entanto, reconhece-se a necessidade de intensificar as discussões sobre experimentação ao longo da formação acadêmica.

Palavras-chave:

experimentação, formação de professores, relação com o saber, ensino de química.

Resumen

La teoría de la relación con el saber, desarrollada por Bernard Charlot, examina cómo el sujeto se apropia del conocimiento a lo largo de su trayectoria vivencial. Basándose en esta noción, este estudio identifica siete elementos formativos de la relación con el saber para explorar las concepciones de los estudiantes de Licenciatura en Química del estado de Tocantins sobre el papel de la experimentación en la enseñanza y aprendizaje de la química. Se llevó a cabo una investigación cualitativa utilizando el método de estudio de caso. El balance del saber sirvió como instrumento de investigación y el análisis de contenido fue aplicado para tratar los datos. Los resultados indicaron que las concepciones de los estudiantes oscilan entre la experimentación investigativa y la ilustrativa, reflejando la realidad escolar. Sin embargo, se reconoce la necesidad de intensificar las discusiones sobre la experimentación a lo largo de la formación académica.

Palabras clave:

experimentación, formación de profesores, relación con el saber, enseñanza de la química.

Abstract

Bernard Charlot’s theory of the relationship with knowledge examines how the subject appropriates knowledge throughout their lived trajectory. Based on this notion, this study identifiesseven training elements of the relationship with knowledge to explore the conceptions ofChemistry undergradua te in the state Tocantins, Brazil, regarding the role of experimentation in teaching and learning Chemistry. A qualitative research was conducted using the case study method. The balance of knowledge served as a research instrument, and the content analysis was applied to process the data. The results showed the students’ conceptions oscillate between investigative and illustrative exprimentation, reflecting the school reality. However, there is a recognized need to intensify dis cussions about experimentation throughout the academic training.

Keywords:

experimentation, teachers’ training, relationship with knowledge, chemistry teaching.

Introdução

Este trabalho é um recorte de uma dissertação de Mestrado que relacionou a formação de professores e professoras de Química sobre a temática da experimentação, buscando responder como os licenciandos em Química do estado do Tocantins estão sendo formados para ministrar atividades experimentais. Para isso, utilizou-se elementos da relação com o saber para identificar essa formação (Charlot, 2021; Charlot, 2000; Francisco, 2019).

Entende-se que ensinar Química deve ir além da memorização de fórmulas, teorias e reações, uma vez que muitas vezes não é feito o estabelecimento de relações com o mundo dos sujeitos. Desse modo, concorda-se com Santos Junior e Marcondes (2010) que o uso da experimentação auxilia no aprendizado científico porque permite aos estudantes realizar investigações, propor hipóteses e avalia-las, colocando-os como cidadãos pensantes e conscientes sobre o conhecimento químico.

A experimentação é uma importante metodologia de ensino, sendo caracterizada pelo papel investigativo e auxiliando os estudantes a: (i) pesquisarem e discutirem; (ii) formularem ideias com base em dados científicos; (iii) compreenderem explicações e teorias. Tudo isso sob a supervisão do educador (Santos et al., 2019). Trabalhar com as substâncias e suas propriedades, entender como ocorrem as reações e saber interpretar os resultados de um experimento para compreendê-lo são pontos para um aprendizado químico mais sólido (Queiroz, 2004).

Borges (2002) relata que os professores concordam que a experimentação contribui para o Ensino de Química. Contudo, o autor entende que deve haver um embasamento teórico prévio para que bons resultados de aprendizado sejam gerados. Embora essa discussão teórica possa surgir a partir dos próprios dados, de modo a iniciar a com preensão de seus significados, é comum que tais discussões ocorram antes da realização das experimentações.

Por isso, a experimentação pode ser realizada de diversas maneiras, apoiando-se em diferentes princípios e realidades para ser utilizada. Diversos autores destacam que a experimentação pode ser mais fechada, de forma ilustrativa, ou mais livre para os estudantes, sendo mediada pelo educador de forma direta ou indireta. (Francisco Junior, Ferreira & Hartwig, 2008; Borges, 2002).

Dentre as estratégias mais citadas na literatura, a experimentação pode ser realizada de forma: (i) Ilustrativa, cujo foco do professor é realizar demonstrações, retomar conceitos já trabalhados em sala de aula, geralmente com roteiros definidos e sem abertura para os estudantes proporem explicações (Francisco Junior, Ferreira & Hartwig, 2008); (ii) Investigativa, é o momento em que os estudantes investigam algo, discutindo a problemática oferecida pelo educador, coletando dados, propondo hipóteses, chegando a diversas suposições, debatendo com todos da turma a partir da supervisão do educador e chegando ao um consenso final (Carvalho, 2018; Borges, 2002). É salutar que a experimentação investigativa possua uma variedade de liberdade e autonomia para os estudantes, ficando a escolha do professor definir o grau de liberdade de acordo com a turma; e (iii) Problematizadora, quando o estudante participa de todas as etapas de ensino investigativo, desde a escolha do tema até o momento da realização da prática (Francisco Junior, Ferreira & Hartwig, 2008).

Assim, Rocha, Altarugio e Malheiro (2018) apontam para a importância de fomentar a formação de futuros professores sobre o papel da experimentação, assim como debater no processo formativo as diferentes estratégias de ensino (experimentação ilustrativa/demonstrativa; experimentação investigativa; experimentação problematizadora) e suas características. Isso permitirá o desenvolvimento de saberes que darão suporte ao utilizar essa metodologia enquanto profissional.

Compreender essa trajetória formativa possibilita prever como a experimentação será realizada por esses futuros professores. Para isso, apoia-se na noção da relação com o saber proposta por Charlot (2000; 2021), que visa fazer uma leitura positiva das situações vividas pelos sujeitos enquanto ocorre o processo de aprender. O autor destaca aspectos como a posição social da família, singularidade e história do indivíduo, significados que conferem a cada posição, sentidos e práticas de cada sujeito e especificidade da relação com o saber. Ademais, considera que toda a relação com o saber possui uma base antropológica e que o processo em que o ser humano aprende é a partir da apropriação da humanidade que o mundo lhe oferece (Charlot, 2021).

Além disso, é preciso verificar e entender toda a trajetória desse indivíduo, como se sente no mundo que habita, seu nível de conforto e aceitação do local, e a maneira que o sujeito vê as atividades executadas. Do ponto de vista do ensino da Química, é preciso verificar o nível de aproveitamento e valorização do estudo e do ambiente em que se realiza ou realizou a experimentação durante sua formação, bem como identificar a maneira pela qual os educadores retratavam a importância dos diferentes tipos de atividades experimentais para o Ensino de Química. Analisando todos esses aspectos, é possível fazer uma leitura positiva desse sujeito, verificando por que alguns estudantes sentem dificuldade em realizar experimentação e outros não.

Nesse sentido, o presente artigo tem como objetivos: i) identificar a concepção dos estudantes a respeito da experimentação; e ii) traçar um perfil de formação em Química frente às características da experimentação.

Relação com o saber: fundamentos e diálogos entre os elementos formativos e a experimentação

Charlot (2000) destaca que todo ser humano no mundo é um ser social e singular. Para se tornarem seres humanos, passam por um processo conhecido como humanização; sucedido pelo de singularização, que é a maneira de se entender como único; e, por fim, a socialização, a forma como o sujeito se encontra na sociedade. Compreendendo essa tríade, é possível entender o porquê de alguns estudantes irem bem e outros mal no processo escolar, pois:

A relação com o saber é a entre um sujeito com ele mesmo, com o mundo e com o outro, fazendo ligações entre locais, objetos, pessoas e situações. É a forma que o sujeito se apropria do saber a partir da escola, dos educadores, dos familiares, amigos, além da linguagem, do tempo, da ação com e sobre o mundo, com outros e consigo mesmo. (Charlot, 2000).

Essa dupla leitura, em termos sociais e singulares, não deve ser aditiva. Charlot (2021, p. 5) aprofunda que essa dualidade deve ser “multiplicativa para compreender a construção singular de um sujeito a partir do que a sociedade lhe oferece e lhe impõe”. Tudo isso advém de como o sujeito se relaciona durante sua trajetória educacional.

Por isso, a relação com o saber visa compreender como o sujeito “(...) organiza seu mundo, como ele dá sentido à sua experiência e especialmente à sua experiência escolar (...) e como o sujeito apreende o mundo e, com isso, como se constrói e transforma a si próprio” (Charlot, 2005, p. 41). Dessarte, a relação com o mundo está conexa com todo o conhecimento que o sujeito interpreta e estuda a partir do seu mundo.

O sujeito se relaciona com esse mundo a partir do que lhe faz sentido e tem importância, sendo capaz de construir e reconstruir seu mundo desde a relação com o outro e consigo mesmo. A ressaltar esse fito, é na atividade intelectual que o estudante deve encontrar o motivo para aprender, caso contrário não entrará na atividade. Assim, o estudante deve buscar recursos para adquirir o aprendizado e obtenção do saber para conseguir aprender (Charlot, 2001).

Toda operação, norma ou metodologia utilizada para que o sujeito se aproprie do conhecimento está relacionada com a normatividade, bem como todos os conhecimentos e conceitos adquiridos estão ligados à rede de significados (Charlot, 2000).

Assim, o papel do professor torna-se importante no processo de formação inicial. É a partir dos questionamentos relacionados aos conhecimentos de mundo que é possível despertar no estudante o desejo de estudar. Isso pode provocar um movimento em busca dos conhecimentos, a partir de pesquisas, discussões e investigações, possibilitando a formação professores críticos.

Por conseguinte, a relação com o mundo envolve os conhecimentos adquiridos durante a formação e a forma como poderão ser usados futuramente, pois “o ser humano não é um espectador do mundo, ele é, coletivamente, individualmente, e sempre em uma história, um ator nesse mundo” (Charlot, 2021, p. 5).

Já a relação com o outro, que também é uma relação com o saber, envolve a interação entre os sujeitos. O outro pode auxiliar no entendimento de um determinado assunto, como Química, Matemática e Português, ou ensinar um conhecimento prático, como andar de bicicleta, ou ainda inspirar outros a serem grandes profissionais, por exemplo. Esse outro não precisa ser necessariamente uma pessoa física, mas pode ser virtual, desde que faça parte da comunidade a partir de um saber estabelecido (Charlot, 2000).

Charlot (2001) ressalta três formas de aprender sobre a relação com o outro: o outro como mediador do processo (professores, funcionários da escola, pais e amigos), indicando que o sujeito pode reproduzir ou se opor aos conhecimentos adquiridos a partir das discussões realizadas; o outro como fantasma do outro que cada um traz em si, ou seja, é quem o sujeito admira e se espelha para se apropriar do conhecimento (por exemplo, a influência de professor para tornar-se um educador renomado); e o outro que existe como humanidade nas obras produzidas. Em outras palavras, são os saberes adquiridos a partir da leitura de livros, artigos científicos e vídeos, produzidos por sujeitos específicos, mas que a relação está com a produção em si.

É importante que a formação inicial de professores, as relações com esses diferentes outros, sejam rígidas e baseadas em problemáticas, de forma a serem capazes de atuar como professores questionadores. A maneira na qual é realizada a formação dos professores pode interferir na forma como ele atuará como futuro profissional.

Entretanto, a relação com o saber também é uma relação consigo mesmo,de singularidade, pois o que está em voga nesse processo é a construção de si mesmo, do eu reflexivo. Destarte, o sujeito aprende a partir do confronto de suas ideias e do movimento interno dele, que é a mobilização (Charlot, 2000).

Todo sujeito é social, identitário e epistêmico. A dimensão social expressa as condições sociais desse estudante, suas relações na sociedade, no curso de Química, com os professores e colegas. Já a dimensão identitária se caracteriza pelo encontro do estudante consigo mesmo, trazendo à tona sua idiossincrasia, experiência de vida, compreendendo a formação da sua identidade a partir de sua história. Enquanto o aspecto epistêmico envolve o processo de aprendizado do sujeito.

Nesse último, mas ainda mantendo conexão com a questão identitária, Charlot (2000) utiliza o termo mobilização, referindo-se ao ato do despertar o desejo do sujeito em aprender, envolvendo diferentes atividades como pesquisar, discutir, realizar experimentação, etc. O conceito de mobilização sinaliza que o sujeito deve se colocar em movimento, utilizando-se como próprio recurso para a realização da atividade.

Dentro dessas três relações com o saber, Charlot (2000) específica as formas como o sujeito aprende durante a trajetória e propõe quatro figuras do aprender que se relacionam com o saber: objetos-saberes; objetos aprendidos; dispositivos relacionais e atividades a serem dominadas.

Objetos-saberes são todos instrumentos que possuem um saber incorporado em si, como um livro, museu, obras de arte, etc. É conhecido como o saber intelectual, que muitas vezes é abstrato, como aprender um conceito científico. Os objetos aprendidos são artifícios que o sujeito precisa aprender, e envolvem o domínio de diferentes objetos para realizar alguma tarefa, como usar o celular, escovar os dentes, ou saber manusear uma vidraria. Os dispositivos relacionais são formas e regras de convivências que o sujeito precisa se apropriar para viver em sociedade, tais como pedir licença, falar obrigado, respeitar os professores e pessoas mais velhas, se comportar em uma sala de aula. Já as atividades a serem dominadas são regimentos e movimentos aprendidos pelo domínio do corpo, como andar, correr, comer e realizar uma titulação (relacionado à experimentação). Todos esses processos estabelecem uma relação com o saber (Charlot, 2000).

Diante disso, Charlot (2021, p. 9) sintetiza que:

Aprender é sempre entrar em uma atividade epistêmica específica: a relação como conhecimento é sempre relação com um tipo definido de aprender. Mas esse princípio se articula com os precedentes, pois essa atividade epistêmica supõe certo tipo de relação com o mundo e define uma identidade de quem aprende. Portanto: a relação com o saber é sempre, ao mesmo tempo, epistêmica, identitária e social. (Charlot, 2021, p. 9).

Quando se trabalha a experimentação associada à relação com o saber, é possível desenvolver um estudo significativo, pois se concentra em sentido, desejo, mobilização, atividade intelectual e prazer. Francisco (2019) faz uma transposição de sete elementos analíticos da relação com o saber (atividade intelectual, rede de significados, normatividade, professor questionador, relação de saber, sujeito e mobilização) que visa compreender o processo de aprendizagem dos estudantes de Química, os quais adaptamos para elementos formativos e dialogamos com a experimentação para a compreensão da formação docente.

É de suma importância entender quais os anseios, desejos e entendimento dos futuros professores quanto à experimentação, auxiliando-os no processo de formação, de modo a se tornarem capazes de realizarexperimentações de diferentes maneiras seguras e eficazes com seus futuros estudantes.

Atividade intelectual, rede de significados e normatividade são elementos que estabelecem, ao mesmo tempo, relação com o saber e com o mundo, pois estão inseridos no ambiente escolar, especialmente na sala de aula e nos processos de ensino (ligado ao professor) e aprendizagem (ligado aos estudantes).

A atividade intelectual envolve o que é proposto pelo professor e o que os estudantes irão fazer em um processo duplo: motivo (intencionalidade de ensino) e objetivo (alcançar resultados de aprendizagem) (Francisco, 2019). Assim, a própria experimentação é a atividade intelectual, pois é a maneira metodológica que o educador escolherá para o processo de ensino.

A rede de significados, entendida como o conjunto de conhecimentos sobre algo com todas suas conexões possíveis, é, para o processo de aprendizagem, os conhecimentos que o estudante já carrega consigo (pré-saber) e o que ele aprenderá após o conteúdo (pós-saber) (Francisco, 2019). Dessa forma, como elemento formativo, entende-se como os conhecimentos científico-pedagógicos do professor para prover o processo de ensino e as possíveis estratégias que poderá ser explorada dentro da atividade intelectual. Ou seja, são os diferentes tipos de experimentação (ilustrativa, investigativa e problematizadora) que se pode trabalhar em sala de aula.

Já a normatividade é comporta por todos os procedimentos, regras ou linguagem requeridos para se desenvolver a atividade/aula e, consequentemente, para os estudantes se apropriarem e alcançarem a aprendizagem. Em termos de aprendizagem Química/Científica, basicamente é o domínio da linguagem pelos estudantes dos aspectos das experiências/macroscópico, modelos/microscópico e visualizações/representacional, o que possibilita o entendimento (Francisco, 2019).

Para a formação docente, esse elemento abarca o domínio de todas as características da atividade intelectual e da rede de significados. No caso da experimentação, a normatividade abrange as características da experimentação ilustrativa, investigativa e problematizadora para que o professor selecione a melhor maneira de se trabalhar com os estudantes dentro de sua realidade escolar. Ou seja, se o professor entende que seus estudantes têm autonomia para desenvolver uma experimentação investigativa mais aberta, investirá nisso.

Já os elementos professor questionador/ mobilizador e relação de saber pertencem à relação com o outro, pois “aprender é entrar na comunidade virtual (e às vezes presente) daqueles que aprenderam o que aprendo” e que aprender “só é possível pela intervenção do outro” (Charlot, 2001, p. 26).

O professor questionador/mobilizador tem o papel de auxiliar o estudante a estudar com o propósito de aprender durante a realização das atividades. Por esse motivo, o papel do professor mobilizador é tão importante no aprendizado do estudante e está imbuído em sua formação docente. Por exemplo, ao realizar uma experimentação, é necessário o acompanhamento de todo o processo para que o sujeito sinta a necessidade de buscar conhecimentos para aprender. Isto é, manter os estudantes mobilizados na atividade intelectual.

A relação de saber é definida como “relações sociais consideradas sob o ponto de vista do aprender” (Charlot, 2000, p.85). Isto é, ela colabora na organização de pensamentos iniciais do sujeito, por meio do conhecimento do educador. Logo, é através das múltiplas interações entre estudantes e professor, durante todo o acompanhamento, que o professor auxilia o estudante na aprendizagem.

No entanto, só há relação com o saber se houver um sujeito com desejo de saber ou aprender. “A relação com o saber é o próprio sujeito, na medida em que deve aprender, apropriar-se do mundo, construir-se” (Charlot, 2000, p.62).

Francisco (2019) relaciona os elementos sujeito e mobilização, ligados àa relação consigo mesmo, e pertencentes também à relação com o saber. O sujeito é o elemento fundamental no processo de formação através do confronto das próprias ideias, buscando constantemente alcançar o conhecimento. Uma vez dado esse direcionamento, a experimentação pode atuar como mobilização, colocando esse sujeito como próprio recurso no processo de aprender ou de ensinar (no caso do professor).

Além de estar relacionado com o despertar do interesse, a mobilização visa entender o processo que passa da vontade de saber para o desejo de aprender ou ensinar. Por meio da experimentação, o educador mobiliza os estudantes na busca de conhecimentos, mediante a pesquisa, questionamentos, sendo os próprios detentores dos seus conhecimentos.

Por consequência, entender como o futuro professor é formado para realizar experimentações, enquanto trajetória com o saber e todas as suas relações, dá uma noção de como esse sujeito trabalhará, pelo menos de início, com seus estudantes.

Metodologia

A Figura 1 indica a organização do método de pesquisa adotado nesta pesquisa, do tipo estudo de caso, que consiste em estudar um assunto específico de modo a entender em profundidade a situação/local/evento/sujeitos para estabelecer padrões e indicadores que podem revelar características de um todo (Ludke & André, 1986).

O caso estudado nesta pesquisa tem como localidade as Instituições de Ensino Superior (IES) do Estado do Tocantins que possuem, em específico, cursos de Licenciatura em Química. Portanto, focou-se em investigar as concepções que os licenciandos em Química, futuros professores de Química da rede de Educação Básica do estado, têm sobre a experimentação durante suas formações. A partir dessas concepções, é possível entender com mais profundidade como esses sujeitos dão significado à experimentação em suas formações e no próprio Ensino de Química, de modo a identificar conhecimentos sobre as diferentes vertentes da experimentação, suas potencialidades, limitações e desafios que possam vir a ser enfrentados e que ainda precisam ser minimizados.

Esquema sistemático do método de pesquisa de estudo de caso adotado na pesquisa

Figura 1: Esquema sistemático do método de pesquisa de estudo de caso adotado na pesquisa

O público participante foi composto por estudantes de Licenciatura em Química do estado do Tocantins, incluindo o Instituto Federal do município de Paraíso do Tocantins (IFTO) e a Universidade Federal do Tocantins - Campus de Araguaína, bem comoos cursos EaD, sendo realizado por meio da plataforma Google Forms.

Para a produção de dados, foi elaborado um balanço de saber adaptado, em que os estudantes deveriam escrever textos sobre seus entendimentos, ideias, desejos e anseios sobre a experimentação, sendo mais significativo para compreender a formação dos futuros profissionais. O balanço do saber “visa identificar processos e, em seguida, construir constelações (configurações, tipos ideais), e não caracterizar indivíduos” (Charlot, 2001, p. 22).

O balanço produzido para a pesquisa foi: Desde que ingressou no curso de Licenciatura em Química na universidade, o que você aprendeu sobre a experimentação para a sua formação enquanto docente? De que maneira as aulas experimentais foram realizadas durante o curso? Quais debates foram feitos sobre como realizar essas aulas? O que você julga de mais importante sobre a experimentação? E o que você espera aprender mais sobre o assunto futuramente?

Foram coletadas 13 respostas dos licenciandos em Química, sendo: sete (7) do IFTO campus Paraíso do Tocantins, um (1) da UFT EaD e cinco (5) da UFT- campus Araguaína. Porém, foram selecionadas as respostas dos estudantes do IFTO - Campus Paraíso do Tocantins, instituição que teve o maior número de dados coletados, identificando-as de E1 a E7. Ademais, esse recorte é significantivo para um dos pesquisadores, uma vez que foi o local de formação inicial e pode trazer um parâmetro de análise em relação a como está sendo a formação desses acadêmicos após a graduação.

De início, todos os estudantes que participaram da pesquisa tomaram posse do termo de consentimento livre e esclarecido, sendo ressaltado que a participação nesta pesquisa não traria complicações legais de nenhuma ordem e que os procedimentos utilizados obedeciam aos critérios da ética na Pesquisa com Seres Humanos, conforme estabelecido nas Resoluções 466/12 e 510/16 do Conselho Nacional de Saúde - que tratam dos princípios éticos e da proteção aos participantes de pesquisas em Ciências Humanas e Sociais. Após assinarem o termo, os participantes eram redirecionados para responder ao balanço de saber.

Para os tratamentos dos dados, utilizou-se dos princípios da análise de conteúdo propostos por Bardin (2016), que visa observar dados através de três etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados; inferência e interpretação.

A análise dos balanços dos saberes foi dividida em quatro grupos. No grupo 1, procurou-se entender o que os futuros professores aprenderam sobre experimentação durante a formação enquanto docente. O grupo 2 buscou compreender a maneira como que as aulas experimentais foram abordadas durante a formação dos acadêmicos. No grupo 3 foi verificado o que o estudante julga de mais importante na experimentação. Por fim, no grupo 4 foi analisado o que os futuros professores esperavam aprender sobre a experimentação. Os quatro grupos buscaram evidenciar ao máximo a amplitude do papel da experimentação tanto na formação docente quanto no Ensino de Química.

Na pré-análise, os textos produzidos pelos licenciandos foram lidos na íntegra para conhecer o corpus da pesquisa e iniciar a organização e análise. A exploração do material foi feita a partir da identificação de ideias semelhantes e suas codificações. Para o processo de categorização, analisou-se detalhadamente as codificações buscando encontrar temas ou eixos em comum para obter um menor reagrupamento, conforme mostra o Quadro 1 abaixo.

Quadro 1: Categorização dos extratos do balanço do saber

Sobre o Quadro 1, as categorias apresentadas possuem os seguintes significados:

  • Estimula a pesquisar, discutir e pensar: relacionado a textos que indicavam ações dos estudantes durante a realização da experimentação, sendo capazes de construir seus conhecimentos;

  • Associação entre a teoria e a prática: abrange respostas que evidenciavam a relação entre conhecimentos teóricos da Química com os conhecimentos práticos por meio da experimentação;

  • A experimentação fora do laboratório de Química: abarca balanços que mostram outras possibilidades de usar a experimentação, sobretudo nas condições escolares;

  • Roteiros pré-estabelecidos: refere-se às respostas que apontavam que as experimentações não proporcionavam debates mais profundos porque já estava tudo estabelecido desde o início por meio de roteiros prontos;

  • Forma remota: envolve a realização de experimentações por meio de vídeos ou de atividades experimentais para serem feitas em casa durante a pandemia de covid-19;

  • Participação ativa dos estudantes: inclui balanços em que indicam o papel do professor como questiona dor, fazendo com que os estudantes investiguem mais para conseguir explicar os resultados;

  • Realização de mais experimentações: textos que englobam a necessidade de realizar mais experimentações para continuar aprendendo e saber trabalhar de diferentes formas;

  • Realização de cursos formativos: respostas que revelam a carência de atividades experimentais durante a formação inicial e indicam a necessidade de realização de cursos específicos para ampliar os conhecimentos.

Por último, a fase das inferências buscou dar significado aos dados coletados, com a interpretação apoiando-se nos sete elementos da relação com o saber (atividade intelectual, rede de significados, normatividade, relação de saber, professor questionador, sujeito e mobilização), propostos por Francisco (2019), em uma perspectiva de formação de professores e de processo de ensino relacionado com as características da experimentação. Nesta etapa, para cada categoria analisavam-se os textos de modo a identificar características dos elementos da relação com o saber para inferir a compreensão formativa sobre o significado da experimentação e suas características.

Tais elementos analíticos da relação com o saber buscam compreender o entendimento dos futuros professores de Química a respeito dos diferentes tipos e características da experimentação, a partir dos dados levantados pelos extratos dos balanços do saber, constatando se estão sendo formados para ministrar os diferentes tipos de experimentações como docentes em formação.

Resultados e discussão

O balanço do saber apresentado aos estudantes foi constituído por quatro (4) agrupamentos a respeito do processo de formação com base nas características da experimentação. Os resultados foram organizados e interpretados de acordo com cada grupo.

Aprendizados adquiridos sobre a experimentação

A partir dos balanços dos saberes produzidos pelos acadêmicos, surgiram diferentes ideias expressas sobre os conhecimentos obtidos referentes à experimentação. Consequentemente, identificaram-se três categorias considerando as ideias semelhantes: (i) Estimula a pesquisar, discutir e pensar; (ii) Associação entre teoria e prática; (iii) Experimentação fora do laboratório de Química.

Na categoria “Estimula a pesquisar, discutir e pensar”, as justificativas apontam que a experimentação possibilita que os estudantes se sintam mais à vontade para pesquisarem, investigarem e discutirem com o educador, sendo capazes de construírem seus conhecimentos:

E1: O aluno aprende mais na prática, entretanto, deve-se planejar a realização aproximando os estudantes dos termos técnicos e científicos da química, através de discussões e questionamentos. (Relação com o mundo - rede de significado e normatividade).

E2: Desde o momento que ingressei no curso de Licenciatura em Química, os educadores explicaram sobre a importância das aulas experimentais na formação de um licenciado em Química, que deve ser de fazer o estudante pesquisar, pensar, discutir e refletir sendo os próprios responsáveis pelos seus conhecimentos. (Relação com o mundo - rede de significado e normatividade).

E3: Considero a experimentação uma temática muito importante, pois a prática sempre é melhor do que a teoria, através da experimentação o professor realiza perguntas investigativas, de modo com que os estudantes pesquisem e discutam sobre o determinado assunto, possibilitando um maior rendimento de aprendizado. (Relação com o mundo - rede de significado e normatividade).

Os balanços mostram que os estudantes consideram que a experimentação deve ser realizada de tais modos: (...) através de discussões e questionamentos; (...) deve fazer o estudante pesquisar, pensar e discutir (...); (...) a partir de perguntas investigativas (...). Essas justificativas condizem com as características da experimentação investigativa, quando as perguntas norteadoras possibilitam aos estudantes pesquisarem e investigarem sobre o determinado assunto para compreenderem o assunto. Essa liberdade proporcionada durante a experimentação leva os sujeitos serem mais ativos no processo de aprendizagem porque leem sobre o assunto, pensam, escrevem e falam dos resultados obtidos, chegando ao um consenso final a partir da mediação do professor (Carvalho, 2018).

Analisando com os elementos formativos da relação com o saber, percebe-se que os argumentos envolvem a rede de significados e a normatividade, da relação com o mundo, visto que as concepções dos licenciandos tendem para a experimentação do tipo investigativa, apontando algumas de suas carcaterísticas. Ademais, E1 e E2 indicam que aprendem a partir de domínio de atividades e dispositivos relacionais por meio da experimentação, ressaltando ações de pesquisar e pensar, e de debater e socializar, respectivamente (Charlot, 2021).

Entende-se que os futuros educadores têm subsídios para atuar como professores questionadores, pois apresentam domínio da rede de significados e da normatividade sobre a experimentação investigativa. Esse domínio abrange o conhecimento das normas exigidas para realizá-la, em um processo reflexivo, a partir de discussões sobre o tema trabalhado, dando significado aos conhecimentos adquiridos e não havendo apenas a reprodução de procedimentos experimentais (Guimarães, 2009).

No texto de E3, há um destaque de que a experimentação é melhor do que as aulas teóricas, porque o professor realiza perguntas investigativas, o que provavelmente não acontece nas aulas teóricas. Tal resultado corrobora com os encontrados por Santos e Menezes (2020), em que os autores destacam como desafios da experimentação no ensino de Química a dicotomia teoria/prática, sobretudo na maneira como cada uma é explorada em sala de aula.

Contudo, é comum os estudantes considerarem a experimentação uma metodologia de aula mais atrativa, sendo possível visualizar os fenômenos ocorridos na prática. Essas características da experimentação se enquadram no elemento formativo atividade intelectual da relação com o mundo, pois indica a experimentação como uma metodologia que proporciona mais aprendizado para o estudante (Francisco, 2019).

Já quando o estudante ressalta que “o professor deve realizar perguntas investigativas”, o elemento normatividade se destaca, uma vez que retrata, de forma implícita, uma das características da experimentação investigativa sobre como o professor pode conduzir a aula. Sobre isso, Calefi, Reis e Rezende (2015) destacam que o papel do educador é auxiliar os estudantes no percurso das experimentações, no desenvolvimento de ideias e no estudo dos conceitos científicos a partir da produção de dados e suas interpretações.

Na categoria “Associação entre teoria e prática”, as respostas apontam que a experimentação ajuda a estabelecer vínculo entre teoria e prática:

E4: A experimentação é uma metodologia muito importante, principalmente na área de química, sendo possível associar a teoria estudada com o cotidiano de cada estudante. (Relação com o mundo - rede de significados e normatividade).

E5: A experimentação é uma forma de chamar a atenção dos alunos para o conteúdo ministrado, realizando discussões sobre o assunto, e relacionando a teoria estudada com a prática. (Relação com o mundo - atividade intelectual, rede de significados e normatividade).

Nas respostas de E4 e E5, é possível observar que entendem a experimentação como uma atividade intelectual importante na Química para despertar o interesse dos estudantes. Além disso, apontam para a função de integrar a teoria com a prática, revelando uma das características da experimentação ilustrativa, sobretudo por focar na visualização dos fenômenos.

Dessa forma, o elemento normatividade também fundamenta a concepção desses estudantes para a experimentação ilustrativa, que normalmente é mais fácil de ser realizada e conduzida. Isso ocorre porque não dá liberdade para investigar e foca na comprovação de leis e teorias outrora estudadas. Assim, muito provavelmente tal concepção será a adotada por esses futuros professores quando realizarem experimentações nas escolas em que trabalharem.

Santos e Menezes (2020) sublinham para o distanciamento de aspectos importantes para um aprendizado eficaz por meio da experimentação ilustrativa, visto que não há momentos de debate sobre os resultados para a geração de hipóteses e construção de uma base conceitual.

A justificativa de E6, referente à categoria “A experimentação fora de um laboratório de Química”, mostra outras possibilidades de usar essa metodologia de acordo com as condições escolares:

E6: Aprendi que a experimentação é um pilar extremamente importante para o ensino de química, não precisando ser realizada necessariamente em laboratórios de portas fechadas (Relação com o mundo - atividade intelectual).

De fato, a experimentação como atividade intelectual pode ser executada em vários ambientes a partir de adaptações em relação aos reagentes e vidrarias, assim como seus descartes e até mesmo utilizando de vídeos de experimentos. Silva et al. (2020) ressaltam que todas essas estratégias podem auxiliar em despertar a curiosidade, promovendo o diálogo e incentivando o processo de ensino e aprendizagem.

Isso significa que a falta de laboratório de ciências nas escolas não é fundamento para o não uso da experimentação para ensinar Química, uma vez que ela é parte integrante da própria construção do conhecimento químico ao longo da história. Portanto, em termos de formação, E6 mostra que isso não será um problema para si.

Resultados apresentados por Silva e Vasconcelos (2013) e Gonçalves e Goi (2021) mostram a experimentação com essas alternativas, sobretudo ao se trabalhar em ambientes não formais e informais de ensino, como por exemplo, em estações de tratamento de água.

Estratégias de execução das experimentações durante a formação inicial

Nesse grupo, foram identificadas duas categorias: (i) Roteiros pré-estabelecidos, com cinco respostas e (ii) Forma virtual, com uma. Os balanços a seguir mostram que grande parte das experimentações, quando realizadas, seguiam roteiros estabelecidos pelo professor:

E1: Infelizmente na minha formação essa metodologia foi muito prejudicada devido a pandemia, causada pela COVID 19, pois estou finalizando o curso e quase não tive aulas experimentais (Relação consigo mesmo - mobilização). E as poucas aulas que tive foram realizadas seguindo roteiro já estabelecido pelo professor, não havendo discussão e problematização. (Relação com o mundo - rede de significados e normatividade).

E2: Durante o curso as aulas foram realizadas no laboratório com base nos conteúdos que estavam sendo estudados e com um roteiro pronto e não aconteceram com frequência (Relação com o mundo - rede de significados e normatividade).

E1 evidencia uma preocupação em termos de formação a respeito das poucas experimentações realizadas, devido à pandemia do covid-19. Isso mostra a mobilização desse sujeito frente a uma deficiência em sua formação, trazendo à tona uma dimensão identitária. A mobilização nasce do desejo do estudante

em querer realizar a experimentação, mas que foi interrompida com o início das aulas virtuais.

Com a necessidade das atividades virtuais e pelas dificuldades enfrentadas, principalmente pelo acesso à internet, os professores tiveram que realizar adaptações de maneira rápida para as aulas. Infelizmente, a realização de experimentações foi afetada e diminuída drasticamente, culminando em uma formação aquém da esperada para E1.

Outro ponto destacado, tanto por E1 e E2, é que as experimentações foram realizadas por meio de roteiros pré-estabelecidos pelo educador. Tais estratégias se enquadram na experimentação ilustrativa (rede de significados), realizada sem muitas provocações e possibilidades de geração de hipóteses (normatividade).

Em termos de formação, um enfoque mais na experimentação ilustrativa, que se direciona para demonstração de conceitos, leis e teorias, e não promove muita discussão, levará os licenciandos a trabalharem com essa estratégia como rede de significados e normatividade sobre a experimentação. Segundo Santos e Menezes (2020), isso traz uma limitação conceitual sobre as possibilidades de se desenvolver a experimentação.

Gonçalves e Goi (2018) apontam que uma forma de mitigar tais limitações é investir na experimentação investigativa. Por isso, é importante debater essas características nos cursos de licenciaturas, uma vez que permite “desmistificar o laboratório tradicional de ensino e fazer que esse espaço seja utilizado em prol da pesquisa e investigação” (p. 136).

Na categoria “Forma virtual”, o estudante ressalta que, mesmo com o ensino de forma online, o educador atuou como professor questionador/mobilizador, adaptando a experimentação de acordo com a realidade que estava sendo vivenciada:

E6: Ao decorrer do curso os professores nos apresentaram o laboratório, mas com o início da pandemia ficamos impossibilitados de prosseguir com as aulas presenciais práticas. Alguns professores se dedicaram à formação dos alunos e se esforçaram para fazer aulas experimentais, mesmo que a distância, usando como principal ferramenta o Google Meet. (Relação com o outro - professor questionador).

Ao mencionar que “(...) alguns professores se dedicaram à formação dos alunos e se esforçaram para fazer aulas experimentais (...), embora E6 não informe como foram essas experimentações via tecnologia digital, nota-se que o educador atuou como professor questionador/mobilizador para manter da melhor forma a relação com o outro ao adaptar as aulas.

Mesmo de forma virtual, é possível desenvolver a experimentação por meio de vídeos ou planejar atividades que os estudantes possam fazer em casa. As estratégias podem ser tanto ilustrativas quanto investigativas e problematizadoras, dependendo da intencionalidade de ensino do professor. A forma como é realizada a experimentação pode influenciar na compreensão dos futuros professores a respeito do conteúdo e da experimentação, principalmente quando é trabalhada de forma online, havendo uma maior dificuldade de contato entre o professor-aluno (Silva et. al., 2020).

Importância em se realizar a experimentação

Nesse grupo duas categorias emergiram da análise dos balanços: (i) Associação entre teoria e prática (muito semelhante à apresentada no item 3.1) e (ii) Participação ativa dos estudantes. A análise mais detalhada foca na segunda categoria.

Quatro dos estudantes consideram de suma importância a participação ativa dos estudantes nas experimentações, bem como quando o professor atua como professor questionador, incentivando os estudantes a investigarem mais para conseguirem explicar os resultados:

E3: No meu ponto de vista, para que haja resultados significativos o professor precisa instigar o estudante, a fim de conhecer os conhecimentos prévios que o sujeito carrega consigo, para poder saber planejar a aula. (Relação com o outro e relação com o mundo - professor questionador, rede de significados e normatividade).

E4: A experimentação é importante pois, além de permitir um conhecimento mais aprofundado, o estudante precisa pesquisar e investigar para obter um resultado, a partir da problemática elaborada pelo educador, possibilitando sair dos métodos tradicionais das aulas que acabam sendo menos dinâmicas, e colocando os estudantes como sujeitos atuantes, gerando um maior rendimento de aprendizagem. (Relação com o mundo - rede de significados e normatividade).

E5: Quando o estudante faz o uso da experimentação, ele coloca em uso todos os seus sentidos facilitando a assimilação dos conteúdos. (Relação consigo mesmo - mobilização).

Tanto E3 quanto E4 ressaltam o papel do professor durante a experimentação em “o professor precisa instigar o estudante” e “a partir da problemática elaborada pelo educador”, respectivamente. Em ambos os casos, verifica-sae a presença do elemento formativo professor questionador/mobilizador proposto por Francisco (2019). Ou seja, tais estudantes entendem que a responsabilidade é do professor para explorar os conhecimentos prévios dos estudantes e torná-los mais atuantes, mais ativos no processo de aprendizagem.

Charlot (2013) chama a atenção para os desafios do professor contemporâneo, sendo um deles superar a ideia de professor de informações e avançar para o professor de saber. Isso significa ser esse professor questionador/mobilizador na concepção de E3 e E4, algo que eles carregarão em si quando forem trabalhar com as experimentações em suas turmas.

Quando o E3 destaca “(...) conhecer os conhecimentos prévios que o sujeito carrega consigo (...)” e E4 aponta que “(...) o estudante precisa pesquisar e investigar para obter um resultado (...)”, estão se referindo à normatividade exigida dentro da experimentação investigativa e problematizadora (rede de significados), pois é a partir do diálogo entre os estudantes e professores sobre um assunto particular que é interessante planejar o que será estudado.

Para Francisco Junior, Ferreira e Hartwig (2008), a experimentação problematizadora possibilita que os estudantes reflitam, discutam sobre o tema, levantando hipóteses sobre as metodologias a serem realizadas, alcançando os resultados, sob a supervisão do educador que estará monitorando todas as etapas da aula. Assim, os autores destacam que o objetivo dessa experimentação é explorar o senso crítico dos futuros docentes, a partir da pesquisa, diálogo e escrita, possibilitando a formação de professores questionadores.

Já E5 destaca que com a realização da experimentação é possível obter uma melhor compreensão dos conteúdos. O futuro docente ressalta que “(...) uso todos os meus sentidos facilitando a assimilação do conteúdo”. Aqui o que se observa é a mobilização como elemento formativo, pois o estudante utiliza a experimentação como forma de buscar significância na compreensão do assunto trabalhado, colocando-se como próprio recurso para aprender (Charlot, 2021).

Perspectivas futuras sobre a experimentação

Neste último grupo, as categorias emergidas foram “Realização de mais experimentações” e “Realização de cursos formativos”. Três balanços de saber se enquadram na primeira categoria, cujos estudantes afirmam a necessidade de realizar mais experimentações para continuar aprendendo e saber trabalhar de diferentes formas:

E1: Futuramente espero que meus professores foquem nas aulas experimentais, a fim de que possamos aprender cada vez mais. (Relação consigo mesmo - sujeito)

E2: Espero aprender mais técnicas de como realizar experimentações. (Relação consigo mesmo - mobilização)

No trecho do E1 “espero que meus professores foquem nas aulas experimentais (...)”, observa-se a preocupação do estudante em ter feito poucas aulas experimentais durante o curso, enfatizando a questão da aprendizagem Química e não tanto os aspectos formativos de como desenvolver as experimentações. Ademais, ele transfere a responsabilidade dessa aprendizagem aos professores.

Tal transferência remete à ideia de motivação, algo que vem de fora, o que caracteriza o elemento formativo sujeito, da relação consigo mesmo, que, embora esteja afetando o estudante, são os professores que farão as ações para ampliar o aprendizado.

Em contrapartida, E2 mostra uma mobilização, pois é um desejo do sujeito em aprender e se colocar como recurso para isso acontecer, quando afirma “espero aprender mais técnicas (...)”. O interesse do estudante em querer aprender parte de si mesmo, a partir de uma dimensão identitária e epistêmica.

Na categoria “Realizar cursos específicos sobre experimentação”, é notório verificar que alguns estudantes tiveram poucas aulas experimentais ao longo do curso. Para suprir o prejuízo, os estudantes pretendem realizar um curso de experimentação específico. Apesar de haver poucas aulas realizadas, é possível perceber a importância dada à experimentação no ensino de Química:

E3: Como já estou finalizando o curso e tive poucas aulas experimentais, pretendo fazer um curso específico sobre experimentação, pois percebo que seja uma metodologia de ensino riquíssima para trabalhar com os estudantes. (Relação consigo mesmo - mobilização).

Nesse resultado, identifica-se que E3 se mobiliza em busca do saber a respeito da experimentação, citando as poucas aulas e afirmando que fará um curso. Quando a atitude parte do sujeito em querer investigar, pesquisar e aprender, torna-se mais fácil a compreensão do conteúdo, pois o estudante é um sujeito mobilizado pelo desejo de aprender.

Charlot (2001) explica que é o conceito de mobilização que conecta o sujeito a um saber, desencadeando a entrada no processo de aprendizagem e transformando o saber em um objeto de desejo. É essa a diferença entre os balanços, pois enquanto E1 quer aprender a partir do outro, E2 e E3 querem aprender por si próprios.

Em termos de formação docente, percebe-se que os licenciandos querem ir além da formação inicial sobre as bases conceituais da experimentação no ensino de Química. Tais resultados se assemelham com os encontrados por Gonçalves e Goi (2018), que apontam para necessidade de constante formação para aprofundar seus conhecimentos sobre a experimentação em busca de um processo de ensino e aprendizagem cada vez melhor.

Considerações finais

Os resultados mostraram que as concepções dos estudantes perpassam pelos diferentes elementos formativos, com destaque para a atividade intelectual sobre a importância da experimentação no Ensino de Química e a rede de significados e normatividade, que revelam as diferentes estratégias de desenvolver a experimentação (ilustrativa, investigativa e problematizadora) de acordo com suas características.

Há uma mescla entre as concepções sobre a experimentação. Parte dos estudantes mostra uma formação docente mais próxima da experimentação investigativa, uma estratégia que foca um ensino investigativo a partir de situações criadas para coletar dados, levantar hipóteses e debater explicações. A outra parte aproxima-se da experimentação ilustrativa, onde se trabalha com roteiros pré-estabelecidos e se dá pouca liberdade de aprendizagem aos estudantes.

Dessa maneira, entende-se que o perfil de formação dos futuros professores de Química está condizente com a realidade escolar e apresenta uma transição entre diferentes estratégias de ensino. Além disso, destaca-se para a necessidade de retomada das experimentações devido ao período afetado pela pandemia de covid-19.

Em um contexto de formação de professores, é crucial que a experimentação seja debatida não apenas como parte das disciplinas práticas, superando limitações como: (i) a dicotomia entre teoria e prática no Ensino de Química; (ii) o excesso de experimentações com pouca liberdade de pensamento aos estudantes; (iii) o mito de que a experimentação é feita apenas de uma maneira.

Para isso, é preciso continuar fomentando os debates sobre experimentação como uma metodologia de ensino que engloba diversas estratégias. Além disso, a integração entre universidades e escolas, por meio de programas de formação docente como PIBID e Residência Pedagógica, estágios supervisionados e projetos de extensão que empregam os princípios da experimentação, pode enriquecer a formação docente e provocar mudanças mais amplas nas concepções