A visão de professores da área de Ciências da Natureza sobre a educação ambiental e sua relação com a política curricular do Estado de São Paulo, Brasil: Algumas contradições
La visión de los Profesores de Ciencias Naturales acerca de la educación ambiental y su relación con el currículo oficial del Estado de São Paulo, Brasil: Algunas Contradicciones
The Vision on Environmental Education of the Teachers of the Natural Science Area and its Relation to the Curriculum Policy of the State of São Paulo, Brazil: Some Contradictions
Daniele Cristina de Souza*
* Instituto de Ciências Exatas, Naturais e Educação (ICENE), Universidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba, Brasil. danieabio@gmail.com
Para citar este artículo:
de Souza, D. C. (2015) A visão de professores da área de Ciências da Natureza sobre a educação ambiental e sua relação com a política curricular do Estado de São Paulo, Brasil: Algumas contradições. Revista de la Facultad de Ciencia y Tecnología -Tecné, Episteme y Didaxis, (38), 147-166.
Artículo recibido el 12-11-2015 y aprobado el 29-11-2015
Resumo
Esta pesquisa preocupa-se com a compreensão da realidade educacional atual, visando trazer elementos teóricos que contribuam para o desenvolvimento da Educação Ambiental (ea) crítica na escola pública. As questões norteadoras para este estudo foram: Qual é o papel que os professores atribuem a ea em relação ao conteúdo do currículo? A visão dos professores têm relação com as políticas educacionais vigentes? Assim, o objetivo deste estudo foi analisar a visão que os professores da área de ciências naturais têm sobre a ea, também sobre a relação entre a ea e os conteúdos disciplinares, e se esta visão tem influência da política educacional atual. Os dados foram obtidos a partir de um questionário. Foi feita uma análise de conteúdo temática das respostas de onze professores a duas questões abertas. A base teórica utilizada foi o materialismo histórico-dialético e a perspectiva da ea crítica. Os resultados indicam que, em geral, os professores reconhecem a importância da ea na escola. Em relação a seu caráter político na formação dos alunos, os professores se concentram sobre seu papel de viabilizar o engajamento, participação e a tomada de decisões frente aos problemas ambientais. No entanto, há contradição entre a compreensão do papel da ea e o conteúdo, e a forma de viabilizá-la, uma vez que embora o papel esteja próximo de uma concepção crítica da educação, o conteúdo é limitado a uma visão da questão ambiental que é genérica e sem contexto histórico. A expressão da relação entre a ea e a disciplina que cada professor faz, indica influências explícitas da atual política educacional. No entanto, concluiu-se que não é suficiente na ea estar presente ou ser possível graças às políticas educacionais, ou que os professores tenham um discurso e práticas condizentes com elas, visto que a formação e o trabalho dos professores em ea estão relacionados com um plano social mais amplo que é cheio de conflitos políticos e ideológicos, que são altamente expressos no momento da atual crise civilizatória. Portanto, de acordo com a ea perspectiva crítica aqui defendida, é necessária a superação das contradições existentes nas políticas e nas práticas para que haja uma educação crítica e emancipatória.
Palavras-chave: Currículo escolar, formação de professores, dimensões política e ideológica.
Resumen
Esta investigación se interesa por la comprensión de la realidad educativa actual, y propone elementos teóricos que pueden contribuir para el desarrollo de la educación ambiental (EA) crítica en colegios y escuelas públicas. Las preguntas orientadoras de este estudio fueron ¿Cuál es el papel que los profesores atribuyen a la ea en relación con el contenido del currículo oficial? ¿La visión de los profesores se relaciona con las políticas educativas existentes? Así, el objetivo de esta investigación fue analizar la visión que los profesores de ciencias naturales tienen acerca de la ea, también la relación entre la ea y los contenidos disciplinares, así como identificar si esta visión tiene que ver con la política educacional actual. Los datos se obtuvieron a partir de un cuestionario con dos preguntas abiertas. A partir de las respuestas obtenidas de los once profesores participantes, se realizó el análisis de contenido temático. El referente teórico utilizado es el materialismo histórico-dialéctico y la ea crítica. Los resultados indican que, en general, los profesores reconocen la importancia de la ea en la escuela. En relación con su carácter político en la formación de los estudiantes, los profesores privilegian el papel de esta en cuanto compromiso, participación y toma de decisiones frente a los problemas ambientales. Sin embargo, se identificaron contradicciones en la comprensión del papel de la ea y el contenido curricular, así como en la forma de hacerlo viable, ya que si bien el papel se acerca a una concepción de educación crítica, los contenidos se limitan a una visión de la cuestión del medio ambiente que es genérico y sin contexto histórico. La expresión de la relación entre ea y la disciplina que enseña cada profesor explicita influencias de la política educacional del Estado. Se concluyó que no es suficiente que la ea esté presente o se haga posible debido a las políticas o que los profesores tengan un discurso y prácticas coherentes con las políticas, pues la formación y el trabajo del profesor en ea están relacionados con un plan social más amplio, lleno de enfrentamientos políticos y cuestiones ideológicas, lo que se expresa en gran medida en el actual contexto de crisis de la civilización. Por lo tanto, en consonancia con la perspectiva de ea crítica defendido en esta investigación, es necesaria la superación de las contradicciones existentes entre las políticas y prácticas con el fin de permitir una educación crítica y emancipadora.
Palabras clave: Currículo oficial, formación de profesores, dimensión política e ideológica.
Abstract
This research is concerned with understanding the current educational reality in order to bring theoretical elements that can contribute to the development of environmental education (ee) criticism in public school. The guiding questions of this study were: What is the role that teachers attribute the ee in relation to curriculum content? The teachers' view relates to the existing educational policies? Thus, the aim of this study was to analyze the vision that teachers in the field of natural sciences have on Environmental Education, on the relationship between environmental education and discipline of acting and this vision has to do with the current curriculum policy. Data were obtained from a questionnaire, conducted the analysis of thematic content of the responses of eleven teachers to two open questions. The theoretical basis used is historical and dialectical materialist base and ee criticism. The results indicate that, in general, the teachers recognize the importance of ee in school. In relation to their political character in students' education focus on the role to facilitate the engagement, participation and making decisions facing environmental problems. However, no contradiction between the understanding of the role of ee and content and how to make it viable, because although the paper approaches a conception of critical education, the contents are restricted to a view of the general environmental issue and without historical context. The expression of the relationship between ee and discipline of each teacher explained influences the current curriculum policy of the state. However, do not just ee be present or be made possible by educational policies and teachers having a speech and practices consistent with them, as the training and the work of the teacher in ee are related to a broader social plan that is full of political clashes and ideological issues, which greatly expressed in addressing the current state of civilization crisis. Thus, consistent with the prospect of ee critical advocated here, it is the overcoming contradictions of policies and practices in order to enable a critical and emancipatory education.
Keywords: School curriculum; teacher training; political and ideological dimension.
Introdução
A preocupação com a formação de professores para o desenvolvimento da Educação Ambiental está presente desde os primeiros eventos internacionais de sua proposição e delineamento, como foi o caso do Colóquio sobre Educação Ambiental - realizado em Belgrado, em 1975 (Carta de Belgrado) - e da Conferência Intergovernamental sobre Educação Ambiental aos Países Membros, realizada em 1977, em Tbilisi.
Das recomendações de Tbilisi (1977) destaca-se a Recomendação n° 18, que reconhece que a formação docente de até então, não contemplava os conhecimentos para uma compreensão da complexa temática ambiental e, portanto, os professores não possuíam informações suficientes sobre as questões ambientais e metodologias de ea. Assim, apontava-se a necessidade da formação em ea, nos âmbitos teórico e prático, no sentido de estabelecer cooperação entre as organizações dos profissionais docentes, nos planos nacional e internacional. Além disso, em outras recomendações, destaca-se que os professores e alunos devem participar da produção e adaptação de materiais didáticos, principalmente de baixo custo; e se faz referência à facilitação de um processo de formação ambiental dos professores que fosse apropriado a sua zona de atuação (rural ou urbana).
No Brasil, como argumentam Tozoni-Reis et al. (2013), as práticas existentes, em sua maioria, por seu caráter pontual e fragmentado, tendem a não ser feitas por meio da articulação com o currículo enquanto expressão de conteúdos essenciais à formação dos estudantes. Predominam conceitos esvaziados e secundários desvinculados de uma perspectiva pedagógica consistente que favoreça uma formação crítica.
A preocupação em torno do conteúdo e forma da ea na escola e na formação de professores não se restringe ao cenário brasileiro, possuindo características comuns aquela caracterizada na literatura internacional. Em países como Portugal (Almeida, 2007) e México (Amigón, 2004) há a predominância do vínculo da ea com as disciplinas de ciências da natureza, com falta de clareza política, pedagógica e metodológica por parte dos professores, predominando a transmissão mecânica dos conhecimentos.
Para Amigón (2004) o problema decorre de dimensões conceitual e metodológica; falta o conhecimento histórico sobre a problemática ambiental, bem como a correlação e integração dos conteúdos. A autora reconhece um distanciamento entre o que os professores fazem e o que as políticas educacionais propõem, visto que ela identifica coerência entre o programa educacional de seu país e as novas exigências educacionais que estão sendo apontadas. No entanto, afirma que este material não foi posto em prática, pois muitos professores não o receberam, e os que o receberam guardaram-lo; há, ainda, os professores que não possuem o embasamento teórico necessário para compreendê-lo em seus fundamentos, fato reforçado pela ausência de processos formativos que se preocupem sobre tais questões. E, embora os documentos das políticas educacionais procurem trazer as questões a ela pertinentes, se limitam a trazer indicativos com propostas pedagógicas, estabelecendo funções para o educador, sobre o que deve e como deve ensinar, mas não explicam os fundamentos teóricos subjacentes ao enfoque educativo e às suas práticas. Assim, caracteriza-se um desconhecimento do campo da ea, tanto pela falta de formação de professores quanto pela escassa disseminação teórica (Amigón, 2004).
Igualmente, Mora-Penagos (2009) caracteriza a existência de uma política de educação ambiental na Colômbia a partir de 2002, no entanto, argumenta que os desafios postos na política ainda não são contemplados na formação de professores, embora já se ten-ha delineado conteúdos e perspectivas para esta formação. Para o autor, há também uma aparente distância entre o que as políticas da educação básica e média indicam enquanto necessidade para uma "educação crítica e ética, tolerante com a diversidade e comprometida com o meio ambiente" (Mora-Penagos, 2009, p. 57, tradução livre) e o que é propiciado pelos processos de formação inicial e permanente, inviabilizando uma adequada participação destes profissionais no desenvolvimento de currículos e práticas didático-pedagógicas em sala de aula.
Esta caracterização de Amigón (2004) e de Mora-Penagos (2009) contribui para a formulação da questão de pesquisa que visou compreender a realidade da ea nas políticas educacionais do estado de São Paulo, Brasil e a sua relação com a formação de professores. Esta questão levou a realização de uma tese de doutorado (Souza, 2014). No seu período de desenvolvimento, estava em vigor a política curricular que foi proposta no ano de 2008 e definitivamente oficializada no ano de 2010. Esta política é apresentada num documento curricular que passou a orientar o sistema de ensino daquele estado.
A análise realizada do documento deste currículo indica que a ea faz parte da política curricular e é inserida a partir de conteúdos ligados a temáticas ambientais enquanto temas transversais, o exemplo da política curricular nacional dos Parâmetros Curriculares Nacionais (pcn) (Brasil, 1997). O documento que caracteriza o currículo do estado de São Paulo é dividido por áreas de conhecimentos, das quais será feito um recorte à área de Ciências da Natureza e suas tecnologias. O documento possui uma primeira parte abordando rapidamente e de forma imprecisa os pressupostos que sustentam o currículo como um todo e, posteriormente, de acordo com cada disciplina escolar, lista os temas, as habilidades e competências a serem desenvolvidas em cada bimestre de cada ano. Como forma de operacionalizar estes conteúdos, habilidades e competências, foram produzidos materiais de apoio ao professor e ao aluno, denominados de Cadernos do Professor e Caderno do Aluno (Souza, 2014).
Nos cadernos das diferentes disciplinas os conteúdos listados no currículo são apresentados no formato de sequências didáticas, denominadas Situações de Aprendizagem (sa). Em cada sa o professor tem sugestões de atividades e leituras para que sejam trabalhadas em sala de Aula (Souza. 2014).
Silva (2011) ao realizar a análise dos Cadernos do Professor e do Aluno para as diferentes disciplinas do ensino fundamental II, constatou a presença da temática ambiental em todas as disciplinas, o que dá espaço para a realização da ea pela via curricular, no entanto, constatou que há uma predominância dos conteúdos estarem voltados para os conhecimentos, deixando em segundo plano, embora presentes, os eixos axiológicos e de participação política. Há, portanto, uma perspectiva predominantemente informativa neste material. Cabe ressaltar que, embora o autor tenha se referido ao conteúdo englobar aspectos de participação política, sua pesquisa não realiza reflexões em torno de qual perspectiva política está presente nos conteúdos curriculares, o que merece aprofundamento de estudos futuros.
Neste contexto, para se pensar a inserção da ea nas escolas públicas não se pode desconsiderar que esta política curricular trouxe implicações materiais na organização da estrutura escolar, e mesmo que haja um tipo de prática pedagógica que se espera do professor, uma visão de ciência, de sociedade e de natureza, de processo de ensino-aprendizagem, etc. que o sustenta - o que pode ser contraditório a determinada perspectiva de educação ambiental (Souza, 2014). Frente a este cenário, questionou-se: Qual é o papel que os professores atribuem à ea em relação aos conteúdos curriculares? A visão dos professores têm relação com as políticas educacionais existentes? Sendo assim, o objetivo deste trabalho foi analisar a visão que professores da área de ciências naturais têm sobre a Educação Ambiental, sobre a relação entre a Educação Ambiental e sua disciplina de atuação, e se esta visão tem relação com a política curricular vigente.
A presente pesquisa contempla uma preocupação com a compreensão da realidade educacional vigente visando trazer subsídios teóricos que possam contribuir para o desenvolvimento da Educação Ambiental (ea) Crítica na escola pública. Esta perspectiva educacional se caracteriza pela busca da compreensão e da crítica à relação sociedade e natureza vigente na atual forma de organização capitalista, da qual são decorrentes uma diversidade de impactos socioambientais e diferentes expressões da exploração do ser humano pelo próprio ser humano. Sendo assim, a busca é contribuir com a construção do sentido do fenômeno educativo ambiental que possa favorecer a formação de sujeitos para a transformação do atual quadro social, na emancipação e participação social dos sujeitos.
De maneira geral, a perspectiva de ea crítica que sustenta este trabalho busca pressupostos da teoria crítica da educação, dialogando principalmente com a pedagogia histórico-crítica (Saviani, 2011). Tal pedagogia estabelece um papel para a escola e delimita seu conteúdo e forma, diferentemente de outras pedagogias (não-críticas e crítico-reprodutivistas). Neste contexto, os conteúdos são constituídos pelos saberes sistematizados a serem apropriados para a formação de agentes de transformação social. A Educação escolar é vista em sua contradição, uma vez que sua especificidade se expressa pela socialização intencional dos saberes sistematizados, mas entendendo que estes saberes são também constitutivos dos meios de produção do modo atual capitalista que, por serem propriedades do capital, não podem ser socializados. O desafio então é fazer cumprir esta especificidade, o que implica, dentre outros tantos aspectos, ter professores comprometidos e portadores de uma formação que os instrumente para alcançá-lo. Há, portanto, a delimitação do espaço de atuação docente, reconhecendo a possibilidade dos professores compreenderem a realidade escolar em suas limitações e se proporem desenvolver práticas críticas (Saviani, 2011).
Educação Ambiental Crítica: por uma educação contrahegemônica na escola pública
A partir das décadas de 1980, teóricos críticos trouxeram outro olhar para a ea e para a própria educação. No entanto, enquanto organização e prática, estas teorizações ainda não adentraram todas as escolas. As práticas desenvolvidas sob esta perspectiva podem ser consideradas de resistência, já que são minoria. Assim, se faz necessário um processo investigativo sobre as condições objetivas e subjetivas da realidade educacional, visando entender como esta se constitui, bem como sobre as dificuldades enfrentadas para que uma perspectiva crítica de educação esteja presente na escola, como fundamento e práxis.
Neste contexto, há que se considerar que diversas são as propostas teóricas e educacionais relativas à ea, que atualmente a configuram como um campo social de disputas (Layrargues e Lima, 2011). Inicialmente, esta perspectiva de educação foi construída por um grupo com posturas mais conservacionistas, como aquelas representadas na ideia de "conhecer para conservar", mas ao longo do tempo também por grupos com posturas mais críticas que, questionando os paradigmas da sociedade moderna, se contrapuseram à educação hegemônica que desta é inerente e que é direcionada para a reprodução do que já está posto. Neste segundo grupo estão as diferentes expressões da ea crítica (Tozoni-Reis, 2008a). A Educação Ambiental Crítica se constitui como uma perspectiva que procura superar aquelas abordagens de ea denominadas conservacionistas ou tradicionais, as quais possuem uma visão de problemática ambiental à histórica e naturalista.
Diferentes são as análises que procuram caracterizar a ea, daí vem a constatação de que se trata de um campo de disputas que apresenta diferentes projetos e práticas educativas, como argumentam Layrargues e Lima (2011), Souza e Salvi (2012) e Layrargues (2012), dentre outros autores. No entanto, de acordo com o Layrargues e Lima (2011), mesmo havendo uma diversidade de visões sobre a ea, ainda existe no Brasil a predominância de uma visão homogênea sobre seu processo educativo, o que precisa ser superada, já que a ea se caracteriza por uma multiplicidade de práticas e perspectivas que procuram constituir uma hegemonia interpretativa e política.
Esta visão unívoca é característica da constituição do campo no cenário brasileiro, no qual, inicialmente, procurou-se uma definição universal comum que contemplasse todas as práticas educativas da ea. Todavia, o aprofundamento das análises sobre o próprio campo, permitiu a identificação da diversidade existente, bem como a necessidade de sua diferenciação. A identificação destas diferenças é relevante, pois as propostas educacionais implicam o envolvimento com diferentes projetos societários, os quais podem compartilhar da crítica anticapitalista que visa, à proposição da transformação social - o que é característico da ea crítica - ou não compartilhar desta crítica, como é o caso das perspectivas tradicionais e conservacionistas (Layrargues, 2012).
Esta diferenciação de perspectivas pode ser compreendida a partir das categorias de ideologia e de hegemonia. Como afirma Layrargues (2003), na ea existem embates entre a ideologia hegemônica e as ideologias contra-hegemônicas. De acordo com este autor, a ideologia hegemônica que é aquela da classe burguesa e que pretende a manutenção da organização capitalista, se caracteriza por possuir uma série de mecanismos que visam evitar que os movimentos que compartilham da ideologia contra-hegemônica consigam subverter a ordem social estabelecida. O movimento ambientalista sofreu influências da ideologia hegemônica dos grupos dominantes, embora tenha inicialmente surgido como um forte movimento político de subversão que questionava a ordem social. Contudo, diferentes estratégias foram usadas para o enfraquecimento de sua ideologia contra-hegemônica. Como coloca Layrargues (2003, p. 43), a Educação Ambiental é "a porta voz das ideologias ambientalistas, na medida em que se qualifica como a propaganda do ideário ambientalista". Assim é que foi construído um discurso apaziguador, que possui uma redução da questão ambiental aos aspectos individuais, biológicos e naturais, sustentado por uma lógica do consenso, em contraposição à lógica do conflito que é característica nas relações sociais (Layrargues, 2003).
O propósito fundamental dessa estratégia é a promoção da ilusão de que a humanidade como um todo é tanto agente deflagrador da crise ambiental, como sua vítima. Esta estratégia prioriza a visibilidade da pauta dos problemas ambientais globais e futuros em detrimento dos problemas ambientais locais e presentes, porque é no espaço global e no tempo futuro que os sujeitos históricos se diluem, e enfim, todos podem se identificar como "parceiros" num presente com um destino comum, como responsáveis e vítimas, e portanto, como "sujeitos ocultos" de um modo absolutamente homogêneo. A figura do "homem abstrato" que tanto é vítima como causador da crise ambiental, permite que se omita as causas primeiras da crise ambiental, e de imediato, soluções que poderiam ser apresentadas no âmbito do coletivo e da política, estruturaram-se no âmbito do indivíduo e da técnica: agora, para a educação ambiental, o que importa é conhecer o funcionamento dos sistemas ecológicos para saber como eles se apropriam, sem provocar efeitos colaterais negativos. (Layrargues, 2003, p. 44)
A perspectiva crítica da ea se contrapõe a este discurso apaziguador e as práticas dele decorrentes, visto que se entende que o projeto educacional que se coloca à ea necessita considerar a formação de sujeitos históricos, ou seja, sujeitos atuantes e conscientes de seu papel social, sua inserção no mundo, levando em conta a necessidade de serem assumidas posturas individuais e coletivas voltadas para a sustentabilidade a ser alcançada pela transformação das relações sociais que favorecem a desigualdade social, a apropriação da natureza e do ser humano enquanto mercadoria.
A EA crítica é compreendida como perspectiva educativa que traz como eixo uma proposta transformadora, com relação à organização social e aos fundamentos que sustentam a relação sociedade-natureza. Dentre outras questões, esta perspectiva traz discussões epistemológicas no que diz respeito à ciência moderna e suas formas de conceber a relação sociedade-natureza, acenando para a necessidade de se acrescentar uma visão histórica sobre a crise ambiental às propostas e ações educativas. É uma educação problematizadora, política, apoiada nas práxis, com intuito de mobilização e participação para a gestão ambiental em prol da sustentabilidade ambiental (Tozoni-Reis, 2008b). Entretanto, é importante destacar a ingenuidade da visão que responsabiliza a educação como garantia da transformação ambiental, pois o conhecimento sobre as questões ambientais ou mesmo uma reflexão crítica sobre elas não são suficientes para tal; são necessárias também condições objetivas para que a transformação, ocorra e que estas condições sejam construí-das em outros âmbitos da sociedade. Portanto, o projeto para as mudanças desejadas existe para além dos muros da escola, para além do âmbito educacional, atingindo todos os segmentos sociais. Assim como Freire (1997, 16) coloca:
[...] a esperança de produzir o objeto é tão fundamental ao operário quão indispensável é a esperança de refazer o mundo na luta dos oprimidos e das oprimidas. Enquanto prática desveladora, gnosiológica, a educação sozinha, porém, não faz a transformação do mundo, mas esta a implica.
A perspectiva de educação ambiental crítica está em construção, não apenas por se tratar de uma proposta mais recente, mas pelo fato de ainda não se fazer presente em diversos contextos educativos, onde predomina a abordagem conservacionista e/ou pragmática. Refletindo sobre as práticas de ea, a literatura específica indica uma predominância de ações educativas pontuais e desprovidas de uma compreensão mais ampla e crítica do que venha a ser ea. Faz-se necessário, portanto, o engajamento dos diversos educadores na construção deste outro olhar sobre a formação humana, inserida em uma sociedade cujas relações sociais precisam ser repensadas e alteradas. Neste sentido, a ea emancipatória é entendida como uma crítica à educação que procura formar os sujeitos para a adaptação e reprodução da sociedade moderna. Como destaca Tozoni-reis (2006), a questão ambiental e a Educação são eminentemente políticas e, portanto, implicam a construção participativa radical dos sujeitos envolvidos, e as qualidades e capacidades necessárias à ação transformadora responsável diante do ambiente em que vivemos.
Bem, se a ea é educação, na perspectiva crítica ela tem que intensificar o enfrenta-mento do caráter autoritário, moralista, de transmissão mecânica de conteúdos pouco problematizadores e ingênua no que diz respeito ao conflito de interesses presentes nas sociedades modernas. A apropriação crítica de conhecimentos parte de uma concepção de ambiente mais complexa, que considera seu caráter social, histórico e dinâmico, superando dialeticamente a concepção biológica reducionista. Esta apropriação poderá garantir os espaços de construção e reelaboração de valores éticos para uma relação responsável dos sujeitos entre si e destes com o ambiente (Tozoni-Reis, 2006).
Neste sentido, a ea crítica exige uma abordagem histórica, ou seja, a tematização do ambiente pela redefinição do relaciona-mento entre os seres humanos, entre estes e as demais espécies e com o planeta, numa perspectiva autônoma e libertadora; exige o enfrentamento crítico da crise civilizatória, a difusão da discussão política da questão ambiental, uma abordagem radicalmente democrática da sustentabilidade —que supere o conceito hegemônico de desenvolvimento sustentável— a radicalização da participação social e do exercício democrático da cidadania, o incentivo ao debate interdisciplinar na produção da ciência, bem como uma problematização dos modos de produção e consumo, da ética, dos instrumentos técnicos e dos contextos sócio-históricos de sua produção; exige o enfrentamento da contradição entre os interesses públicos e privados, e uma ruptura de valores e práticas sociais contrárias aos interesses públicos, transformando-os em valores fundamentados na equidade social e na solidariedade humana (Tozoni-Reis, 2006). Estes aspectos precisam ser considerados nas proposições das políticas educacionais e refletidos nos currículos e práticas didático-pedagógicas nas escolas.
Fundamentos teórico-metodológicos e contexto da pesquisa
A análise proveniente se concentra em um questionário com questões abertas, que foi aplicado no final de um curso de formação continuada em educação ambiental crítica, realizado no ano de 2011. Deste questionário destacam-se as seguintes questões abertas: 1) em sua visão qual é o papel que a educação ambiental pode desempenhar na formação dos estudantes da educação básica? 2) qual a relação que estabelece entre o conteúdo da disciplina que ministra a educação ambiental na escola? Explique
Serão analisadas respostas de onze professores que estão vinculados a área de Ciências da Natureza (tabela 1) que atuam como professores em sala de aula no Ensino Fundamental II e/ou Ensino Médio, eles foram denominados com letra e número (P8 à P18). Há também professoras que atuam como PCNP (Professor Coordenador do Núcleo Pedagógico) que trabalham na Diretoria de Ensino de Bauru, São Paulo, e são profissionais responsáveis pela formação de professores das áreas de atuação de química ou biologia e, portanto, não atuam em sala de aula.
Foi feita uma análise de conteúdo temática (Minayo, 1992), a qual se deu por meio do desmembramento do texto das respostas em unidades de registro, seguindo de um agrupamento analítico que permitiu a constituição de categorias que resultaram em uma interpretação. A análise temática é composta de três etapas principais: 1) pré-Análise; 2) a exploração do material e; 3) o tratamento dos resultados obtidos e interpretação.
A (1) pré-análise engloba a escolha do documento, o estabelecimento dos objetivos a serem alcançados com a análise a ser empenhada, num processo de reformulação dos objetivos e de hipóteses frente ao contato com o documento e do estabelecimento de questões e indicadores para orientar a interpretação final. A (2) exploração do material consiste na operação de codificação do texto a partir da qual se busca a compreensão do texto. Para tanto, é realizado inicialmente recortes do texto em unidades de registro ou unidades de análise que podem ser feitos por palavra, frase, tema, personagem, acontecimento. Em seguida, escolhe-se uma forma de contagem destas unidades de registro e por último, classifica-se e agrega os dados, escolhendo as categorias teóricas e/ou empíricas que comandarão a especificação dos temas. O processo de análise é finalizado com o (3) tratamento dos resultados obtidos e interpretação, no qual é realizada a transformação dos dados brutos em operações estatísticas simples (percentagens) ou complexas (análise fatorial), apresentando as informações obtidas. A partir daí o autor realiza interpretações de acordo com o referencial teórico selecionado, e ainda, dá pistas teóricas ao leitor a partir do material (Minayo, 1992). Cabe ressaltar que a presente pesquisa não dá este enfoque quantitativo, realizando-se somente a etapa da identificação das categorias temáticas a partir das respostas.
Nesta modalidade de análise de conteúdo o tema corresponde à unidade de significação que emerge do processo de análise do texto. Este processo foi guiado pelas seguintes questões de pesquisa: Como a educação ambiental é vista por professores que estão em contato com esta política curricular? Qual é o papel que atribuem a ea em relação aos conteúdos curriculares? A visão dos professores têm relação com as políticas educacionais existentes? Além disso, as próprias perguntas feitas aos professores já indicaram a priori dois eixos temáticos que orientaram a constituição das categorias: 1) papel da ea na formação dos estudantes e 2) Relação entre o conteúdo da disciplina que ministra e a educação ambiental na escola.
O fundamento teórico utilizado é de base materialista histórico-dialético e proveniente das questões da Educação Ambiental Crítica. Sendo assim, utilizou-se a perspectiva dialética, focando principalmente na categoria de contradição (Konder, 1987). Coerente com esta categoria a ea é compreendida como um campo de contradições que pode favorecer a consolidação de determinadas posturas políticas e ideológicas (Layrargues, 2003), cujos discursos e práticas comunicam determinadas proposições sobre a sociedade e o caminho que ela deve trilhar, assim como o papel da educação e dos sujeitos neste caminhar.
A Visão de Professores da área de Ciências da Natureza sobre o papel da Educação Ambiental e a Relação entre suas Disciplinas e a Educação Ambiental
As respostas dos professores à primeira questão: "Em sua visão qual é o papel que a educação ambiental pode desempenhar na formação dos estudantes da educação básica?" (Tabela 2), permitiu caracterizar duas categorias temáticas: a) o papel da ea na formação dos estudantes e b) o conteúdo da ea na escola.
• Grifos meus.
Do ponto de vista do papel que os professores indicam para a ea e suas possibilidades na escola, eles transmitem uma visão sobre sua dimensão política de formar pessoas para o engajamento, participação e tomadas de decisões. No entanto, quando a questão é o conteúdo e, consequentemente, a forma com que veem para desenvolvê-la, os professores se concentram no ensino de temáticas ambientais em um caráter mais informativo ou no desenvolvimento de comportamentos e atitudes no cotidiano, embora também apareçam críticas à redução da ea ao ensino de ecologia e à disciplinaridade.
A interpretação sobre a dimensão política se deu a partir da recorrência dos termos como cidadania (P09, P13, P14, P16, P17), participação na tomada de decisões (P17), a relação entre conhecimentos e ambiente de vida dos alunos (P17), relação entre diferentes tipos de conhecimentos (P16), promoção da consciência (P09, P11, P13, P14, P16, P17), construção de valores (P10, P16, P18) e atitudes (P15, P16, P18), ampliação da visão de mundo (P10) e de conhecimentos prévios (P08 e P12).
Embora seja de conhecimento que a ea se encontra num campo de disputas conceituais e políticas, no conjunto das respostas foi identificado um conteúdo homogêneo, que a trata sob uma perspectiva de finalidade voltada para a conscientização dos sujeitos, visando atingir comportamentos ambientalmente adequados, como representado na tabela 3.
• Grifos meus.
Esta abordagem como afirma Layrargues (2003) se mostra coerente com a perspectiva educacional reprodutora de uma sociedade ideal e harmônica que nem sequer é questionada. Além disso, esta visão da problemática ambiental leva a uma análise da questão ambiental que parte da dicotomia entre o bom e o mau comportamento, entre o que é ruim e o desejável, e suas consequências, sem considerar a totalidade histórico-social. Este discurso homogeneizante dialoga com o âmbito das políticas públicas da ea brasileira, que construídas por uma conjunção de diferentes perspectivas e conceitos que não são problematizados, levam ao esvaziamento político-pedagógico e prático da ea (Penido, Kaplan e Loureiro, 2014).
Além disso, em concordância com Loureiro (2007), entende-se que o conteúdo das respostas dos docentes indica uma predominância do pressuposto que a comunidade escolar não faz certo, não tem o comportamento ambientalmente adequado, pois falta consciência ou sensibilização. No entanto, para pensar uma ea crítica há que se considerar, como afirma Loureiro (2007), que a dimensão da problemática ambiental não se restringe a isso, dado que muitas vezes determinada comunidade tem a consciência (de estar ciente) ou sensibilização, mas age contraditoriamente, pois a questão ambiental se expressa dimensionada historicamente e dependente do local e grupo social. Sendo assim, os conhecimentos e a sensibilização são importantes para a humanização, no entanto, eles precisam ser construídos pela problematização das relações sociais, no "conhecer inserido no mundo" (p. 69).
Além do vínculo com as políticas nacionais de ea, encontra-se relação dos pontos enfatizados pelos professores com aqueles que sustentam o programa internacional da Unesco (2005, p. 19) que caracteriza a educação para o desenvolvimento sustentável. Neste tocante chama atenção aspectos que estão trazidos neste programa, referentes ao papel da ea, tais como: "visar a aquisição de valores", "desenvolver o pensamento crítico e a capacidade de encontrar solução para os problemas" e "estimular o processo participativo de tomada de decisão". Tais aspectos são apresentados na Unesco (2005) de forma bastante geral e válido para os diferentes públicos e espaços educativos, partindo da delimitação da problemática ambiental de forma genérica e sem reflexões sobre relações sociais específicas e contextualizadas, como é reforçado a seguir na presente caracterização:
A maior parte deste desafio é estimular mudanças de atitude e comportamento na sociedade mundial, uma vez que nossas capacidades intelectuais, morais e culturais impõem responsabilidades para com todos os seres vivos e para com a natureza como um todo. (Unesco, 2005, p. 9, grifo meu)
Na perspectiva de desenvolvimento sustentável (que fundamenta a proposição da Unesco), as desigualdades econômicas e sociais nos diferentes países são entendidas como causas da degradação ambiental, sendo propostas políticas para o enfretamento dos problemas. Todavia, o modelo de desenvolvimento da sociedade atual não é questionado nesta perspectiva. Sendo assim, a ideia de sustentabilidade diz respeito ao desenvolvimento econômico que tenha compromisso com os recursos naturais para as gerações futuras, isto é, foca-se sobre o controle da exploração dos recursos em níveis mais suportáveis a partir de um ideal delimitado para o futuro. Esta proposição é por si é contraditória, pois a lógica capitalista visa o crescimento contínuo e infinito. Neste contexto, na prática há a predominância de ações técnicas e paliativas que desconsideram a complexidade dos conflitos socioambientais e não questionam o esgotamento do atual modelo capitalista de sociedade, contribuindo para reforçá-lo. Assim, há uma tentativa de diluir e neutralizar a questão ambiental no âmbito da dimensão técnica (Tozoni-Reis et al., 2011).
Neste contexto compreensivo sobre a questão ambiental a ea crítica é dificultada, até mesmo inviabilizada, pois a crítica exige uma abordagem educacional histórica, contextualizada e problematizadora da realidade social visando sua transformação. Assim, ao estabelecer relação entre o conteúdo das respostas dos professores e o programa da Unesco, o que se ressalta é que há uma visão genérica sobre o conteúdo da ea, não caracterizando contextos e sujeitos no que concerne à questão ambiental e à ação educativa ambiental. Isto não favorece a uma ea crítica, pois em contraposição a esta visão genérica, o adjetivo "crítica" vinculada à Educação Ambiental implica no processo educativo que realize ou viabilize uma crítica social localizada historicamente e voltada para a transformação do atual modelo de sociedade, o que a proposição de desenvolvimento sustentável não contempla em seus pressupostos de base. P17 foi o único que se aproxima de uma visão contextualizada, ao indicar que a ea viabiliza a relação entre conhecimentos e ambiente de vida dos alunos.
A visão genérica sobre a problemática ambiental, geralmente, se resume na prática educativa com a apresentação sobre como o ser humano vem sofrendo com as revoltas naturais, ou se restringe à explicação sobre a estrutura e funcionamento dos processos naturais o que é vinculado à abordagem dos estragos ambientais, gerados pelo ser humano e da necessidade de corrigir os comportamentos para que isto não mais ocorra, no sentido de o equilíbrio ser restabelecido. Como afirma Layrargues (2003) esse discurso é constituído como uma estratégia ideológica hegemônica, e que acaba por diluir a problemática ambiental numa ecologização da questão, assim como torna-se muito abstrata envolvendo a humanidade como um todo e igualmente como causadora e vítima. Neste sentido não há um questionamento sobre as relações sociais estabelecidas e que favorecem a degradação socioambiental, e que mesmo a compreensão de que os impactos ocorrem em níveis diferentes, afetando diferentemente distintos grupos sociais no presente e em situações concretas. Assim, como coloca outro autor,
As causas da degradação ambiental não são determinadas por fatores conjunturais decorrentes de uma essência ruim inerente à espécie humana ou de sua ignorância tecnológica, nem as consequências de tal degradação advêm do uso, pensando sem historicidade, dos recursos naturais; mas sim por um conjunto de variáveis interconexas das categorias: capitalismo / modernidade / industrialismo / tecnocracia. Portanto, a discursada sociedade sustentável supõe a crítica às relações sociais, ao modo de produção, tanto quanto ao tipo de valor simbólico e de uso dado à dimensão da natureza. (Loureiro, 2006, p. 14)
Ao considerar a questão do ponto de vista histórico, o que é coerente com a ea crítica, percebe-se a incongruência de se olhar as ações humanas de forma neutra, homogênea e descontextualizada. A ação predatória não é abstrata, mas resultante de formas específicas de relações sociais que determinam os modos de uso e apropriação da natureza, que ocorrem mediante uma exploração intensiva do trabalho e dos seus materiais vitais. O problema não é a transformação da natureza em si, mas as formas específicas de produção localizadas em determinados territórios e que levam a transformações insustentáveis, dos pontos de vistas social e ecológico (Loureiro, 2012).
Passando para o conteúdo presente nas respostas da segunda questão "2) Qual a relação que estabelece entre o conteúdo da disciplina que ministra e a educação ambiental na escola? Explique", a interpretação é sintetizada no quadro 4. O conteúdo está permeado por argumentos da própria política curricular, tais como a presença da ea a partir da existência explicita de temáticas ambientais, ou a expressão dos pressupostos pedagógicos como a finalidade do ensino ser ou de desenvolver ou aprender e aprender (São Paulo, 2010).
Portanto, vemos a influência da abordagem que esta política curricular possui na forma com que os professores respondem ao questionamento que de início não fez menção a esta política curricular, mas a como cada professor estabelece as relações. Ou seja, diferentemente do que Amigón (2004) coloca em seu estudo no México, não há total distância entre os professores e as políticas educacionais do estado de São Paulo (digamos até a da Unesco). O que foi identificado são diferentes leituras e posturas ou mesmo uma incorporação sem crítica do conteúdo de tais políticas.
Assim, focando o como os professores relacionam a ea e o conteúdo disciplinar, alguns expressaram uma visão sobre a ciência que ensinam e as temáticas ambientais a partir do que está contido, enquanto conteúdo curricular oficial. Os professores P13, P17 e P11 citam em sua argumentação os temas que estão nos Cadernos do Professor de Química. A título de exemplo:
Em Química, são tratados principalmente os problemas ambientais causados pela queima de materiais de origem orgânica tais como petróleo, carvão vegetal e mineral, e também os danos causados ao ambiente pela produção de metais como o ferro, o cobre. Trata também da poluição da água com metais pesados proveniente do descarte incorreto de pilhas e baterias, fertilizantes e pesticidas como o ddt. (P13)
A forma com que algumas temáticas ambientais, com os professores P13, P17 e P11 caracterizam, isto é, focada em processos químicos de transformação e impactos provenientes destes processos, aparece descontextualizado socialmente e pautado em aspectos genéricos das questões abordadas. Certo que contempla uma compreensão importante, do reconhecimento de objetos de estudo da ciência Química "os materiais e sua transformação" e deste aspecto estar envolvido com problemas ambientais, no entanto ainda fica distante a reflexão sobre a relação ciência e sociedade, uma vez que há restrição a compreender que os conceitos científicos em si, permitem a compreensão de uma realidade inicialmente dada, desconsiderando o construir conhecimentos inserido no mundo, em suas relações. Esta caracterização permite identificar não só a visão dos docentes, mas a própria abordagem do atual currículo (o que teve maiores análises em Souza, 2014). Neste sentido, é importante resgatar que as instituições pedagógicas, geralmente, procuram disseminar determinadas ideias e formas de pensar hegemônicas, o que tem subsídio dos materiais didáticos produzidos e selecionados, a organização do próprio currículo e como os agentes pedagógicos o interpretam e colocam em prática. Como afirma Cury (2000) as ideias e formas de pensar dominantes estão presentes nos materiais didáticos, a exemplo de estudos que identificam nos livros didáticos concepções preconceituosas ou mesmo naturalistas de situações sociais, como foi possível inicialmente identificar com este estudo.
Pensando na dimensão da relação Ciência e Sociedade, a professora P18 chega a citar a existência das relações entre ctsa (Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente), no entanto, não enfoca conteúdos ou o que englobam estas relações. A P18 é responsável pela orientação e acompanhamento formativo de professores, assim sua resposta vai em direção a dizer o que o professor tem que fazer, isto que reproduz a lógica da política curricular. Dessa forma esta professora é mais disseminadora do fundamento da política do que propriamente estabelece e reflete sobre a relação que enxerga entre a Ciências/Biologia e a ea. Como é possível identificar em sua resposta:
[...] O professor terá que desenvolver nos alunos a capacidade de buscarem informações que possam ser relevantes em um dado momento de uma S.A1 [Situação S.A abreviação do nome dado às sequências didáticas existente nos Cadernos do Professor e do Aluno. de Aprendizagem] ou em sua comunidade, principalmente quando são focados (interpretados) os quatro eixos principais da CTSA. (P18)
Por outro lado, a professora P16 reconhece a visão do currículo oficial de sua disciplina e faz uma crítica a sua abordagem:
[...] é uma relação estritamente curricular, pontuada em temas ligados ao estudo da ecologia, como eixo paralelo implícitos em conteúdos de ecologia, citados como exemplos e de forma superficial, como teorias e sempre distantes da prática e na grande maioria das vezes distantes da realidade local, sem enfatizar as questões políticas, sociais e econômicas da sociedade, que gravitam ao redor do termo educação ambiental. (P16)
No entanto, em sua maioria os professores apresentaram dificuldades em expressar a relação entre a ea e a disciplina escolar, não citando relação (P15, P12, P08) ou apenas conteúdos atitudinais e comportamentais considerados ambientalmente adequados e a serem contemplados por todos (P09, P14, P10). Esta dificuldade reforça a necessidade de processos formativos em torno da ea em suas dimensões epistemológica, política e didático-pedagógica. Em outras palavras, há que se fortalecer a formação no que concerne à questão do conhecimento e da relação Ciência e Sociedade, à construção e clareza sobre o compromisso político que a educação escolar deve possuir no processo de formação humana em relação à sociedade, assim como conhecimentos sobre os processos envolvidos na construção dos currículos oficiais e no currículo realizado em sala de aula.
Conclusões
Em geral os professores reconhecem a importância da ea na escola. Com relação a seu caráter político na formação dos estudantes enfocam o papel desempenhado para viabilizar o engajamento, participação e tomada de decisões frente aos problemas ambientais. No entanto, há contradição entre a compreensão do papel da ea e os conteúdos e a forma de viabilizá-lo, pois embora o papel se aproxime de uma concepção de educação crítica, os conteúdos são restritos a uma visão sobre a questão ambiental genérica e a-histórica, o que é representado principalmente por conhecimentos, valores, atitudes e comportamentos sustentados por uma visão limitada sobre a realidade e a intervenção humana nela.
Nem todos os professores explicitam a relação que vêm entre a ea e sua disciplina, quando identificam se limitam a temas ditos ambientais presentes no atual currículo do estado de São Paulo, o que é insuficiente ao se pensar no desenvolvimento de uma ea crítica. Todavia, cabe ressaltar que também houve uma professora que estabeleceu uma crítica ao currículo oficial, e outra que entende inadequado a relação da ea com qualquer disciplina em específico.
A expressão da relação entre a ea e a disciplina de cada professor a partir de conteúdos e questões trazidas no material do currículo oficial explicitou a influência da atual política curricular do estado. A visão dos professores demonstra delimitação da ea a partir de conceitos, processos e fenômenos naturais, mas em um contexto de ensino descontextualizado historicamente e epistemologicamente. As ciências naturais, embora tenha como seu objeto a Natureza e seus fenômenos, não são restritas a história natural, uma vez que a própria construção, dos conhecimentos científicos têm influência da história social, portanto possui dimensões culturais, político e ideológicas, as quais não estão presentes nas respostas.
Por fim, foi possível compreender que investigações sobre a relação entre as políticas educacionais e a formação e atuação de professores em ea e pesquisas sobre a presença de temáticas ambientais nos currículos são necessárias e fundamentais. No entanto, estas carecem de problematização sobre qual perspectiva política e pedagógica fundamentam as políticas e práticas, em seu conteúdo e intencionalidade. Pois, não basta a ea estar presente ou ser possibilitada pelas políticas educacionais e os professores possuírem um discurso e práticas coerentes com elas, visto que a formação e a atuação do professor em ea estão relacionadas a um plano social mais amplo repleto de embates políticos e questões ideológicas, o que se expressa sobremaneira ao abordarmos o atual momento de crise civilizatória. E sendo assim, é importante considerar que este plano social se faz em um cenário de contradição entre modelos de educação que podem favorecer a reprodução ou transformação da atual sociedade, sendo que, coerente com a perspectiva de ea crítica aqui defendida, cabe a superação de contradições das políticas e das práticas para que se possibilite uma educação crítica e emancipatória.
Notas
1 S.A abreviação do nome dado às sequências didáticas existente nos Cadernos do Professor e do Aluno.
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