Bio-grafía
2619-3531
2027-1034
Universidad Pedagógica Nacional
https://doi.org/10.17227/bio-grafia.vol.16.num30-17825

Recibido: 22 de junio de 2022; Aceptado: 6 de septiembre de 2022

DIVERSIDADE, DIREITOS HUMANOS E DIREITO À VIDA NO ENSINO DE CIÊNCIAS NATURAIS


Diversity, Human Rights and Right to Life in Natural Science Teaching


Diversidad, derechos humanos y derecho a la vida en la enseñanza de ciencias naturales

T. Sales, * F. Monteiro Rigue, **

Doutor em Educação. Universidade Federal de Uberlândia. tiagoamaralsales@gmail.com Universidade Federal de Uberlândia Universidade Federal de Uberlândia Brazil
Doutora em Educação. Universidade Federal de Uberlândia. fernanda_rigue@hotmail.com Universidade Federal de Uberlândia Universidade Federal de Uberlândia Brazil

Resumo

Este artigo reflexivo é produzido ao modo ensaístico e objetiva traçar discussões em torno dos desafios e potências de mobilizar as questões de Diversidade e Direitos Humanos no ensino de Ciências Naturais. Defende-se que tais temas devem ser articulados com a Didática das Ciências, tanto na formação de professores/as quanto no ensino básico. Por fim, apresentam-se horizontes para o cultivo de um ensino de Ciências Naturais calcado no direito à vida, como linha intensiva para a produção de práticas educativas significativas, ampliando as dimensões contempladas nos campos de Diversidade e Direitos Humanos.

Palavras-chave:

educação em Ciências, diversidade e direitos humanos, direito à vida, ensino de Ciências Naturais.

Abstract

This reflective paper follows an essay structure and aims to outline discussions around the challenges and potential of mobilizing diversity and human rights issues in the teaching of Natural Sciences. It is argued that such themes should be articulated with the didactic of science, both in teacher training and in basic education. Finally, horizons are presented for the cultivation of a teaching of Natural Sciences based on the right to life, as an intensive research line to produce significant educational practices, expanding the dimensions contemplated in the fields of diversity and human rights.

Keywords:

science education, diversity and human rights, right to life, Natural Science teaching.

Resumen

Este texto reflexivo está estructurado como un ensayo y tiene como objetivo trazar discusiones en torno a los desafíos y fortalezas de movilizar los temas de diversidad y derechos humanos en la enseñanza de las ciencias naturales. Se argumenta que tales temas deben ser articulados con la didáctica de las ciencias, tanto en la formación docente como en la Educación Básica. Finalmente, se presentan horizontes para el cultivo de una enseñanza de las ciencias naturales basada en el derecho a la vida, como línea intensiva para la producción de prácticas educativas significativas, ampliando las dimensiones contempladas en los campos de la diversidad y los derechos humanos.

Palabras clave:

enseñanza de las ciencias, diversidad y derechos humanos, derecho a la vida, enseñanza de las ciencias naturales.

Introdução

Uma questão que instiga muitos/as professores/as de Ciências Naturais (envolvendo conhecimentos da Biologia, Química e Física) é como, em suas aulas, mobilizar os conhecimentos científicos na desconstrução de preconceitos, na construção de ambientes mais respeitosos e propícios à convivência das diferentes formas de vida; mas, como tangenciar tais questões no ensino de Ciências Naturais? Os temas de Diversidade e Direitos Humanos apresentam-se como possibilidades de instaurar tais reflexões no ensino de Ciências Naturais, e investe-se nestas conexões dentro deste texto.

As Ciências Naturais se construíram a partir da investigação dos seres vivos e elementos abióticos presentes no planeta. Para tal, a prática de classificá-los tornou-se habitual, produzindo narrativas e modos de se relacionar com o que se percebe como a natureza constituinte do planeta. Luis Santos (2000) reflete que as Ciências Naturais têm uma história que não é natural; ao afirmar isto, o autor não busca desqualificar e muito menos negar a materialidade deste campo, mas evidenciar que, ao produzir discursos e práticas sobre tais temas pesquisados - natureza, ecossistema, corpo, sexo, animal, vegetal, energia, substâncias, relações, dentre outros -, também se produzem formas de ver e se relacionar com os elementos e vidas estudados. Consequentemente, como escreve Juliana Fausto (2020), a natureza da ciência ocidental é marcada por uma fabricação incessante de estruturas lógicas do dualismo, colocando a natureza, que é objeto da observação da ciência, como subordinada ao observador - o ser humano. Essa relação intrínseca de dependência supõe um sistema de dominação que homogeneíza, promovendo separações - cortando a razão da natureza. A lógica da descoberta científica desde os seus primórdios resulta de movimentos de dominação e soberania, submetendo diferentes formas de vida ao campo da racionalidade humana.

No que diz respeito à vida humana, tais classificações embasaram relações de forças e discursos que, em muitos contextos, culminaram na disseminação de práticas demarcadas pelo racismo e sexismo, tendo como fio condutor a heteronormatividade. Ao acionarem tais dinâmicas, produziram/produzem (mesmo que inconscientemente) subjetividades a partir de noções de verdade, de ser e de habitar o mundo, na medida em que o que escapa dessa compreensão acaba sendo rotulado como anomalia e/ou patologia.

Em pesquisa desenvolvida recentemente, Sandro Santos e Elenita Silva (2019) tecem reflexões acerca de aproximações das pessoas trans com o ensino de Biologia (que é parte das Ciências Naturais), considerando que as narrativas que julgam as existências cisgêneras (quando o sujeito se identifica com gênero e o sexo biológico de nascimento) como as únicas reconhecidas, invisibilizam e negam as existências transgêneras (quando destoam o sexo biológico de nascimento e o gênero). Tal questão fica evidente quando um dos autores mostra para uma professora de Ciências Naturais a imagem de um homem grávido, e ela não consegue conceber tal gestação como real e natural, visto que se tratava de um homem trans. Por sua vez, mesmo com tamanhas barreiras instituídas pelas Ciências Naturais, é possível vislumbrar nesse ensino brechas para criar outras relações com a vida e a diversidade (Santos e Silva, 2019).

A partir de tais inquietações, o objetivo deste estudo é tensionar os desafios e as potências de pensar em Diversidade e Direitos Humanos no ensino de Ciências Naturais. Para tanto, nessa oportunidade será desenvolvida uma escrita com abordagem qualitativa, traçada a partir da perspectiva ensaística1 (Larrosa, 2003; 2004), a qual mobiliza um pensamento ativo e vivo envolvendo a temática da Diversidade e dos Direitos Humanos que circundam os espaços escolares no ensino de Ciências Naturais.

Diversidade, direitos humanos, ciências, educação

O estudo elaborado por Hiata Nascimento e Guaracira Gouvêa (2020), afirma que pensar em Diversidade na Educação em Ciências é mobilizar uma série de questões, como as étnico-raciais, as de gênero e sexualidade, a educação indígena, a educação do campo e a educação inclusiva. As Ciências Naturais, ao longo de sua história, também produziram muitas subjetivações estereotipadas em relação às existências que fogem atualmente do padrão estabelecido de poder representar os sujeitos - um ideário masculino, branco, cisgênero, heterossexual, adulto, urbanizado, letrado e sem deficiência. Assim, os corpos negros, indígenas, femininos, com deficiência ou outras configurações que fogem do padrão de normalidade médico, LGBTQIA+S2, analfabetos e do campo - dentre outras dissidências e minorias possíveis de serem elencadas - foram estigmatizadas, e assim permanecem atualmente. Ao refletir acerca disso, fica evidente a responsabilidade tamanha do trabalho pedagógico com tal tema empreendido dentro das práticas cultivadas no ensino de Ciências Naturais, visto que é indispensável a criação de saídas, dinâmicas que habitem os problemas historicamente presentes nas narrativas sociais e científicas, abrindo possibilidades de transformação e de fabulação.

Igualmente, é importante mencionar que pesquisas no campo da Educação em Ciências Naturais, Diversidade e Multiculturalismo tem aumentado nas últimas décadas, contudo, mesmo com a Educação em Ciências se localizando no campo teórico das humanidades, ainda carregam muito de uma visão racional, lógica, classi-ficatória, eurocêntrica e ocidental (Nascimento e Gouvêa, 2020); marca também das ciências exatas e aplicadas que lhe deram 'forma'. Por isso, há de se apostar em vivências com pesquisas e estudos envolvendo tais temáticas, a partir de epistemologias outras para a produção dos conhecimentos (Teresi, 2008).

Um campo que se apresenta como possibilidade de criar relações mais inclusivas e respeitosas com as múltiplas formas de vida é o dos Direitos Humanos. Candau e Saca-vino (2013) refletem que os Direitos Humanos ganharam força nas últimas décadas, e que a sua interlocução com a educação tem se mostrado necessária para mobilizar uma educação transformadora; assim é urgente que se formem educadores/as em Direitos Humanos. Desta forma, a educação em Direitos Humanos precisa contribuir para a formação de pessoas engajadas com o seu contexto de vida e com o mundo, empoderando-as individualmente e articulando-as coletivamente. Esta é uma educação que investe na memória, na consciência política, na mobilização social e em pedagogias ativas na transformação do mundo (Candau e Sacavino, 2013).

O educador e patrono da educação do Brasil, Paulo Freire, é referência mundial para pensar e mobilizar pedagogias transformadoras e libertadoras. Os ensinamentos de Freire são potentes inspirações teóricas e práticas para a construção de uma Educação em Direitos Humanos que desenvolva a consciência histórica e que esteja engajada com o presente. Freire contribuiu com propostas de uma educação que se debruça com os contextos de vida dos sujeitos, com os temas que atravessam as suas realidades, com a importância de um engajamento coletivo e com as práticas educativas que promovam a autonomia dos seres lá articulados, incidindo ativamente nas redes de opressão e marginalização (Freire, 2018a; 2018b).

Tais tensionamentos freireanos influenciaram diversos pesquisadores/as no campo da educação do mundo afora, como Catherine Walsh, Luiz Oliveira e Vera Candau (2018) ao pensarem em uma pedagogia libertadora que se oponha às redes da colonialidade do poder (Quijano, 2005). Nesta defesa, a educação como um todo precisa estar articulada com os Direitos Humanos, defenden-do-os e popularizando-os desde a formação inicial docente até as práticas escolares, conectando-se também com outras possibilidades de educação - não-for-mais (Gohn, 2006; Marandino, 2017) -para além da escola (Candau e Sacavino, 2013). A Educação em Direitos Humanos é uma aposta que vem sendo fortemente acionada para mobilizar pedagogias engajadas com o presente, críticas às redes do poder e mobilizadas na construção de táticas de resistência.

Vera Candau e colaboradores (2013) defendem que o/a educador/a em Direitos Humanos precisa ser um Agente Sociocultural Político (ASCP). Inspirados nesta proposta, Roberto Oliveira e Gloria Queiroz (2018) propõem uma Educação em Ciências engajada com a Educação em Direitos Humanos, tendo esta como o seu eixo guia, apostando na conexão com os temas específicos das Ciências Naturais, articulados com as relações entre Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente como um caminho profícuo.

Neste sentido, Oliveira e Queiroz (2018) investem na formação de professores/as de Ciências como ascp, os quais precisam ser capazes de articular criticamente os conteúdos específicos das Ciências Naturais com a Educação em Direitos Humanos, bem como com os saberes filosóficos, sociológicos e políticos que os acompanham. Para tal, os autores (2018) sugerem que a educação precisa mobilizar práticas que engajem os/as educandos/ as - tanto futuros/as professores/as quanto estudantes do ensino básico - a se posicionarem ativamente e criticamente frente aos possíveis dilemas que irão surgir em seus cotidianos, visto que na Educação em Direitos Humanos não existe margem para a neutralidade (Oliveira e Queiroz, 2018).

Um tema possível de articular o ensino em Ciências Naturais com as questões de Diversidade e Direitos Humanos é a Bioética, como propõem Paulo Silva e Myriam Krasilchik (2013). Para os autores, a Bioética consiste em um tema transversal capaz de mobilizar discussões importantes perante o caráter político das Ciências Naturais. Outro campo capaz de mobilizar tais discussões é a Educação Ambiental, em suas problematizações acerca do uso da natureza, das manipulações da vida na Terra, das relações entre natureza e cultura, e do respeito aos diferentes povos e seus múltiplos modos de existência (Sauvé, 2005a; 2005b). Cleber Ratto, Paula Henning e Balduíno Andreola (2017) dão pistas interessantes desta articulação ao investirem na construção de uma Educação Ambiental para uma ética planetária do cuidado global, mobilizada a partir de uma pedagogia libertadora e transformadora.

Mobilizar as questões de Diversidade e Direitos Humanos no ensino de Ciências Naturais consiste em um desafio aos/as educadores/as, visto que é preciso, em muitos momentos, confrontar as estruturas do conhecimento científico, curricular e da escolarização formal. Para tal, é necessário questionar as compreensões didáticas vigentes, como afirmam Fernanda Rigue e Guilherme Corrêa (2021) e Anna Carvalho e Daniel Gil-Pérez (2011). É urgente que sejam tensionadas às pretensões totalizadoras e uniformizantes que habitam nossos processos de ensino no ambiente escolar, as quais ditam que tudo aquilo que é ensinado é inevitavelmente apreendido pelo/a estudante (Rigue e Corrêa, 2021), ademais, que seja desestabilizada a pretensão de um modelo único de educação, de formação de professores/as e de ensino de Ciências Naturais, pois as Ciências e a Educação são dinâmicas (Carvalho e Gil-Pérez, 2011).

Reconhecer a educação, a formação de professores/as e o ensino de Ciências Naturais como dinâmicos e fluidos - visto que estão situados em tempos e espaços em constantes mutações - é perceber a urgência de repensar e atualizar frequentemente as compreensões teóricas e vivenciais do que criamos com os/as estudantes em Ciências Naturais.

Nos dias atuais, com a implementação, no Brasil, da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (Ministério da Educação, 2018) como um eixo guia dos currículos estaduais, municipais, reverberando no ensino básico como um todo, e direcionando a formação de professores/as - como enfatiza a Base Nacional Comum sobre a Formação de Professores (BNC-Formação) (Ministério da Educação, 2019) -, surgem outros tantos desafios a serem tensionados. Considerando que a produção de juízo de valor sobre os arquivos não é trabalho de quem pensa e faz educação, delinearemos a seguir alguns aspectos que podem vir a estabelecer rotas potentes para operar com tais iniciativas contemporâneas. O arquivo da bncc, ao incidir em múltiplos currículos que também se tratam de espaços de poder e disputa (Arroyo, 2011), produz identidades (Silva, 2010), por se alinhar a propostas escolarizadoras de valores internacionais e colonizadores, assumindo enfaticamente o posicionamento neoliberal de defesa de uma educação escolar pela aquisição de competências e habilidades, vem ao encontro de corroborar com perspectivas pedagógicas classificatórias, meritocráticas e produtoras de subjetividades e corpos demandados pelo capital - o capital neoliberal.

Da mesma maneira, o arquivo da bncc estabelece certos aspectos que podem incidir sob o prisma de um ensino de Ciências transdisciplinar e engajado com os Direitos Humanos, com a contextualização histórica e política das Ciências, pelo menos ao nível discursivo das habilidades essenciais por ela defendidas à educação escolar brasileira. No entanto, é necessário ter certa cautela com o seu uso, cultivando uma desconfiança ativa, visto que foi produzida de forma a centralizar as suas discussões, invisibilizando temas de grande importância às questões de Diversidade e Direitos Humanos, como ressaltam Silvana Silva e Carlos Loureiro (2020) acerca da Educação Ambiental e de outros temas, como gênero e sexualidade.

Educadores e educadoras - corpos que implementam atividades pedagógicas diárias com estudantes -, possuem o desafio que demanda a coragem de ativar espaços de vida e pensamento em Ciências Naturais, para além das pretensões universalizantes presentes em arquivos como a bncc. Mundos possíveis são viáveis, cocriadores, inventivos, já que os processos envolvendo educadores/as e educandos/as não são universais, são "[...] apenas singularidades" (Deleuze, 2013, p. 187). Nesse tom, a seguir traçamos potências para pensar o direito à vida como horizonte para o ensino de Ciências Naturais.

Direito à vida: cultivos porvir

Até o presente, foram apresentadas as compreensões já consolidadas e exploradas no âmbito da Educação em Direitos Humanos, que também tem afetado, mesmo que discretamente, o ensino de Ciências Naturais. Também, foram tangenciadas questões relacionadas às conexões entre as questões de Diversidade e Educação; com vistas a alargar esse espectro, da mesma forma, aproximamos dessa discussão as movimentações de pensamento do filósofo Gilles Deleuze (2013).

Para Deleuze (2013), não existem direitos humanos, o que deveria existir seriam direitos da vida, vida esta que é inerente a todos os seres, não apenas humanos. Com esse deslocamento, o filósofo amplia a discussão do direito à vida que passa a fluir contemplando não só o ser humano, mas sim, todas as variações e formas de vida que partilham da existência conosco. Dentro dessa dinâmica, passamos a pensar que enquanto viventes somos responsáveis uns pelos outros, podemos responder pelos acontecimentos que nos cercam (Fausto, 2020).

Rachar o dualismo - humanos e não-humanos - é explorar um caminho aberto para valorização da vida que se regenera com os diferentes seres, que partilham de múltiplas experiências no nosso território. Portanto, pensar na importância de dimensionar diálogos envolvendo o direito à vida, de forma alguma, nega as reflexões atinentes aos Direitos Humanos, justamente por estar expandindo essa discussão.

Ao atentar-se às dimensões da vida em suas diferenças, também se instauram territórios propícios à diversidade de existências; cultivar essa dinâmica pela via do direito à vida é aproximar a chance de despertarmos enquanto viventes, rizomando horizontes para adiar o fim do mundo (Krenak, 2019), uma vez que esse possível fim está vinculado com essa máquina capital de comer 'mundos-vidas-corpos'. Assim, um caminho é investir nas micropolíticas (Rolnik, 2018) que se tecem quando apostamos em molecularidades outras que permitam estabelecermos alianças multiespecíficas (Tsing, 2019) entre seres, principalmente no âmbito das nossas experimentações educativas com estudantes no ensino de Ciências Naturais.

Fausto (2020) aposta que há de "[...] sair intensivamente, tornar-se capaz, e mudar a situação por meio desse movimento" (p. 189), desterritorializar nossos enraiza -mentos demasiadamente humanos, indo ao encontro de saídas que sejam intensivas, cocriadoras, intempestivas. Alterar o mundo sem sair dele é estar envolvido com o que já existe, permitindo criar linhas outras de habitação. O ensino de Ciências Naturais pode ser reinventado, minorado, agenciado a partir dos movimentos e apostas que nele tecemos, já que o devir3 é sempre possível. "Só o povo pode criar a si mesmo" (Fausto, 2020, p. 202); por isso, um ensino de Ciências Naturais calcado no direito à vida - que não amplia ainda mais o abismo entre o humano e 'os não-humanos' -, rachando-o, é um ato de fabulação4, que estabelece alianças outras nas práticas educativas que semeamos em educação.

O fazer escritural é um caminho e zona de vizinhança para inventar um povo que falta (Deleuze, 1997; Fausto, 2020). Logo, a presente escritura ensaística assume o desejo agenciador de afetar as práticas do ensino de Ciências Naturais, de expandir as percepções em torno da diversidade e dos Direitos Humanos com atravessamentos não humanos, pelos díspares e dissonantes comunicantes que podemos cultivar com nossos/as estudantes na escolarização.

A experiência da vida na Terra ultrapassa a leitura de mundo que nós, seres humanos, fazemos dela. Logo, um ensino de Ciências Naturais implicado corresponde àquele que desterritorializa cristalizações que agenciam o ser humano como centro de todas as modulações da natureza, permitindo a criação de "[...] uma zona na qual algo de um passa ao outro" (Fausto, 2020, p. 202), indo ao encontro de práticas em ensino de Ciências Naturais que sejam relacionais entre os diferentes seres, pelas possibilidades de seus distintos corpos. Uma ciência articulada, como processo e devir-com, aberto as pul-sões vitais dos diferentes seres, orgânicos e inorgânicos, que nos afetam em todos os momentos do dia, da rotina, do viver.

Experimentar essa perspectiva é o que ressona dessa escrita menor. Como desejou o pedagogo francês Fernand Deligny aos educadores "Boa sorte" (2018, p. 126). Aos desejantes seres que se interessam em fazer fluir práticas educativas em ensino de Ciências Naturais a partir da potência do devir, o convite deste ensaio é que possamos penetrar em habitações compromissadas com a existência dos seres na terra, como um chamado minoritário que nos permita cocriar, produzir elos que se distanciem de uma visão de supremacia do humano em detrimento das diferentes formas de vida que partilham do mundo conosco.

A escrita ensaística, uma literatura menor (Deleuze e Guattari, 2017), foi o fio condutor dessa invenção imbricada na feitura de uma educação menor (Gallo, 2002) e, em específico, de uma educação em Ciências Naturais engajada com as menoridades (Santos etal., 2021). Portanto, ensejamos que as mobilizações aqui elencadas sejam pontos de partida - respingos de pensamento -para pensarmos e quiçá acionarmos docências e práticas no ensino de Ciências Naturais, que sejam implicadas com as questões de Diversidade e Direitos Humanos, mas nelas não se limitem, levando em consideração a dimensão não-humana, o direito à vida e perspectivas outras, por vir, a serem tangenciadas na medida em que pedirem vazão nos cotidianos educativos.