Deambulando por la Historia de la Infancia en Portugal. Estudio histórico de la Escuela Infantil João Baptista Rollo
DOI:
https://doi.org/10.17227/rce.num83-10781Palabras clave:
historia de la educación, educación infantil, guardería , niños pequeños, mujer trabajadoraResumen
Este artículo se integra en la línea de investigación “La Infancia: políticas, instituciones y educación, desarrollada por los autores de este texto, la cual pretende mostrar las políticas e instituciones destinadas a la infancia en el contexto de la Historia de la Educación en Portugal, por medio de una matriz sociohistórica que busque comprender el presente y las diferentes opciones registradas en la educación de los niños y jóvenes en Portugal. El objeto de estudio de este artículo es la guardería infantil João Baptista Rollo, inaugurada en 1905 en Portalegre -ciudad del interior de Portugal-, donde la industria del corcho se desarrolló de mano de la familia Robinson, quienes dotaron a la ciudad de una marca industrial, capitalista y filantrópica. Entre finales de la monarquía y el inicio de la 1.ª República, esta guardería infantil trajo a la ciudad, un lugar para los niños más pequeños, apoyando a las madres y familias que trabajaban en la fábrica de los “Robinson”, en una época en que las instituciones destinadas a los menores de tres años tenían un fuerte carácter asistencialista e higienista, en prosecución de una persona más saludable asociada a los desafíos de la industria. La guardería infantil João Baptista Rollo, a semejanza de otras en el Portugal de esa época, es resultado de beneméritos y frutos de la legislación creada entonces, que designaba que las fábricas con más de 50 trabajadores deberían crear una guardería infantil para recibir a los menores con menos de tres años, descendientes de las trabajadoras. Es sobre esta realidad en la que nos proponemos disertar, apoyados en una matriz y en el análisis documental de un conjunto de fuentes y documentación, que nos posibilitan enriquecer los datos sobre la Historia de la Educación Infantil en Portugal, y de modo particular en la ciudad de Portoalegre.
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Recibido: 14 de enero de 2020; Aceptado: 6 de agosto de 2020
Resumo
Este artigo científico insere-se na linha de investigação, A Infância: políticas, instituições e educação, vinda a desenvolver pelos autores, e que privilegia desocultar o lugar das políticas e instituições destinadas à Infância no contexto da História da Educação em Portugal, recuperando o passado à luz de uma matriz sócio-histórica para compreender o presente e as diferentes opções registadas na educação das crianças e dos jovens. O objeto de estudo que reverte para este artigo é a creche João Baptista Rollo, inaugurada em 1905 em Portalegre (Portugal), onde a indústria corticeira se desenvolvia por mão da família Robinson a qual instalara-se aí dotando a cidade de uma marca industrial, capitalista e filantrópica. Entre os finais da monarquia e o início da 1.a República, esta creche trouxe à cidade um lugar para as crianças mais novas, apoiando as mães trabalhadoras na fábrica dos "Robinson", numa época em que as instituições destinadas aos menores de três anos tinham forte pendor assistencialista e higienista, em prosseguimento de uma pessoa mais saudável. Esta creche, à semelhança de outras no Portugal dessa época, resultou de beneméritos e decorreu da legislação criada, que designava que as fábricas com mais de 50 trabalhadoras deveriam criar uma creche para os menores descendentes delas com menos de três anos. É sobre essa realidade que dissertamos, apoiados numa matriz sócio-histórica e na análise documental a um conjunto de fontes e documentação que nos possibilitam enriquecer os apontamentos sobre a História da Educação de Infância em Portugal, e de modo particular numa cidade do interior de Portugal.
Palavras-chave:
história da educação, educação de Infância, creche, crianças mais novas, mulheres trabalhadoras.Abstract
This article is part of the research line, Childhood: policies, institutions, and education, developed by the authors, in which privileges revealing the place of policies and institutions aimed at Childhood, in the context of the History of Education in Portugal, recovering the past under the scope of a socio-historical matrix to understand the present and the different options recorded in the education of children and young people. The object of study that leads this article is the João Baptista Rollo nursery, inaugurated in 1905 in Portalegre (Portugal), where the cork industry was developed by the Robinson family who settled there giving the city an industrial brand, capitalist and philanthropic. Between the end of the monarchy and the beginning of the 1st Republic, this nursery school brought to the city a place for the younger children, supporting the mothers who worked at the Robinson factory, at a time where institutions for children under three years old had a strong welfare and hygienist bent on pursuing a healthier person. This kind of nursery, like others in Portugal at that time, is a result of merits and stems from the legislation created, which stated that factories with more than 50 workers should create a nursery for children under three years of age. It is about this reality that we propose to dissert, supported by a socio-historical matrix and documental analysis to a set of sources and documentation that allow us to enrich the notes on the History of Early Childhood Education in Portugal, and particularly in a city located in the interior of Portugal.
Keywords:
educational history, childhood education, nursery school, infants, employed women.Resumen
Este artículo se integra en la línea de investigación La Infancia:políticas, instituciones y educación, desarrollada por los autores de este texto, la cual pretende mostrar las políticas e instituciones destinadas a la infancia en el contexto de la Historia de la Educación en Portugal, por medio de una matriz sociohistórica que busque comprender el presente y las diferentes opciones registradas en la educación de los niños y jóvenes en Portugal. El objeto de estudio de este artículo es la guardería infantil João Baptista Rollo, inaugurada en 1905 en Portalegre -ciudad del interior de Portugal-, donde la industria del corcho se desarrolló de mano de la familia Robinson, quienes dotaron a la ciudad de una marca industrial, capitalista y filantrópica. Entre finales de la monarquía y el inicio de la 1.a República, esta guardería infantil trajo a la ciudad, un lugar para los niños más pequeños, apoyando a las madres y familias que trabajaban en la fábrica de los "Robinson", en una época en que las instituciones destinadas a los menores de tres años tenían un fuerte carácter asistencialista e higienista, en prosecución de una persona más saludable asociada a los desafíos de la industria. La guardería infantil João Baptista Rollo, a semejanza de otras en el Portugal de esa época, es resultado de beneméritos y frutos de la legislación creada entonces, que designaba que las fábricas con más de 50 trabajadores deberían crear una guardería infantil para recibir a los menores con menos de tres años, descendientes de las trabajadoras. Es sobre esta realidad en la que nos proponemos disertar, apoyados en una matriz y en el análisis documental de un conjunto de fuentes y documentación, que nos posibilitan enriquecer los datos sobre la Historia de la Educación Infantil en Portugal, y de modo particular en la ciudad de Portoalegre.
Palabras clave:
historia de la educación, educación infantil, guardería, niños pequeños, mujer trabajadora.Introdução
No decurso da modernidade, a infância assumiu na sociedade ocidental, uma centralidade e preocupação crescentes. O conceito de infância incorpora uma multiplicidade de sentidos, tensões e significados dependendo dos contextos, das instituições, dos espaços, dos atores, das políticas, entre outros; que permitem construir conceções e representações diversas (em regra de adultos sobre as crianças) sobre esse período da vida inicial do ser humano.Na perspetiva de Ferreira e Mota, a infância está sujeita "a um complexo devir, que condiciona a ação dos que estão em crescimento" (2019, p. 8), sendo que a ideia de infância, segundo os mesmos autores, muito deve ao desenvolvimento da ciência médica, da militância científica e das práticas filantrópicas.
No Portugal dos finais do século XIX começa a entender-se que não podem-se deixar morrer as crianças e que as crianças são propriedade coletiva e com valor, emergindo a infância como um problema social e de debate público. São por isso criadas, ao longo do século XIX, diversas instituições de apoio às crianças.
O olhar sobre a infância balizou-se entre uma perspetiva assistencialista e uma perspetiva educativa. A dimensão educativa parece ter sido mais orientada para a educação das crianças a partir dos três anos de idade embora a existência de várias outras experiências assistencialistas e educativas para crianças ainda mais novas. A importância atribuída à infância prende-se, entre outros aspetos, com a interpretação de que as crianças constituíam os 'homens do amanhã'. Era, por isso, necessário encontrar instituições capazes de cuidar e educar as crianças mais novas, respondendo às necessidades relacionadas com o aprofundamento do processo de industrialização da Europa.
Em Portugal, no final de oitocentos e alvores de novecentos, sentiu-se a necessidade de alargar o número de instituições dedicadas às crianças pequenas e, segundo Gomes (1986) e Cardona (1997), o espírito caritativo e assistencial foi, como já se afirmou, lentamente, substituído por um espírito mais educativo, no que se refere à educação das crianças entre os três/quatro anos e os seis/sete anos.
De acordo com Cardona (1997), no período da monarquia, entre 1834 e 1909, através de um decreto de 2/5/1878, regulamentado pelo decreto de 28/7/1881, o regime definiu condições para que se criassem os Asilos de Educação ("auxiliares das escolas primárias") que se destinavam a crianças entre os três e os seis anos de idade, fomentando as juntas gerais de distrito e municípios, com a comparticipação do Governo, para criar tais instituições. No entanto, a autora (1997) afirma que os efeitos práticos de tais decretos nunca se fizeram sentir.
Porém, em 1882, em Lisboa foi criado o primeiro jardim de infância Frõebel, o que, segundo Vasconcelos, mostrava o "interesse que uma burguesia ascendente e a classe dos intelectuais demonstraram começar a ter pela componente educativa da educação de infância" (2005, p. 14). Ainda segundo a mesma autora (2005) foram, nessa altura, também criados os Asilos da infância Desvalida, com uma ação marcadamente assistencial.
Na década de 90 do século XIX, a crise económica impediu a continuidade do impulso que se vinha vivendo na área das políticas para a infância. Contudo, segundo Cardona (1997), continuou existindo a preocupação na criação de instituições destinadas às crianças, agora sob o apelo a entidades privadas. Surgiu em 1891 legislação que determinava a criação de creches junto das fábricas, a fim de acolher e cuidar as crianças provindas das mulheres trabalhadoras.
Alguns autores, entre eles Gomes (1986), Cardona (1997), Vilarinho (2000) e Vasconcelos (2005), pormenorizam a História da Educação de Infância em Portugal através da interpretação dos discursos destacados em diferentes fontes, nomeadamente legais e documentais e, dessa interpretação, destaca-se uma maior pormenorização para a educação das crianças com três ou mais anos, deixando, desse modo, algo por desocultar nas instituições criadas para as crianças até aos três anos de idade.
Assim, na sequência de outros trabalhos já realizados no contexto geográfico da cidade de Portalegre no interior de Portugal, tentamos entender o lugar assumido pelas crianças mais novas (até os três anos de idade) no contexto de uma cidade industrializada por famílias de origem inglesa1, nos finais do século XIX e princípios do século XX. Nesse decurso colocaram-se as seguintes questões orientadoras: Existiam instituições capazes de acolher as crianças mais novas descendentes do operariado? Que características assumiam essas instituições? Como funcionavam e que propósitos objetivavam?
Para tentar responder às interrogações referidas assumimos um conjunto diverso de autores que nos ajudaram a teorizar sobre estas questões (Gomes, 1986; Cardona,1997; Vilarinho, 2000 e Vasconcelos, 2005) e investimos numa aturada pesquisa em arquivos e bibliotecas locais diversas.
Metodologicamente, e a partir da identificação das fontes principais, a pesquisa apoiou-se numa matriz socio-histórica, à luz da qual se procedeu à análise das fontes documentais recolhidas em arquivos e acervos municipais (cidade de Portalegre - Portugal). O acesso a tais fontes mostrou-se difícil e não se conseguiu aceder a qualquer arquivo próprio da Créche João Baptista Rollo2, apesar de terem sido contactadas a Câmara Municipal de Portalegre, a Fundação Robinson, a Cooperativa Operária Portalegrense ou a Cáritas Diocesana de Portalegre-Castelo Branco, instituições municipais, ou que hoje representam o nome da família Robinson e do seu legado na cidade de Portalegre, ou que atualmente ocupam as instalações construídas para o funcionamento da Créche3 em estudo. A Créche parece não estar na memória dos portalegrenses e o seu espólio parece ter sido sonegado, por motivos que não conseguimos apurar de modo declarado, apesar da pesquisa numa das fontes (Folha do Districto de Portalegre) ir revelando problemas circunstanciados ao legado do benemérito que deu nome à instituição.
As principais fontes identificadas (os Estatutos da Associação Protectora da Créche e o Discurso de inauguração da Créche João Baptista Rollo) mereceram um processo de análise documental e sequente interpretação, numa clara valorização da memória escrita, reportando às questões orientadoras definidas.
Igualmente, se desenvolveu uma incursão pela Folha do Districto de Portalegre (fonte que consideramos secundária) na tentativa de procurar elementos adjacentes, ou além dos discursos estatutário e de política local. Nesta imprensa de tipo generalista os historiadores da educação podem recolher dados gerais e dados sobre problemas educativos, que espelham interesses e ou opiniões, seja do tipo político, social ou educativo; pois, tal como afirma Hernández Díaz (2018), a imprensa que informa o cidadão "de forma constante e inevitable recoge también temáticas específicas de la escuela y de la educación en su más ampla acepción. Por ello la prensa se ofrece como un recurso de uso obligatorio para los historiadores de la educación" (p. 14).
A análise documental, articulada com as questões orientadoras antes definidas, objetivou, em concreto: 1) escrutinar a matriz histórica, nas dimensão da política educativa-assistencial, económica-industrial e a sua vivência numa cidade do interior de Portugal nos finais da monarquia e princípios da primeira República em Portugal; 2) intuir a realidade oferecida aos descendentes das mães que trabalhavam na fábrica dos "Robinson" em Portalegre e cujos filhos podiam frequentar a Créche João Baptista Rollo, destinada aos menores de três anos.
O escrutínio das fontes desenvolveu-se através do registo em fichas criadas para o efeito. Estas integraram os seguintes itens de recolha/análise: identificação da fonte, local do seu arquivo, autor, registo do seu principal conteúdo, registo de citações ilustrativas e comentários considerados pertinentes pelos investigadores. A cada ficha anexou-se uma síntese elaborada pelos autores da pesquisa e um registo de observações, incluindo fotografias.
O processo de análise e interpretação desenvolvido possibilitou uma reflexão com pendor interpretativo do conteúdo, à luz da matriz sócio histórica traçada sobre a época. Tal processo triangulou um discurso 'estatutário', um discurso 'político local' e um discurso 'da imprensa'. A dimensão pedagógica infere-se em cruzamento com as referências teóricas que plasmam a História da Educação de infância em Portugal, que reportamos neste artigo e que identificam e interpretam um discurso 'oficial', ideológico, pluralista, orientador de princípios, incluindo os de intenção pedagógica (Cardona, 1997).
Portugal nos finais do século XIX e início do século XX: a realidade de uma cidade do interior do país
No dealbar do século XX, Portugal era um país pobre (Mattoso, 1994), cujos traços de ruralidade tendiam a perpetuar-se em torno de um desenvolvimento industrial e tecnológico bastante exíguo, tendo como referência os países do continente europeu, em franco crescimento económico (Reis, 1984). Assinalado pelos seus inúmeros fatores condicionantes, o país apresentava-se com algumas especificidades: instabilidade política (Marques, 1991); débil rede ferrovia; dependência de capitais externos; diminuta produtividade; lento crescimento da população portuguesa; elevadas taxas de analfabetismo (Carvalho, 2011) e elevados níveis de pobreza (Silva, 2017).
No interior desse Portugal situava-se a cidade de Portalegre, cuja elevação se ficou a dever ao monarca D. João III, no ano de 1550. De traços medievais abundantes, resultantes do seu amuralhado histórico, emerge a cidade de Portalegre, marcada, de forma indelével, pelas suas ruas onde, no início do século XX, abundavam diversos profissionais, como sapateiros, canastreiros, alfaiates, carpinteiros, entre outros. Ladeada por povoados rurais, a cidade assimilava na perfeição a ruralidade, marcada pela existência de uma agricultura, ainda que insípida, com o dinamismo próprio de um concelho que assistia ao processo de industrialização, atraindo diversas famílias em redor do seu labor.
Inevitavelmente, despontavam alguns bairros habitacionais, novos planos de abastecimento de águas e estabelecimentos comerciais, capazes de responder às necessidades mais prementes da população portalegrense. Em simultâneo, essa industrialização era acompanhada pela fixação de alguns serviços basilares neste enlace e, segundo Ventura (2012), instalaram-se na cidade novos serviços, entre os quais delegações da Caixa Económica Portuguesa em dezembro de 1887 e do Banco de Portugal em abril de 1891, situando-se os lucros da agência de Portalegre em 10.934§réis.
À cidade, e à semelhança do que acontecia pelo país, começaram a chegar capitalistas ingleses. A forte presença destes capitalistas em Portugal sempre foi uma realidade, pois desde os primórdios da contemporaneidade que se fixaram em território nacional distintos capitalistas, capazes de dinamizar o arranque do processo de industrialização.
Entre outras matérias-primas, os ingleses interessaram-se pela cortiça portuguesa, transportando tal matéria prima para o mercado britânico. É neste contexto que, no ano de 1848, chegou a Portalegre a família Robinson, chefiada por George William Robinson. Tudo se iniciou com a compra de uma oficina ao seu conterrâneo Thomas Reynolds e, pouco a pouco, essa oficina transformou-se numa indústria corticeira, que iria permanecer de forma contínua a laborar por mais de um século. Conseguiu resistir a inúmeras transformações, aglomerando, por diversas vezes, mão de obra oriunda de outros setores.
Sendo uma figura de enorme destaque filantropo, como o próprio inquérito industrial no final do século XIX (1881) o afirmava, George William Robinson destacou-se pelas inegáveis qualidades enquanto gestor de negócios, que permitiram colocar Portugal como um dos maiores produtores e exportadores de cortiça a nível mundial. A sua visão capitalista e filantrópica fê-lo encetar uma multiplicidade de caminhos entrosados numa mesma estratégia, capacitando e alargando as competências do "império" corticeiro.
Foi com enorme naturalidade que a família Robinson, quer através do pai George William Robinson4 quer através de seu filho George Wheelhouse Robinson, prosseguiu neste imperioso caminho. A sua presença em Portalegre não se esgotou na indústria corticeira e podem destacar-se outras iniciativas de relevo na cidade, a saber: a aquisição do convento de São Francisco (1868), a fundação da igreja evangélica, a participação na fundação da Sociedade União Operária Portalegrense (1896); a participação no projeto da Créche João Baptista Rollo (1903), a fundação do Teatro Recreio Operário (1903), a fundação do corpo de Bombeiros privativos da Robinson (1908), a participação na fundação da Associação Comercial e Industrial de Portalegre (1898) e a participação em diversas ações de índole caritativo na cidade de Portalegre.
Tendo como comparação outros concelhos do Alentejo, pode assumir-se que a família Robinson contribuiu para a dinâmica da cidade de Portalegre na viragem do século XIX para o século XX, assumindo este concelho uma certa pujança industrial e económica, própria de uma cidade em que a intensidade do labor fabril era uma realidade. A urbe conseguiu atrair um forte aglomerado que migrou das suas freguesias rurais, em busca de emprego no setor fabril, sobretudo, no setor corticeiro e nos lanifícios, determinando o surgimento de aglomerados urbanos em redor da indústria corticeira, despoletando o associativismo, mais ou menos reivindicativo, conforme a sua especificidade. Geminadas com as classes profissionais, surdem diversas associações com intuito de proteger os trabalhadores, como foi o caso da Sociedade União Operária Portalegrense (1896), surgindo o mutualismo enquanto movimento audaz, capaz de estreitar os laços de fraternidade numa sociedade que visava a solidariedade e se preocupava com a beneficência em prol dos mais vulneráveis.
Aproveitando o declínio de algumas empresas, como foi o caso da Larcher & Sobrinhos e da Companhia da Fábrica de Lanifícios (1868), os Robinson encontraram uma oportunidade auspiciosa para a corticeira portalegrense dilatar a sua produção, em virtude da disponibilidade de mão de obra e de uma conjuntura muito favorável, no que diz respeito ao escoamento do produto a preços vantajosos. "Os 160 homens e 50 mulheres que trabalhavam na fábrica nos primeiros anos, passam para 680 - 260 homens e 420 mulheres - em 1880" (Ventura, 1987, p. 5).
No decurso da industrialização, a cidade de Portalegre crescia em população e segundo os censos da população do reino de Portugal do dia 1 de dezembro de 1900 (INE - 1900 - 1 de Dezembro) o distrito de Portalegre era o segundo distrito de Portugal, logo a seguir a Lisboa. Paralelamente a este crescimento, surgiu uma variedade de serviços ligados aos setores assistencial, urbanismo, económico e cultural, destacando-se no plano assistencial o surgimento dos Asilos de infância Desvalida, como foi o caso do Asylo-escola districtal, seguindo as indicações do regulamento de 5 de Janeiro de 1888 (Silva, 2017) e a Créche João Baptista Rollo inaugurada em 1905.
Esta Créche inscreve-se no quadro de uma política com um sentido caritativo religioso e com forte pendor protecionista, associada ao desenvolvimento industrial, à integração da mulher no trabalho fora da residência, e num olhar para a educação das crianças mais novas, sendo as fábricas com mais de 50 trabalhadoras obrigadas a criar uma creche para os filhos das suas operárias (Decreto, lei 14 de 10 de fevereiro de 1891), na sequência da Conferência de Berlim no periodo de 1884-1885, que ditava sobre a proteção das mulheres trabalhadoras (Cardona, 1997).
Tais creches deveriam centrar-se nas condições básicas de higiene e de saúde para os menores com menos de três anos, descendentes das trabalhadoras e obedecendo, como refere Vasconcelos (2005), a princípios higienistas, "orientando a sua atividade para uma proteção da saúde infantil" (p. 15). Também, como refere Correia (2018), esta obrigação era um marco que promovia a criação de novas infraestruturas de atendimento a crianças com menos de três anos de idade, sendo, neste campo, importante considerar a regulamentação do trabalho dos menores e das mulheres nos estabelecimentos industriais. A creche, com uma tutela privada, deveria cumprir condições mínimas de saúde e de higiene (Cardona, 1997, referindo-se ao Decreto de 14/4/1891), subscrevendo a necessidade da assunção das condições de saúde e de higiene como condição para o combate à mortalidade infantil e afirmando-se, no final da monarquia, uma das fases da História da Educação das crianças mais novas em Portugal, designada pela sua funcionalidade de proteção social e assistencial quer à criança, quer à mãe (Vilarinho, 2000).
Do mesmo modo, como dizem Henriques e Vilhena (2015), apoiados em Donzelot (1986), na época, acentuava-se a preocupação com os sistemas de educação, com a higiene e com a vigilância e assistência às crianças oriundas das classes mais pobres e, a partir de 1882, são as creches que mais contribuem para acolher e tratar crianças filhas das mulheres trabalhadoras e cujo objetivo é o amparo e a proteção (Martins, 2002).
Não se encontram referências a programas a desenvolver nas creches; ao invés, Gomes (1986) e Cardona (1997) referem, por exemplo, que em 18935 foi criado por José Augusto Coelho um programa para crianças entre os quatro e os oito anos, orientado pelas ideias frõebelianas e aportado no desenvolvimento social da criança, na sua intelectualidade e na educação tecnológica, em condições que favorecessem o desenvolvimento natural da criança.
Esta centragem na educação das crianças acima dos três anos de idade continuou e em 1902, em decreto que prosseguiu os ideais do Decreto publicado em 23/12/1894, foram publicadas medidas legislativas que afirmavam que a educação de infância não era um grau de ensino, mas que valorizava a educação infantil e reforçou, segundo Cardona (1997) a integração no sistema educativo e o apoio económico do estado a instituições privadas. Tal tendência, um pouco esmorecida nos finais da monarquia, havia de ser restabelecida com a chegada da 1.a República, cujos ideais focaram a educação como estratégia para a valorização social e cultural de Portugal. No entanto, e como refere Vasconcelos (2005), apesar desse sentido mais educativo, a função social e assistencialista continua a marcar fortemente a educação infantil.
No que diz respeito às creches, a sua expansão fez-se muito pela obrigatoriedade estabelecida no Decreto-lei 14 de 10 de fevereiro de 1891 e o seu pendor de guarda, assistencialismo e higiene marcaram os finais do século XIX e o início do século XX, destinandose fundamentalmente aos filhos das operárias e, sempre que possível, as que pertenciam ao Estado ou aos Municípios, segundo o Decreto do Ministério do interior de 29 de março de 1911, deveriam ser transformadas em escolas infantis.
A Créche João Baptista Rollo - um percurso inaugurado em 1905
É neste contexto que foi criada e inaugurada, em 1905, a Créche João Baptista Rollo, iniciativa privada que surgiu a partir da Associação Protectora da Créche João Baptista Rollo e da família Robinson, que disponibilizou junto à sua fábrica um local para a construção da mesma6, cumprindo o estipulado na legislação: "... A distancia da creche á fabrica não será superior a 300 metros" (Capítulo V, Art. 21.° dos Decretos antes mencionados). Como se pode verificar na fotografia que se plasma de seguida, a Créche situa-se paredes-meias com a fábrica, observando-se que a primeira é contígua ao lado esquerdo da fábrica, no sentido sul-norte, de que se vislumbram uma das paredes laterais e uma das suas chaminés.
Segundo Silva, esta creche, a que a família Robinson ficou ligada por via da sua vocação assistencial à família e à infância caracterizava-se, à semelhança do contexto internacional e nacional, por ser de iniciativa privada "enquanto prática filantrópica das elites locais, ser motivada por princípios higienistas, sendo o seu instituidor um médico, e estar associada à maior unidade industrial do distrito (simultaneamente uma das maiores do país), a Fábrica Robinson" (2018, p. 59).
Assim, e de acordo com a mesma autora (Silva, 2018), a família Robinson promoveu e patrocinou a Créche, motivada "pela reflexão sobre a necessidade de prestação de cuidados aos filhos das operárias das fábricas da família, inserida numa discussão mais alargada, que no início do século XIX se dinamizou em Portalegre, sobre a questão da beneficência pública" (p. 60). Na ótica da autora, refletia-se a tendência europeia ao nível da discussão sobre a assistência social e do papel do setor público e privado nessa matéria, bem como se refletia o desenvolvimento do associativismo na segunda metade do século XIX. Como também diz Leite (2011), a Créche resultou de um longo debate (a partir de 1903) sobre a premência da prestação de cuidados aos filhos das operárias, de modo particular dependentes da família Robinson. Segundo a mesma autora havia uma grande preocupação sobre o bem-estar social, levando a família Robinson a abrir as portas de sua casa para discutir tal tema, objetivando criar um projeto para combate à mendicidade e à miséria.
Numa análise detalhada aos Estatutos da Associação Protectora da Créche7, assim designada em honra do seu benemérito, o médico João Baptista Rollo, que legara em testamento oito contos de réis para o rendimento da mesma, independentemente de outras fontes de rendimento que pudessem existir, percebe-se o seu cariz de beneficência, e que esta foi destinada a "alimentar e guardar durante o dia as crianças, cujas mães, por necessidade de trabalhar fora de suas casas, não podem vigiá-las" (artigo 2.° dos Estatutos, 1904). Tal desígnio responde às preocupações que na época subsistiam na ótica do assistencialismo e da salvaguarda da criança em termos da sua alimentação e segurança, associada à pretensão da diminuição da mortalidade infantil e, simultaneamente, por interesses associados à entrada da mulher no mundo laboral, sendo que, segundo o Capítulo V, Art. 22.° da legislação vinda a mencionar, a mulher não podia ser admitida no local de trabalho antes de findadas as primeiras quatro semanas depois do parto.
No mesmo artigo estatutário ainda se referia que a creche não poderia, em qualquer circunstância, receber mais crianças do que as permitidas pela capacidade dos seus dormitórios ou das suas salas de recreio, cumprindo-se uma proporção de 8 metros cúbicos por cada criança, estabelecida na então legislação, bem como se determinavam muitas das condições instituídas na legislação vigente (Decreto de 10 de fevereiro de 1890 e Decreto de 14 de abril de 1891).
Estatutariamente como é mencionado no artigo 4.° determinava-se que os sócios seriam indivíduos de ambos os sexos, sendo as mulheres ou os menores obrigados a autorização dos maridos, dos pais ou tutores, não podendo também assistir às reuniões da assembleia geral e aí fazer propostas ou envolver-se na discussão dos assuntos, nem votar a eleição dos corpos gerentes ou deliberações da assembleia geral. No entanto, independentemente do sexo, todos os sócios beneméritos tinham direito "a dispor permanentemente, nos termos dos regulamentos da creche, d'um berço, em cuja cabeceira será inscripto o nome do benemérito que d'elle dispõe" (artigo 8.°). Os Estatutos cumpriam e acentuavam , assim, a política da época, no que se refere ao papel da mulher na sociedade, devendo esse papel ser revertido para o lar e para a educação dos filhos, apesar de mesma ser permitida a entrada no mundo do trabalho, como aliás é notado no discurso inaugural da Créche, a que mais adiante aludimos de forma particular.
Eram ainda mencionadas as condições essenciais para admissão das crianças na creche (artigo 10.°) e as obrigações das mães (artigo 11.°), que vale destacar. Sobre a admissão das crianças, estas não deveriam ter menos de dois meses nem mais de três anos de idade; não deveriam sofrer de doenças contagiosas nem de outras doenças incompatíveis com a vida em comum, nem reclamar outro tipo de cuidados. Sobre as obrigações das mães, estas eram obrigadas a deslocar-se à Créche duas vezes por dia para amamentar os filhos e levá-los para casa depois de terminada a jornada laboral diária; a pagarem, sempre que a direção entendesse indispensável, uma quota semanal por cada dia que beneficiassem da Créche, sendo que esta não deveria ultrapassar os vinte réis; a informar a direção sobre doença ou óbito do filho ou que renunciavam aos benefícios da instituição; e a informar sobre qualquer doença que se tivesse manifestado em qualquer pessoa residente no seu lar.
Comprova-se, nestes artigos estatutários, a preocupação com a saúde e higiene da criança e da família, o que evidenciava o cumprimento da legislação que temos tomado como referência e a preocupação política e social centrada na necessidade de promover a saúde através de uma visão higienista que marcava a época. igualmente se comprova a visão da mulher associada ao lar e aos seus deveres familiares.
Ainda no artigo 29.° é referido que a direção da Associação Protectora da Créche, deveria nomear uma comissão composta no máximo por doze senhoras para desempenharem funções de inspectoras da Créche8, a quem incumbia visitar a Créche, zelar pelo bem-estar das crianças, participar à direção qualquer irregularidade ou deficiência dos serviços e propor providências para melhorar os serviços e os benefícios dos mesmos. Tal prenuncio afirma o papel da mulher ligada à educação, higiene e saúde da criança, que os Estatutos da Créche lhe conferem, independentemente de, como os Estatutos nos mostram, os sócios fundadores ou os órgãos estatutários serem apenas compostos por homens.
À direção competia, entre outros, nomear empregados e demiti-los ou suspendê-los e "resolver sobre a admissão das crianças, sendo fundamento de preferência a maior indigencia dos pães, acerca da qual deverão, entre outras, esclarecer a direcção, o parocho, o regedor e os directores das fabricas" (artigo 29.°, n.° 4).
Rodrigues de Gusmão9 proferiu, em 6 de abril de 1905, dia da inauguração10 da Créche João Baptista Rollo, um discurso editado pela TYPOGRAPHIA Minerva Central (1905) que se constitui, tal como os Estatutos da Associação Protectora da Créche (1904) editados pela mesma tipografia e que antes esmiuçamos, um dos documentos principais que enquadram os ideais da creche criada junto à fábrica dos Robinson.
Segundo a nossa consulta ao jornal Folha do Districto de Portalegre, edição de 9 de abril de 1905, na inauguração estiveram presentes distintos elementos da família Robinson, nomeadamente a esposa do Sr. George Robinson que, de braço dado com o Governador Civil da Cidade, abriu a porta principal do edifício da Créche, que depois foi visitado por muitos presentes.
Rodrigues de Gusmão (1905), iniciou o seu discurso com um destaque ao lugar da mulher na sociedade, referindo o seu papel "no governo da casa, a presidência do lar, a vida affectiva, por excellencia" (p. 5), cabendo "ao homem a vida exterior, a vida propriamente activa" (p. 5) e, mesmo nas classes pobres, afirma a indispensabilidade da presença da mulher no ambiente doméstico, "como eixo de rotação de todo o systema de relações conjugaes, maternaes e filiaes" (p. 5).
Defendeu uma mulher não "masculinizada", mas instruída para criar e tratar dos filhos. No entanto, afirmava que "Em meio da crise espiritual que atravessamos os males sociaes reflectem-se já na vida domestica, havendo o moderno regímen do industrialismo deslocado a mulher por muitas horas do seu posto de honra, a presidencia do lar" (p. 6), tornando a mão de obra mais barata, mas ajudando a atenuar a miséria em que algumas famílias viviam e instituindo algum equilíbrio social. Só por esse último motivo, se poderia entender a saída do lar para o trabalho numa fábrica.
No âmbito do seu discurso, aludiu às necessidades da mulher nos últimos meses da gravidez, a fim do nascimento de uma criança saudável e à necessidade de que o período de amamentação fosse efetivo, o que não era compatível com as suas funções enquanto operária. É nesse decurso, das preocupações sobre a criança recém nascida e das más condições de vida que levam à morte da criança, bem como a preocupação com os filhos ilegítimos11, que Rodrigues de Gusmão aceitava a integração da mulher como operária e argumentava a criação da Créche João Baptista Rollo, decorrente da iniciativa particular, dado que a iniciativa pública ". é quasi sempre morosa, incerta, de effeitos aleatorios" (p. 11).
Referia o então Delegado de Saude do Distrito: "Teremos entre nós a santa instituição de Marbean, inspirada e suggerida por uma mãe, Madame Pastoret, - instituição creada em França em 1844 e naturalisada em Portugal em 1862, - data da primeira crèche instalada na Manchester portugueza12" (Gusmão, 1905, p. 11). Manifestava-se assim, no seu discurso, a influência francesa, que se traduzia no sentido das salas de 'asylo' e da posterior escola dedicada às primeiras idades, destinadas às crianças oriundas das classes trabalhadoras, que aí encontrariam um ambiente doméstico e maternal. O carácter assistencialista era assim marcado, tal como em França, de onde Madame Pastoret era oriunda e onde o lema de tais instituições era educar, guardar e acolher as crianças oriundas de mães que necessitavam de assistência.
Continuando a salientar a creche como um mal necessário13, com o fim de tornar melhor a vida da criança e das famílias das mulheres pobres e trabalhadores bem como das crianças filhas ilegítimas, destacou que o ideal seria "constituir uma especie de creche na casa das mães pobres, levando a cada uma berço, roupas, e, aproximadamente, o dinheiro que diariamente necessitam ganhar fóra, porquanto, - a verdade deve proclamar-se bem alto, - a mãe é, regra geral, a melhor ama para o seu filho" (p. 12).
Embora considerando a creche como um mal necessário, identificou nela uma vantagem premente, a da sua grande organização higiénica e, a propósito da creche que se inaugurava, enalteceu que os seus Estatutos foram elogiados na Revista Portuguesa de Medicina Contemporanea14, o que demonstra o sentido higienista e centrado nos cuidados de saúde a que a Créche se debate.
A par da forte higiene, destacava que na creche iriam reinar a vigilância, o carinho em vários aspetos, "ministrando-se ar puro, banhos, roupas asseiadas, repouso vigiado, alimentação sadia, adequada e a horas proprias" (p. 12), e que a mesma se constituiria numa escola prática de higiene infantil, "onde as mães no acto de virem ammamentar seus filhos, poderão aprender com o exemplo o que deve fazer-se e com o conselho do que deve evitarse, a bem da saude das creanças" (Gusmão, 1905, p. 12). Tal discurso corporizava a ideia expressa por Ferreira, Mota e Vilhena (2019), quando afirmam que tais instituições "podiam ainda permitir a governação não só das crianças mas também das suas famílias, inclusive as das classes populares que se considerava premente civilizar" (p. 5), afirmando-se a infância como um problema social.
Afirmou também as boas infraestruturas criadas de raiz e nas quais estavam cumpridos, de modo escrupuloso, os "modernos preceitos da hygiene" (Gusmão, 1905, p. 13).
Rodrigues de Gusmão terminou o seu discurso exaltando o grande benemérito da instituição, o seu colega15 João Baptista Rollo, que apesar de ausente nunca esqueceu a sua terra natal. Exaltou igualmente outro dos benfeitores, George Weelhouse Robinson, terminado o seu discurso, com destaque para a ação dos dois beneméritos, salientando que pela conjugação ".d'estes dois benemeritos, - dr. João Baptista Rollo e George W. Robinson, -conseguirá esta cidade que o berço não seja, tantas vezes como aqui tem sido, apenas um exiguo traço de união entre a vida e a morte" (Gusmão, 1905, p. 14).
Como aludimos antes, para além destas fontes, referidas particularmente à Crèche, demais espólio parece ter sido sonegado, apenas estando disponíveis informações avulso pela Folha do Districto de Portalegre, publicado então. É a partir dessa Folha, que se percebe que em março de 1907 a Créche é "objecto de vivos commentarios nos centros de cavaco d'esta cidade a situação d'esta sympathica instituição relativamente ao legado que lhe foi deixado e que parece ter-se desfeito como uma bola de sabão" (Anno 24, n.° 1:434), sendo que em abril do mesmo ano a instituição voltava a ser notícia.
Assim, a Folha do Districto de Portalegre noticiava os motivos sobre o legado deixado pelo benemérito da Créche, João Baptista Rollo, que a mesma parece não ter recebido e exalta a direção a seguir até tribunal: "A actual direcção da créche, onde há cavalheiros notados pela integridade de seu caracter e pelo zelo com que sempre se desempenham dos seus compromissos, deve tomar a iniciativa para os tribunaes". Terminava-se exaltando "Peçamna: honrem assim as tradições de capacidade administrativa d'esta cidade: e reivindiquem para as classes desprotegidas da fortuna um capital que nenhum dos vivos tem direito de guardar em prejuíso d'ellas" (Anno 24, n.° 1:445 de 24 de abril).
Logo de seguida, em 28 de abril de 1907 o mesmo jornal, sem qualquer outra referência, dava a noticia da eleição de novos corpos gerentes da Créche (Anno 24, n.° 1:446) e em 1908 e 1909, as notícias da instituição apenas se referiam ao Convite que a sua Associação Protectora fazia, para que os sócios se associassem à missa fúnebre, na data em que se celebrava a morte do benemérito.
Volta-se a encontrar, em 3 de abril de 1910, notícia que dava conta de reunião a realizar de acordo com os Estatutos, a fim de comemorar a data de falecimento do seu benemérito e a eleger os corpos gerentes responsáveis pelo futuro ano económico; o que não veio a acontecer, pois no dia 13 de abril de 1910, veio de novo a Associação convocar os seus sócios para o mesmo efeito, em data de 18 de abril. Em 1913, a Folha do Districto de Portalegre (Anno 30.°, n.° 2:075), informava sobre a eleição dos corpos gerentes da Créche João Baptista Rollo, sendo George W. Robinson eleito seu presidente. Foi esta a última referência encontrada na folha noticiosa. Os sócios pareciam não corresponder à chamada de eleição, verificandose ser de novo, um dos seus beneméritos a responsabilizar-se pela gestão da Créche.
Depreende-se, a partir das fontes documentais a que tivemos acesso, sobre o pendor assistencialista da Créche João Bapatista Rollo, tal como era generalizado a todas as instituições dedicadas às crianças até aos três anos de idade, sobretudo oriundas das classes desprotegidas e cujas progenitoras se entregavam no labor fora do lar. Tal é confirmado por autores que têm, em Portugal, sufragado a História da Educação de infância, sempre com maior pormenorização para a educação pré-escolar e apenas pequenos resquícios sobre a educação das crianças até aos três anos de idade. Essa história menos pormenorizada deixa, no entanto, claro a evidência do 'tomar conta', do acolher, do higienizar associado aos cuidados de saúde e do alimentar, em detrimento de uma qualquer função educativa. Como afirmam Cró e Pinho (2012), o atraso relativo à educação das crianças com menos de três anos, deriva sobretudo do atraso relativo à consideração da sua importância, em termos dos cuidados básicos que pode oferecer às crianças.
As fontes consideradas, no quadro da matriz socio-histórica da época, tornam evidente a importância da 'guarda das crianças' para libertar a mão de obra feminina em favor do desenvolvimento da indústria corticeira na cidade de Portalegre e em Portugal. Ainda hoje, e apesar de muito se ter evoluído em termos de investigação, em Portugal, a creche continua a ser entendida por muitos e em termos legais como resposta socioeducativa, menosprezando o carácter educativo por supremacia do carácter social, que se destina a receber crianças até aos três anos de idade durante o período de trabalho diário dos pais (Marchão, 2012).
Considerações finais
A História da Educação de infância vinda a traçar pelos investigadores, em Portugal, tem privilegiado a faixa etária das crianças entre os três anos e a entrada na escolaridade obrigatória, deixando por analisar e interpretar mais aprofundadamente a educação e as instituições dedicadas às crianças até aos três anos de idade. Entre essas instituições identificam-se as creches que estão muito associadas à industrialização que marcou o Portugal da segunda metade do século XIX e dos inícios do século XX. É o caso da Créche João Baptista Rollo, criada junto da fábrica dos Robinson na cidade de Portalegre, Portugal.
Enquadrada na legislação específica dos finais do século XIX, a Créche nasce do interesse de um grupo de cidadãos, onde se inclui um dos principais industriais da cidade e de um portalegrense médico que foi seu benemérito. Assim, e no decurso da análise e interpretação de algumas fontes documentais, desenvolvida em associação com a matriz socio-histórica traçada para a época, esta instituição tinha dois objetivos principais: por um lado disponibilizava um serviço ao operariado feminino, assumindo um compromisso legal, mas também a vocação dos Robinson e do médico João Bapatista Rollo para práticas filantrópicas, associadas à religião e ao assistencialismo; e por outro lado, dada a escassez de mão de obra, libertava as mulheres/mães para o trabalho na fábrica, na perspetiva industrializadora que se fazia sentir em Portalegre.
Os Estatutos da Associação Protectora da Créche e o discurso de inauguração da mesma revelam o papel da mulher das classes pobres na sociedade laboral de então, mas deixam também perceber a menorização do seu papel em termos sociais e apenas no destaque para o lar e para a educação das crianças. Revelam igualmente o pendor de guarda, assistencialista e algo higienista como principais características e funções da instituição, que teve uma vida problemática por questões económicas, advindas da gestão do legado do seu benemérito, e às quais a Créche pareceu estar alheia.
A falta de outras fontes, que parecem sonegadas pelo tempo, limita a análise e a interpretação sobre a importância da instituição na vida dos portalegrenses, sobretudo das crianças e das mães que dela desfrutavam, mas deixam perceber o interesse da sociedade da mesma cidade, sobretudo de um dos seus grandes industriais, do benemérito da Créche e do seu governador civil, também médico, para a sua criação e funcionamentoinsistindo na salvaguarda da criança durante o tempo em que as mães se entregavam às tarefas laborais na indústria da época. Este parece mesmo ter sido o principal objetivo da instituição.
Citas
Arquivos históricos. Fontes primárias:
Estatutos da Associação Protectora da créche João Baptista Rollo. (1904). Portalegre: TYPOGRAPHIA Minerva Central
Gusmão, R. (1905). A CRÉCHE. Palavras proferidas na inauguração da “Créche João Baptista Rollo” em Portalegre no dia 6 d’abril de 1905. Portalegre: TYPOGRAPHIA Minerva Central.
Instituto Nacional de Estatística (INE). (1900). IV Recenseamento Geral da População.https://censos.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=censos_historia_pt_1900
Imprensa
A Folha do Districto de Portalegre
Anno 24, n.º 1:434 de março de 1907
Anno 24, n.º 1:445 de 24 de abril de 1907
Anno 24, n.º 1:446 de 28 de abril de 1907
Anno 30.º, n.º 2:075 de 13 de abril de 1910
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