Cuotas y graduación en sistemas de información: diagnóstico de una graduación concebida e implementada en tiempos de acción afirmativa

Autores/as

DOI:

https://doi.org/10.17227/ted.num53-16339

Palabras clave:

acciones afirmativas , universidad pública , graduación tecnológica , sistemas información , Ley de Cuotas

Resumen

La Ley 12.711, conocida como Ley de Cuotas, que establece la reserva de plazas en la Educación Superior Pública en Brasil, cumplirá una década en 2022, y ahora está sujeta a revisión. La posibilidad de alterar uno de los más notables mecanismos de democratización de la educación superior indica la urgencia de comprender los resultados obtenidos en sus diez años de existencia. Desde una perspectiva histórica, este artículo relata la coyuntura de la implementación de la ley, tomando como referencia la formación profesional en tecnologías y ciencias exactas, campo del saber donde el debate social no se presenta como contenido ni suele estar presente en la cotidianidad, pues hay un gran malentendido sobre la necesidad de la ley y su eficacia restauradora. A pesar del corto período de vigencia de la ley, el análisis preliminar del desempeño de los estudiantes de la Licenciatura en Sistemas de Información apunta a resultados que hasta el momento corroboran los efectos de la ley como transformadora de la condición estructural de la sociedad al democratizar el acceso y garantizar la permanencia.

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Recibido: 11 de febrero de 2022; Aceptado: 9 de junio de 2022

Resumo

A Lei 12.711, conhecida por Lei de Cotas que estabelece a reserva de vagas no Ensino Superior Público no Brasil completará uma década em 2022, estando agora sujeita à revisão. A possibilidade de alteração em um dos mais notáveis mecanismos de democratização do ensino superior indica a urgência na compreensão dos resultados obtidos em seus dez anos de vigência. Partindo de uma perspectiva histórica, este artigo relata a conjuntura de efetivação da lei tomando como referencial o ensino profissional em tecnologias e ciências exatas, um campo de saber onde o debate social não se apresenta como conteúdo e nem tampouco costuma estar presente nas discussões cotidianas. Observa-se a grande incompreensão a respeito da necessidade da lei e de sua eficácia reparadora. Apesar do curto período de vigência da lei, a análise preliminar do desempenho discente no Bacharelado em Sistemas de Informação aponta resultados que até o momento corroboram os efeitos da lei como transformadora da condição estrutural da sociedade pela democratização do acesso e garantia da permanência.

Palavras-chave:

ações afirmativas, universidade pública, graduação tecnológica, sistemas de informação, lei de cotas.

Abstract

Law 12711, known as the Quota Law, which establishes the reservation of places in Public Higher Education in Brazil will complete a decade in 2022 and is now subject to revision. The possibility of altering one of the most notable mechanisms of democratization of higher education indicates the urgency of understanding the results obtained in its ten years of existence. From a historical perspective, this article reports the conjuncture of law implementation, taking as a reference the professional education in technologies and exact sciences, a field of knowledge where the social debate is not presented as content. There is a great misunderstanding about the need for the law and its restorative effectiveness. Despite the short period of validity of the law, the preliminary analysis of student performance in the Bachelor of Information Systems points to results that so far corroborate the effects of the law as transforming the structural condition of society by democratizing access and guaranteeing permanence.

Keywords:

affirmative actions, public university, technological graduation, information systems, Quota Law.

Resumen

La Ley 12.711, conocida como Ley de Cuotas, que establece la reserva de plazas en la Educación Superior Pública en Brasil, cumplirá una década en 2022, y ahora está sujeta a revisión. La posibilidad de alterar uno de los más notables mecanismos de democratización de la educación superior indica la urgencia de comprender los resultados obtenidos en sus diez años de existencia. Desde una perspectiva histórica, este artículo relata la coyuntura de la implementación de la ley, tomando como referencia la formación profesional en tecnologías y ciencias exactas, campo del saber donde el debate social no se presenta como contenido ni suele estar presente en la cotidianidad, pues hay un gran malentendido sobre la necesidad de la ley y su eficacia restauradora. A pesar del corto período de vigencia de la ley, el análisis preliminar del desempeño de los estudiantes de la Licenciatura en Sistemas de Información apunta a resultados que hasta el momento corroboran los efectos de la ley como transformadora de la condición estructural de la sociedad al democratizar el acceso y garantizar la permanencia.

Palabras clave:

acciones afirmativas, universidad pública, graduación tecnológica, sistemas información, Ley de Cuotas.

Introdução

No Brasil, o século XXI se iniciou no meio de um grande debate sobre o papel da universidade como transformadora da condição estrutural da sociedade a partir do reconhecimento das injustiças históricas e da proposição de políticas reparadoras. O ano de 2003 marcou o início do programa de expansão da Rede Federal de Educação Superior, em que o Governo Federal inaugurou a proposta de interiorização dos campi das Universidades Federais que iria, mais tarde, desembocar no REUNI, o Programa de Reestruturação das Universidades para democratizar o acesso e garantir a permanência (Expansão, 2010). A década seguinte, em 2013 marcou o início do cumprimento da Lei 12.711 (Brasil, 2012), que garantiu aos estudantes de escolas públicas um 50% das vagas por curso e turno nas Instituições Federais de Ensino Superior, a Lei de Cotas.

Estamos hoje à beira de alcançar os 20 anos da concepção e implementação das políticas afirmativas, e completaremos em agosto de 2022 os 10 anos da Lei de Cotas. Em princípio, passados 10 anos após a sanção, a Lei sofreria uma revisão. Mas o Projeto de Lei 1788/21, propôs o adiamento para 2042, e a Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência pediu antecipação desta data para 2027 (Brasil, 2021). De uma forma ou de outra, o presente momento é de retrocesso e desmonte, sendo as Instituições Públicas alvos privilegiados de cortes de financiamento e interrupção de políticas de democratização do acesso e permanência por parte do governo federal. Por este motivo, se faz necessário trazer à vista os efeitos de duas décadas de investimentos na construção da Universidade Democrática.

A política de reserva de vagas deve ser compreendida em conjunto com a política de expansão. Em 2003, havia uma oferta de cerca de 100 mil vagas nas universidades federais. Por volta de 2016, quando a Lei 12.711 alcançou o pleno funcionamento, a oferta já era cerca de 230 mil vagas (Ministério da Educação e Cultura, 2018). Isto indica um aumento de vagas em 15% para não cotistas e a ocupação de outras 115 mil novas vagas com a política de cotas.

O debate se torna urgente em cursos das ciências exatas. Visto que questões sociais não fazem parte dos conteúdos a serem abordados nestas formações acadêmicas, grande parte da comunidade acadêmica que transita nessa área desconhece as dimensões das políticas afirmativas. Isso inclui o aluno que ingressa por meio dessas mesmas políticas, bem como o professor que recebe esse aluno em sala de aula. Por exemplo, em 2016, Silva (2016) já chamava atenção para a importância do acolhimento por parte do professor e do sentimento de pertencimento do aluno cotista. Seu argumento tomou como base a violência estrutural e microagressões no cotidiano de estudantes beneficiários de ações afirmativas.

Partindo deste cenário de incompreensão, trazemos neste artigo um diagnóstico de um curso de graduação que foi concebido e posto a funcionar no âmbito de políticas afirmativas de democratização do acesso e permanência. Os dados indicam que o aluno cotista segue com desempenho semelhante ou um pouco superior aos alunos da ampla concorrência. Embora a faixa de tempo de vigência das cotas ainda seja demasiadamente curta para um estudo aprofundado, esse resultado é importante para rebater o argumento de que as cotas ocasionam uma baixa de qualidade no ensino universitário e fortalecer a ideia de que as políticas afirmativas são eficazes na correção de injustiças sociais. Também, apontamos a necessidade de alinhar o debate sobre a conjuntura social e política aos componentes curriculares, de modo que os estudantes possam compreender o momento histórico e o papel das políticas afirmativas que ampararam a sua formação acadêmica. Como foi dito, esta segunda questão torna-se relevante e difícil quando se trata de um curso de formação na área das exatas, como é o caso das graduações em tecnologias, onde temas considerados sociais e humanísticos costumam ser periféricos ou ausentes.

Antecedentes

Recorreremos aqui a dois momentos históricos para argumentar que as cotas são eficazes agentes de configuração social. No primeiro exemplo veremos a efetividade das cotas como mecanismo mantenedor de uma estrutura concentrada de posse em mãos de uma elite rural. No segundo exemplo, veremos a efetividade das cotas como mecanismo de transformação estrutural da sociedade pela redução de desigualdades e reparação social. Analisando estes usos das cotas em direções opostas, podemos verificar que atingem as metas de configuração social para as quais são programadas. Verificamos também que os argumentos que hoje são utilizados pelas classes dominantes em oposição às cotas contradizem uma prática que já foi empregada por elas como garantia de seus privilégios.

Século XX, cotas para assegurar privilégios

Ainda no final dos anos 60, em plena ditadura do presidente Costa e Silva, a chamada Lei do Boi (Brasil, 1968) consistia na garantia de vagas em cursos universitários das áreas agrícola e veterinária para proprietários agrícolas ou seus filhos. A lei claramente privilegiava os ricos e perpetuava a condição dos pobres, já que os trabalhadores agrícolas, ou seus filhos, não poderiam se afastar do campo para estudar.

Após 1946, as elites agrárias enxergaram o incentivo à industrialização como um suposto abandono da agropecuária pelo Estado, e o lema “Modernizar para conservar” passou a ser uma das bandeiras da classe dominante agrária, principalmente diante das discussões sobre a desapropriação por interesse social (Magalhães, 2017). A constituição brasileira de 1946 teve um papel importante no sentido de assegurar privilégios, porque ao mesmo tempo em que afirmou possibilidade de “desapropriação por interesse social” (parágrafo 1 do artigo 147), compensatoriamente, fortaleceu, no parágrafo 16 do artigo 141, o direito à propriedade (Brasil, 1946).

A elite agrária localizava o problema do êxodo para o setor industrial na falta de apoio técnico e financeiro, e defendia a implementação de uma chamada “reforma agrária” que deveria ser feita pela mecanização, incentivos fiscais e qualificação da força de trabalho, de onde surgiram projetos de educação formal e informal (Magalhães, 2017, p. 435 ). Foi este, o cenário que levou em 1968, à proposição da “Lei do Boi”, com vistas a intensificar a produtividade agrária. A implementação da lei foi assegurada pelos órgãos ligados ao processo de modernização da agricultura que também criaram estratégias para a comprovação da condição de beneficiário. A elite agrária se manteve no controle do processo de capacitação da mão de obra rural. Nas décadas seguintes, qualquer alteração na estrutura agrária de posses seria evitada no curso de uma ditadura militar fortemente apoiada pela classe rural dominante que temia as pressões populares pelo direito de acesso à terra.

A Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) mostra um exemplo ilustrativo deste processo. Magalhães (2017, p. 455-461) esclarece, que embora a lei assegurasse o direito à vaga não apenas para aqueles que fossem proprietários, mas também aos que fizessem o uso da terra para seu sustento, no caso da UFRRJ, apenas 4% das documentações foram representadas por contratos de arrendamento rural, trabalho, locação ou parceria agrícola (Magalhães, 2017, p. 456). No período em que a “Lei do Boi” foi mais utilizada como forma de acesso ao curso de Agronomia na UFRRJ, sobressaiu a relação entre beneficiários e latifúndios e/ou empresas rurais. Entre os anos de 1977 e 1985, os beneficiados pela “Lei do Boi” majoritariamente comprovaram posse ou propriedade. Desse universo, a maior parte foi de alunos que mantinham alguma relação com latifundiários ou empresários rurais.

A “Lei do Boi” foi revogada pela Lei nº 7.423 (Brasil, 1985), em meio a evidentes argumentações de que favorecia à elite rural. A partir deste histórico, podemos ver que muito diferente das proposições atuais, o sistema de cotas se iniciou no Brasil como mecanismo de favorecimento às classes dominantes tendo o efeito de garantir privilégios e fortalecer as hierarquias de poder. E foi bem-sucedido como mecanismo para assegurar o ingresso a uma determinada camada da sociedade.

O sistema de cotas retornou ao cenário nacional nos anos 90. Esta vez o debate veio no contexto da concepção de políticas afirmativas. As cotas foram reconcebidas como mecanismo reparatório da desigualdade, visando eliminar as grandes distorções que perpetuam sucessivas gerações nos mais baixos níveis de instrução e qualidade de vida.

Século XXI, cotas para corrigir injustiças sociais

Em novembro de 2001, a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) assumiu um papel pioneiro: foi a primeira universidade pública do Brasil a implementar o sistema de cotas para negros e pardos. Isto foi possível em decorrência da lei estadual nº 3708, que estabeleceu reserva de vagas baseada em questões raciais (Alerj, 2001). Resistindo a inúmeros ataques, esta universidade manteria o protagonismo na democratização do acesso a seus cursos de graduação através de uma política institucional no estado do Rio de Janeiro. A UERJ foi também pioneira no oferecimento de cursos de ensino superior em período noturno, beneficiando estudantes que necessitavam trabalhar durante o dia ao longo do tempo de graduação (Silva, 2020, p. 34 ). Essas medidas foram decisivas para instalar definitivamente, dentre as demais instituições públicas de ensino superior do Brasil, o debate sobre a democratização do acesso à educação superior, bem como a permanência nesse sistema.

A partir de 2003, o governo federal iniciou a concepção de políticas visando a democratização do acesso à universidade pública (Expansão, 2010). A interiorização foi o ponto de partida: entre 2004 e 2010 foram criadas 14 novas universidades e mais de 100 novos campi que possibilitaram a ampliação de vagas e a criação de novos cursos de graduação. Seguindo-se à UERJ, a Universidade de Brasília foi a primeira do âmbito federal a adotar cotas, aprovando em junho de 2003, a proposta que destinava uma cota de 20% das vagas do seu vestibular para negros (Silva, 2020, p. 37 ).

A partir de 24 de abril de 2007, a democratização do ensino tomou corpo com o REUNI “Programa de reestruturação das Universidades” (Brasil, 2007), instituído como parte das ações do Plano de Desenvolvimento da Educação (Ministério da Educação e Cultura, 2008). Dentre seus principais eixos de ação, o REUNI abraçava a ampliação da oferta na educação superior pública, o que seria alcançado pelo aumento de vagas de ingresso, especialmente no período noturno, redução das taxas de evasão e ocupação de vagas ociosas. Além disso, o REUNI fomentava políticas de inclusão; programas de assistência estudantil; e políticas de extensão universitária.

A Universidade Federal Fluminense (UFF) aderiu ao sistema de cotas raciais tardiamente. Situada no mesmo estado do Rio de Janeiro, mas atrasada em uma década com relação à UERJ, no ano de 2012, a gestão da Universidade fechava os olhos para uma história de quase quatro séculos de preconceito e segregação social das pessoas negras, e se pronunciava contrariamente às cotas raciais: “Pobre é pobre de qualquer cor” (Neto e Vanini, 2012). O argumento do então Reitor se afinava aos que se posicionavam contrariamente às cotas raciais, alegando que este mecanismo estabeleceria uma distinção legal entre brancos e negros (Lopes, Silva e Ferreira, 2021, p. 152 ). O mesmo argumento servirá de base a outras proposições de retrocessos.

Pesquisadores da própria Universidade (Silva, Cirqueira, Rios e Alves, 2020, p. 337 ) mostraram que aquele momento, em 2012, a UFF priorizou o sistema de cotas sociais com uma tímida reserva de vagas no ingresso pelo vestibular. Somente em 2013, em decorrência da Lei 12.711/12, a UFF aderiu ao sistema de cotas que seria implantado progressivamente nos quatro anos seguintes até alcançar o patamar de 50% das vagas em 2016.

Hoje, segundo o Portal do Ministério da Educação (Ministério da Educação e Cultura, 2012), a Lei 12.711/12, garante 50% das vagas por curso e turno aos cotistas e os demais 50% permanecem para ampla concorrência.

Convém lembrar que, ao longo de todo percurso de institucionalização das cotas no século XXI no Brasil, os retrocessos, ameaças e ataques foram constantes. Majoritariamente, essas investidas desconsideram as injustiças sociais instauradas no Brasil pelo regime escravocrata e, a partir desse apagamento, fazem a defesa dos mecanismos meritocráticos que se baseiam numa suposta igualdade de condições dentre cidadãos. Por exemplo, o Projeto de Lei 470/2019 propôs extinguir o sistema de cotas para o ingresso nas universidades estaduais do Rio de Janeiro. Nas justificativas consta, que as cotas raciais “corrompem as Universidades” porque “aniquilam” o mérito acadêmico e criam “pressões sem fim para discriminar as pessoas por sua ‘raça” (Alerj, 2019).

Na UFF, a resistência ao sistema de cotas raciais veio à tona recentemente em função de um artigo “distraidamente” postado nas redes sociais por um pró-reitor, onde ele afirmou que “a cota racial é racismo. Cota deve ser social, contemplando o estudante pobre que é esforçado e disciplinado, de qualquer tom de pele” (ADUFF-Ssind, 2021). Esta manifestação teve como resposta um amplo protesto do sindicato e da comunidade acadêmica através de manifestos e abaixo-assinados.

Embora o sistema de cotas já tenha se mostrado eficaz em provocar uma ruptura na estrutura social brasileira, pesquisadores estimam em 27 anos o tempo necessário para acabar com o desequilíbrio entre brancos e negros no ensino superior em todas as regiões do país ( França, Firpo e Portella, 2021). Por este motivo, e considerando as constantes ameaças de retrocessos, convém atentar para que a revisão da Lei 12.711/12 de fato se configure em um aprimoramento dessa política dando continuidade à consolidação de um perfil demográfico mais democrático para as universidades públicas brasileiras.

Apresentamos aqui o diagnóstico do perfil de alunos matriculados no Bacharelado em Sistemas de Informação da UFF entre 2013 e 2021. Esta graduação foi criada em 2011, em meio a uma grande discussão sobre implementação de políticas afirmativas. Completou em 2021 dez anos de existência, e este percurso não se deu em separado da instalação da política de cotas na UFF, que completará dez anos em agosto de 2022.

Marco Teórico-Conceitual

Segundo Moehlecke (2002) , o termo “ações afirmativas” surgiu nos EUA, nos anos 60, em um momento de reivindicações democráticas. Mais tarde, assumiu conotações diversas, como por exemplo, ações voluntárias, de caráter obrigatório ou estratégia mista; programas governamentais ou privados; leis e orientações a partir de decisões jurídicas ou agências de fomento e regulação. No Brasil pós ditadura, alguns movimentos sociais começaram a exigir uma postura mais ativa do poder público diante das questões como raça, gênero, etnia, e a adoção de medidas específicas para sua solução. Essas seriam as chamadas ações afirmativas.

Para investigar o percurso de uma graduação em tempos de ações afirmativas, consideramos a apropriação do termo no âmbito nacional (que determina políticas e leis), no âmbito local (que ampara estratégias da própria universidade), e no contexto da própria graduação (onde tais estratégias são imediatamente configuradas). Para isso, tomamos como referência a abordagem de Certeau (2011) , para quem a escrita da história articula um lugar social à construção do discurso narrativo, colocando em questão as condições de produção e problematizações. Isto nos permite efetivar uma análise historicamente situada da conjuntura do bacharelado e da implementação nacional das cotas, afastando os pressupostos de neutralidade, isenção e universalidade.

No âmbito da UFF, o termo “ações afirmativas” é utilizado para designar medidas preventivas e/ou reparadoras no sentido de favorecer grupos de indivíduos que são historicamente discriminados. As ações afirmativas provocam mudanças estruturais, eliminam desigualdades e segregações, impedem a manutenção de grupos elitizados e a exclusão de grupos marginalizados (UFF, n.d.). No Bacharelado em Sistemas de Informação, observa-se que, “na virada no milênio, o número de negros e pardos nas universidades públicas brasileiras refletia uma desproporcionalidade quantitativa em relação ao observado na sociedade brasileira” (Santos, 2020, p. 34 ).

Essa desproporção fomentou o debate sobre ações afirmativas que passaram a figurar como uma possibilidade de implementação de medidas efetivas de redução da desigualdade racial.

Metodologia

Aliada à pesquisa histórica, adotamos como estratégia metodológica a análise quantitativa de dados. A coleta de dados, em observação direta participante, se iniciou no momento da proposição do bacharelado pelos autores em 2008, se alongou pelas diversas gestões de implementação do bacharelado (das quais os autores fizeram parte), e ainda está em curso. Nesse processo foram registradas observações, monitoramentos e outros dados de conjuntura, além da coleta específica de dados em disciplinas. A Lei de Cotas alcançou o seu amplo funcionamento em 2016. Tendo em vista que o bacharelado prevê no mínimo quatro anos de formação, não há uma janela de tempo suficiente para uma análise mais precisa. Porém, considerando a conjuntura política do Brasil e a iminência da revisão da lei, julgamos importante apresentarmos análises preliminares.

Resultados e análises

Nosso foco é mostrar, através de um exemplo, que o debate sobre desigualdades estruturais e a urgência na correção de injustiças sociais permitiram a proposição de novos cursos de graduação altamente comprometidos com a conjuntura social, e como isto se configurou em ciências exatas, com o foco em Tecnologias.

Em dezembro de 2007, a UFF aprovou a adesão ao REUNI desencadeando a proposição de novos cursos. Em setembro de 2008, o Instituto de Computação iniciou a discussão para implementação de um curso focado na “computação como meio” e no horário noturno, o Bacharelado em Sistemas de Informação. Até aquele momento, o instituto oferecia graduação e pós-graduação com o foco “computação como fim” e horário matinal-vespertino, ou seja, o enfoque diferenciado do novo curso, viria a complementar as atividades do Instituto de Computação (Costa, 2019).

Tecné, episteme, didaxis

A separação da computação em duas metades distintas, “computação como fim” e “computação como meio”, que ainda hoje serve de base à organização dos currículos em computação no Brasil, está fortemente assentada numa concepção dicotômica que situa de um lado as questões das técnicas, ou das ciências exatas, e de outro lado as questões humanas ou da sociedade. No entanto, essa separação se desmantela diante da percepção de que qualquer técnica ou tecnologia só é possível de ser concebida no âmbito de alguma demanda humana ou social. Supor que o computador possui um fim em si próprio, significa fechar os olhos para as questões relacionadas ao seu uso e sua própria função social. Decorre daí uma grave inabilidade de compreensão das imbricações entre tecnologias e sociedade, e dos desequilíbrios sociais e humanos que se instalam no momento em que os sistemas de informação, supostamente neutros e isentos, são postos em operação. A abordagem “computação como fim”, que por muito tempo se prestou para posicionar a computação no seio das ciências exatas, é, por sua própria concepção, limitada. Por outro lado, a abordagem “computação como meio” reserva às tecnologias um papel meramente ferramental. Com isso, invisibiliza-se a rede de relacionamentos que se institui com ela, dando margem à afirmação de uma suposta neutralidade da tecnologia. Este debate ainda se encontra restrito no Brasil, embora internacionalmente já alcance os grandes veículos científicos (Connolly, 2020).

Historicamente, o campo da Ciência da Computação se estabeleceu como ciências exatas em parte por causa das aplicações matemáticas relacionadas aos cálculos de balística ao qual o computador se destinava (Neumann, 1945); mas também, porque a concepção do computador surgiu dentre matemáticos com o objetivo de solucionar um problema filosófico-matemático (Turing, 1936). No entanto, os debates fundadores do campo acadêmico da computação mostram que parte da comunidade defendia o estabelecimento de uma ciência interdisciplinar, dialogando com a Administração e a Ciência da Informação. Usava-se, por exemplo, o termo “management information” (Naur e Ran-dall, 1968). Mas, na disputa de forças, certas qualidades atribuídas à matemática, como exatidão, rigor e objetividade, sobressaíram-se como garantia do caráter “científico”. Os conceitos que não eram matematizados, como por exemplo, “informação”, “gerência”, e mesmo questões supostamente relacionadas “ao fazer” mais do que “ao pensar”, passaram a ser considerados do âmbito das humanidades, portanto, ficando fora do escopo do que se entendia ser “ciência” e do que se entendia ser “exatas” (Cafezeiro, Costa, Kubrusly e Marques, 2018).

No Brasil, os termos “computação como fim” e “computação como meio” surgiram a partir de uma separação de atividades da computação na década de 1970, posicionando de um lado as atividades relacionadas às máquinas e de outro as relacionadas à gerência. As primeiras assumiram uma identidade estritamente “técnica e científica”, onde computadores e sistemas computacionais seriam enfocados por si só. As outras, “atividades-meio”, admitiram uma aproximação entre sistemas e sociedade, já que se efetuam no âmbito de uma empresa ou organização (Lucena, 1975). Assim, esta divisão apoiou-se na separação técnica/sociedade, ciência/trabalho, pensar/fazer, intelecto/corpo onde a segunda parte sempre se mostrava desprestigiada com relação à primeira.

Na década de 1990, a Sociedade Brasileira de Computação (SBC, 1999) abraçou essa divisão entre atividades, separando os cursos da computação em duas categorias. Os Bacharelados em Ciência da Computação ou Engenharias de Computação são exemplos de cursos que teriam a computação como “atividade-fim”. A Ciência da Computação ocupou o lugar da técnica, justificando seu posicionamento como ciências exatas. Por outro lado, o segundo grupo, que teria a computação como “atividade-meio”, organizou-se em torno da compreensão de que computadores e sistemas computacionais requerem a compreensão do ambiente onde serão postos em operação. Para isso, admitiu-se a presença de um conjunto de conhecimentos adentrando pela Sociologia, Política, Psicologia, Ciência da Informação, Meio ambiente, Direito, Administração, dentre outros. Configurou-se uma formação inerentemente interdisciplinar que recebeu o nome de Sistemas de Informação.

No perfil “atividade-meio”, já nos primeiros documentos reguladores, a graduação em Sistemas de Informação deveria ser oferecida predominantemente no horário noturno para permitir o trabalho diurno, garantindo com isso, uma maior aproximação com a sociedade através do trabalho em computação. Por esse motivo, o curso atendeu a um perfil social diferente daquele que vinha sendo o foco dos cursos de Ciência da Computação onde o horário matutino-vespertino assegurava uma participação discente bastante seletiva. No Brasil, o percurso histórico de criação do campo de Sistemas de Informação esclarece a presença majoritária de discentes provenientes de classes não privilegiadas, como veremos a seguir.

A partir do ano de 1999, as universidades públicas, tardiamente, passaram a oferecer a formação em Sistemas de Informação, mas a demanda por esta formação já era evidente desde a década de 1970, quando o governo instituiu a Comissão de Coordenação de Processamento Eletrônico (CAPRE) com a responsabilidade de formar pessoas qualificadas para atender à s necessidades de uma indústria nacional de computadores incipiente que vinha se desenvolvendo com a reserva de mercado.

Junto com representantes da Marinha e de empresas públicas de processamento de dados, alguns acadêmicos da área da computação ingressaram na equipe técnica da CAPRE e puderam intervir diretamente na configuração do ensino em computação e da regulação das atividades em informática, com vista a possibilitar a criação do corpo industrial nacional de computadores. Embora essa aliança entre acadêmicos, Marinha e empresas) tenha ocorrido em pleno regime ditatorial de Ernesto Geisel, Dantas (2013, p. 65) mostrou que as iniciativas da CAPRE buscaram uma distribuição democrática do acesso à computação no território brasileiro, promovendo ações como criação de um fundo para a aquisição de material didático, formação de instrutores em regiões fora do eixo Rio-São Paulo, inclusão da computação nos currículos escolares e remanejamento de computadores pelas universidades conforme as necessidades de cada uma. Porém, logo em seguida, o governo de João Figueiredo nos anos 1980, dando prosseguimento ao regime ditatorial, massacrou essa iniciativa. Perseguiu, investigou e silenciou os que dela participaram (Marques, 2015). Como resultado, as universidades públicas não assumiram a área de Sistemas de Informação. Prosseguiram no oferecimento da formação em Ciência da Computação, que seguia as diretrizes dos currículos estrangeiros. A maioria destes cursos, por exigirem dedicação integral dos discentes aos estudos, dificultavam o trabalho concomitante, caracterizando um perfil discente bastante elitizado.

Porém, na ausência de oferta em instituições públicas, as instituições privadas responderam à demanda urgente das emergentes empresas. A formação em Sistemas de Informação, passou a ser oferecida por faculdades privadas, em continuidade à proposta da CAPRE que aderia às necessidades de formação de mão-de-obra para sustentar o nascente corpo industrial nacional de computadores.

Projeto pedagógico: democratização do acesso e garantia da permanência

Na UFF o Bacharelado em Sistemas de Informação foi concebido a partir do ano de 2008, com vistas a alcançar as demandas sociais apontadas pelo REUNI. O horário noturno viria a constituir uma possibilidade de formação dirigida à parcela da população que não poderia deixar de trabalhar. Além disso, atenderia um grupo de pessoas que já atuava no campo da computação sem diploma universitário. O projeto pedagógico priorizou o atendimento a esse perfil discente como um fator de estreitamento do diálogo entre a academia e a profissão (Cafezeiro, Lima, Clua, Murta e Kischinhevsky, 2008). Também, outras estratégias foram consideradas, como por exemplo, a flexibilidade curricular e a utilização de metodologias semipresenciais, mediadas por computador. Nos anos seguintes, seria possível observar a ocupação de boa parte das vagas por alunos evadidos de diversos cursos, mas principalmente da Ciência da Computação. Por exemplo, o primeiro período do ano de 2015 mostra que 27% das vagas em ampla concorrência foram ocupadas por ex-alunos da Ciência da Computação da própria UFF (Costa, 2019). Ou seja, o Bacharelado em Sistemas de Informação passou a representar o mecanismo de permanência e a garantia de formação para aqueles que necessitavam trabalhar.

Diagnóstico do Bacharelado em Sistemas de Informação da UFF

Pretendemos verificar se os alunos cotistas apresentam baixo desempenho com relação aos da ampla concorrência. Para isso, consideramos a situação de permanência ou evasão no curso, entre cotistas e ampla concorrência. Consideramos o período entre 2011 e 2021, compreendendo o tempo de permanência dos autores na gestão do curso. Foram considerados os registros de aprovação e reprovação em disciplinas, além de informações sobre insuficiência de aproveitamento. Os índices de conclusão (formandos) também serão considerados, mas convém ressaltar que são necessários quatro anos para a formação, portanto, os dados ainda não são expressivos.

Analisamos os dados dos ingressantes do período 1/2013 até 1/2021 totalizando 1.026 alunos, na vigência da Lei 12.711/12. A figura 1 apresenta a distribuição dos ingressantes ao longo desse período.

Gráfico de ingressantes por ano

Figura 1: Gráfico de ingressantes por ano

Fonte: autores (2022).

No período 1/2021, quase 10% de vagas não foram preenchidas em decorrência da pandemia COVID-19. O número de cotistas em 1/2013 era baixo (21%) e foi se elevando até alcançar 50% das vagas em 2016, conforme as exigências da lei (Figura 2).

Gráfico de ingressantes cotistas e ampla concorrências por semestre

Figura 2: Gráfico de ingressantes cotistas e ampla concorrências por semestre

Fonte: autores (2022).

Tradicionalmente, a UFF cumpre com a posição de atender aos municípios vizinhos. O curso de Bacharelado em Sistemas de Informação, recebe discentes oriundos de diversos estados, sendo predominantemente (83,2%) de três municípios (Niterói, Rio de Janeiro e São Gonçalo). Os demais 16,8% provêm de outros de 57 municípios, muitos deles da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. Isto aumenta o custo de formação por causa das despesas como transporte e alimentação, o que dificulta a permanência. Assim, seja pela vocação de interiorização da universidade, seja pela alta evasão em cursos de tecnologias observadas no Rio de Janeiro (Índice, 2012), (Damasceno, Carneiro, 2018), (Saccaro, França e Jacinto, 2019), o curso de Bacharelado em Sistemas de Informação da UFF apresenta, ao longo de toda sua existência, um índice alto de evasão.

A figura 3 apresenta a taxa de alunos evadidos (abandono e cancelamento da matrícula por solicitação do aluno) a cada semestre. O eixo horizontal indica o semestre de ingresso, o eixo vertical indica o total de evadidos.

Gráfico de Abandono e Cancelamento por solicitação do aluno (evadidos de 1/2013 até 1/2019.

Figura 3: Gráfico de Abandono e Cancelamento por solicitação do aluno (evadidos de 1/2013 até 1/2019.

Fonte: autores (2022).

O ano de 2016 é um ponto de inversão das curvas possivelmente por dois motivos: 1) a ampla execução da lei aumentou a presença de alunos cotistas permitindo a cooperação entre eles; 2) a reforma curricular, que dedicou especial atenção às situações de reprovação e abandono. O processo da reforma iniciou no ano 2015, com o foco em corrigir situações de reprovação, abandono e incompatibilidades curriculares. O ano de 2016 iniciou com um novo currículo, com enxugamento dos conteúdos e melhor distribuição das disciplinas pelos períodos, principalmente aquelas do eixo de Matemática.

A partir de 2016, a taxa de evasão de alunos cotistas se manteve percentualmente menor do que a taxa de evasão da ampla concorrência, com exceção de 2/2018. Naquele período, para compensar os efeitos de uma greve, o Conselho de Ensino e Pesquisa suspendeu a reprovação por frequência (Resolução CEPEX N.º 602/2018), causando um comportamento irregular nas curvas. A partir do segundo período de 2018, a diferença da evasão entre cotistas e ampla concorrência torna-se irrelevante, quando os dois grupos passam a apresentar percentuais de evasão abaixo de 10%.

Registros relativos ao momento do abandono, permitiram verificar que, na média, o cotista cursa 2,8 períodos antes de abandonar. Por outro lado, o aluno de ampla concorrência cursa 2,3 períodos antes de abandonar.

A UFF possui regra de Insuficiência de Aproveitamento Escolar (UFF, 2015, p. 56-57), que tem como efeito de cancelamento de matrícula, sendo caracterizada por excesso de reprovação, baixo desempenho ou insuficiência de inscrição em disciplinas e/ou frequência.

Gráfico de Insuficiência de aproveitamento de 1/2013 até 2/2019.

Figura 4: Gráfico de Insuficiência de aproveitamento de 1/2013 até 2/2019.

Fonte: autores (2022).

Destaca-se que as percentagens de alunos cotistas com aproveitamento insuficiente é predominantemente mais baixa do que na ampla concorrência. Esta situação se inverte somente em quatro períodos (1/2013, 1/2016, 2/2016 e 1/2019) marcados pela ocorrência de greves. O primeiro, período de 2013, inicia-se após uma greve de quatro meses. Também, em decorrência de greve, em 2/2016 houve o cancelamento especial de disciplina e trancamento de matrícula para alunos cotistas e de ampla concorrência (Resolução CEPEX N.º 025/2016). Em outubro de 2018, inicia-se uma greve de funcionários, o que afeta os alunos pela paralisação dos serviços de assistência estudantil como transporte, alimentação e moradia. Assim, em 2/2018, ocorre a suspensão a reprovação por frequência (Resolução CEPEX N.º 602/2018).

Para calcular a taxa de evasão do curso, consideramos os valores do Abandono e Cancelamento por solicitação do aluno (Figura 3) e da Insuficiência de Aproveitamento Escolar (Figura 4). Verificamos que a taxa de evasão atual do curso é de 27,9%. No período anterior a 2016, a taxa de evasão era de 51,1%.

A figura 5 mostra a quantidade de alunos ingressantes e as respectivas quantidades de formandos. Os ingressantes após 2017 não aparecem neste gráfico porque sua formatura será após 2021 (a partir de oito períodos seguintes). O número de cotistas no início dos anos 2013 era de 20% do número de vagas disponíveis (61 vagas). Ao longo dos anos houve um crescimento até alcançar 50%.

Gráfico de Ingressantes e formados por categoria.

Figura 5: Gráfico de Ingressantes e formados por categoria.

Fonte: autores (2022).

Registros sobre as formaturas, nos permitiram verificar que o estudante cotista conclui o seu curso em 9,1 períodos em média. Já o estudante proveniente da ampla concorrência permanece em média 9,5 períodos até se formar.

Dos treze alunos que ingressaram em 1/2013 pelo sistema de cotas, quatro deles se formaram (30,7%) enquanto dos quarenta e oito alunos ingressantes por ampla concorrência, quatorze se formaram (29,2%). Porém, a partir de 2/2013 (Figura 5) ocorre uma queda brusca na média de formandos cotistas, o que difere do comportamento com relação a ampla concorrência cuja a média aumenta. A trajetória de queda da ampla concorrência se dá um ano após o início da queda dos formandos cotistas, no segundo semestre de 2014. A partir de 2014, a taxa de desemprego aumenta consideravelmente (Banco, 2021) e o nível de atividade econômica diminui (Banco, 2021a). Também, a partir de 2014, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo ultrapassa o limite máximo para a meta de inflação (Banco, 2021b). Há evidências de que a queda no percentual de formandos pode ser explicada pelo agravamento das condições macroeconômicas do país, atingindo rapidamente os cotistas que possuem condições econômicas mais vulneráveis, e pouco mais tarde, os alunos de ampla concorrência. Uma destas evidências é o aumento considerável da taxa de solicitação de estágios em situação excepcional entre 2014 para 2016, atingindo o corpo discente como um todo, conforme mostra a figura 6. O estágio em tecnologias é um mecanismo de complementação da renda familiar.

Passados os seis semestres (1/2013 a 2/2015) de adequação da UFF à Lei, o ano de 2016 marcou o início do período em que a Lei de Cotas começou a funcionar em sua amplitude. O novo currículo passou a vigorar ajustando as distorções da fase inicial de funcionamento do curso. As condições sócioeconômicas que foram imediatamente percebidas no desempenho dos alunos de baixa renda, já começavam em 2016 a afetar também o desempenho dos alunos da ampla concorrência. Por isso, o período entre 2016 e 2019 é relevante nessa análise. O ano de 2020 apresenta uma situação incomum por causa da pandemia de COVID-19.

De 2016 a 2019, observa-se que a taxa de evasão (abandono e cancelamento somados a insuficiência de aproveitamento) de alunos cotistas é levemente menor do que da ampla concorrência (Figura 3 e 4). Ainda não dispomos de dados sobre a taxa de formandos nesse período, já que as formaturas deverão ocorrer entre 2020 e 2023. A pandemia de COVID-19, a partir de 2020, pode mascarar as expectativas com relação a estes dados. No entanto, os índices de evasão parecem indicar que em termos de desempenho acadêmico, o aluno cotista apresenta uma leve vantagem sobre o aluno da ampla concorrência, o que significa na prática que não há distinção entre os dois grupos.

Conclusões

Embora o tempo de ampla implementação do mecanismo de cotas ainda seja insuficiente para uma análise definitiva, esta investigação reforça o argumento de que as cotas são um mecanismo eficaz na promoção da mobilidade social, evitando que gerações de jovens permaneçam sem acesso à formação e destinados a empregos precários ou desemprego. Ainda assim, a manutenção das cotas tem sido frequentemente ameaçada, sob a alegação de que o estudante cotista tem baixo desempenho. Mostramos neste artigo que o desempenho do aluno cotista no Bacharelado em Sistemas de Informação da UFF tem sido tão satisfatório quanto desempenho do aluno proveniente da ampla concorrência, apesar das condições desfavoráveis à sua permanência. Para o discente proveniente de classes sociais mais baixas, o custo da permanência é alto, e embora a UFF disponibilize recursos como moradia estudantil e bolsa assistencial. O preconceito racial está presente nas salas de aula, e microagressões e violência estrutural são frequentes. Além disso, as variações socioeconômicas são imediatamente refletidas no desempenho dos estudantes em situação vulnerável.

Com relação às formações em tecnologias, vemos que no Brasil, a universidade pública demorou para assimilar a ideia de que a tecnologia não se separa da sociedade. A concepção da computação como ciência exata reforçou a ênfase nos conteúdos técnicos e dificultou o debate social no âmbito dos cursos em computação. Ressaltamos a importância de alinhar o debate sobre a conjuntura social e política aos componentes curriculares, principalmente em formações das áreas exatas, onde é comum a concepção de que o que se ensina não se mistura com a conjuntura social, e muitas vezes, o aluno cotista desconhece o momento histórico e o papel das políticas afirmativas que ampararam a sua própria formação acadêmica.

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Publicado

2023-01-01

Cómo citar

Cafezeiro, I., de Jesus Braga, T., & Cruz da Costa, L. (2023). Cuotas y graduación en sistemas de información: diagnóstico de una graduación concebida e implementada en tiempos de acción afirmativa. Tecné, Episteme Y Didaxis: TED, (53), 199–218. https://doi.org/10.17227/ted.num53-16339

Número

Sección

Artículo de investigación en

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