Educación a tiempo completo en educación de la primera infancia: supuestos, directrices legales, acciones gubernamentales e institucionales
DOI:
https://doi.org/10.17227/rce.num83-11000Palabras clave:
educación preescolar, infancia , estudiantes a tiempo completo, política educativa, diseño de curriculumResumen
Bajo la ley brasileña, la educación a tiempo completo es un proceso de educación formal provisto para niños y adolescentes matriculados en educación primaria. Después de conectar el tema con la literatura (Moll y Leclerc, 2012; Mauricio, 2009; Brandão, 2008; Gadotti, 2009), desarrollamos una investigación con el objetivo de problematizar aspectos de las pautas legales y acciones gubernamentales e institucionales que operacionalizan el programa educativo a tiempo completo en educación de la primera infancia. En términos metodológicos, recurrimos al estudio de documentos que regulan este programa en el ámbito municipal y realizamos entrevistas semiestructuradas con profesores; asistentes de educación de la primera infancia; el director de la escuela; el pedagogo y el coordinador del programa; las familias de los niños que participaron en el programa y los técnicos de la Secretaría de Educación. El espacio empírico para la investigación fue un Centro Municipal de Educación Infantil (cmei), que asiste a 325 niños de 6 meses a 6 años, parte del sistema educativo municipal de Vitória-ES. Los datos indican que el programa educativo a tiempo completo puede contribuir al proceso educativo de los niños. Sin embargo, se observa la necesidad de mejoras en las prácticas pedagógicas, también con respecto a la estructura física de las instituciones educativas y la educación continua de los profesionales. Comprendemos que, como política pública específica, la educación a tiempo completo debe establecerse como un factor estimulante para debates sistemáticos capaces de redimensionar nuestras concepciones pedagógicas y políticas relacionadas con la infancia y el proceso educativo del niño pequeño.
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Recibido: 22 de diciembre de 2019; Aceptado: 15 de agosto de 2020
Resumo
Segundo a legislação brasileira, a educação em tempo integral é um processo educativo formal, ofertada para crianças e adolescentes matriculados na educação básica, nas etapas da educação infantil, ensino fundamental e ensino médio. Associando-nos à literatura (Moll e Leclerc, 2012; Mauricio, 2009; Brandão, 2008; Gadotti, 2009), desenvolvemos uma investigação que objetivou problematizar aspectos das indicações legais, das ações governamentais e institucionais que operacionalizam o programa educação em tempo integral na educação infantil no município de Vitória ES/BRA. Em termos metodológicos, recorremos ao estudo de documentos que regulamentam esse programa em âmbito municipal, e realizamos entrevistas semiestruturadas envolvendo professores; assistentes de educação infantil; a diretora escolar; a pedagoga e a coordenadora do programa; as famílias das crianças que participavam do programa e técnicos da secretaria de educação. Tomamos como espaço empírico de investigação, um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), que atende 325 crianças com idades de 6 meses a 6 anos, pertencente ao sistema municipal de ensino. Os dados indicam que o programa de educação em tempo integral pode contribuir no processo educativo das crianças, embora, observa-se a necessidade de melhorias das/nas práticas pedagógicas cotidianas adotadas com os alunos, da/na estrutura física das instituições de ensino e da/na formação continuada dos profissionais. Compreendemos que, na condição de política pública específica, o programa de educação em tempo integral precisa se constituir como dispositivo impulsionador de debates sistemáticos capazes de redimensionar nossas concepções políticas e pedagógicas relativas à infância e ao processo educativo da criança pequena.
Palavras-chave:
educação pré-escolar, infancia, alunos em tempo integral, política educacional, desenho curricular.Abstract
Under Brazilian law, full time education is a formal education process provided for children and adolescents enrolled on primary education, for the stages of early childhood education, elementary education, and high school. After connecting the issue with the literature (Moll & Leclerc, (2012); Mauricio, 2009; Brandão, 2008; Gadotti, 2009), we developed an investigation aiming at problematizing aspects of legal guidelines, and governmental and institutional actions that operationalize the fulltime education program in early childhood education. In methodological terms, we resorted to the study of documents that regulate this program in the municipal scope and conducted semi-structured interviews involving professors; early childhood education assistants; the school's principal; the pedagogue and the coordinator of the program; the families of children who participated in the program; and the education secretariat's technicians. The empirical space for investigation was an Early Childhood Education Municipal Center (Centro Municipal de Educação Infantil, CMEI), that assists 325 children aged 6 months to 6 years old, part of the municipal education system of Vitória-ES. The data indicated that the fulltime education program can contribute to the children's education process. However, it is observed the need for improvements regarding daily pedagogical practices adopted with students, also regarding the physical structure of education institutions, and professionals' continuing education. We comprehend that, considering the position as a specific public policy, the full-time education needs to be established as a stimulating factor for systematic debates able to resize our pedagogical and political conceptions related to childhood and the young child's education process.
Keywords:
preschool education, infancy, full time students, educational politics, curriculum design.Resumen
Bajo la ley brasileña, la educación a tiempo completo es un proceso de educación formal provisto para niños y adolescentes matriculados en educación primaria. Después de conectar el tema con la literatura (Moll y Leclerc, 2012; Mauricio, 2009; Brandão, 2008; Gadotti, 2009), desarrollamos una investigación con el objetivo de problematizar aspectos de las pautas legales y acciones gubernamentales e institucionales que operacionalizan el programa educativo a tiempo completo en educación de la primera infancia. En términos metodológicos, recurrimos al estudio de documentos que regulan este programa en el ámbito municipal y realizamos entrevistas semiestructuradas con profesores; asistentes de educación de la primera infancia; el director de la escuela; el pedagogo y el coordinador del programa; las familias de los niños que participaron en el programa y los técnicos de la Secretaría de Educación. El espacio empírico para la investigación fue un Centro Municipal de Educación Infantil (CMEI), que asiste a 325 niños de 6 meses a 6 años, parte del sistema educativo municipal de Vitória-ES. Los datos indican que el programa educativo a tiempo completo puede contribuir al proceso educativo de los niños. Sin embargo, se observa la necesidad de mejoras en las prácticas pedagógicas, también con respecto a la estructura física de las instituciones educativas y la educación continua de los profesionales. Comprendemos que, como política pública específica, la educación a tiempo completo debe establecerse como un factor estimulante para debates sistemáticos capaces de redimensionar nuestras concepciones pedagógicas y políticas relacionadas con la infancia y el proceso educativo del niño pequeño.
Palabras clave:
educación preescolar, infancia, estudiantes a tiempo completo, política educativa, diseño de curriculum.Introdução
Este texto apresenta resultados de uma pesquisa, desenvolvida no município de Vitória-ES/BRA que teve como temática principal a educação em tempo integral na Educação Infantil, com enfoque no programa "Educação Ampliada na modalidade Educação Integral com jornada ampliada"1. A sistematização e a discussão dos dados propiciam reflexões sobre a criança, a infância e a educação infantil em um cenário voltado para um programa de ampliação da jornada escolar, no contexto de um programa de educação em tempo integral.
Perspectivando tais reflexões, é importante considerar que a criança, em seus primeiros anos de vida, assume lugar relevante nas relações interpessoais, pois, ela se insere na sociedade não como um ser estranho, mas "como um actor social portador da novidade que é inerente à sua pertença à geração que dá continuidade e faz renascer o mundo" (Sarmento, 2004, p. 10). Assim, as crianças se constituem nas relações com as gerações mais velhas, com os adultos, entretanto, também "transformam o peso da sociedade que os adultos lhes legam, mas fazem-no com a leveza da renovação e o sentido de que tudo é de novo possível" (Sarmento, 2004, p. 10).
Numa análise histórica, comumente, a noção de criança associada à ideia de infância se revela como uma constituição da modernidade, admitindo-se que na Idade Média, elas eram consideradas, apenas, como seres biológicos, sem um estatuto social, tampouco autonomia existencial. Entretanto, o estudo desenvolvido por Kuhlmann (2007) evidencia que o sentimento de infância não era inexistente na Idade Média. Conforme o autor, livros, pinturas medievais, móveis, cartas, registros paroquiais, textos jurídicos e médicos, entre outras fontes, demonstram o desenvolvimento do sentimento de infância anterior ao século XVII (Kuhlmann, 2007). Compartilhamos das indicações desse autor, perspectivando que a interpretação sobre o desenvolvimento do sentimento de infância não pode ser feita de uma forma unilateral, realçando o preconceito em relação as classes subalternas, por um lado, e desconsiderando a participação da criança no interior das relações sociais, por outro lado (Kuhlmann, 2007).
Nesse sentido, observamos um processo histórico dinâmico, atravessado por tensões, que delineiam os discursos normativos institucionais e não-institucionais relativamente à infância e, embora não exclusivamente, o Estado Moderno manifesta preocupações com a infância. Não por acaso, a forma escolar moderna emerge como espaço institucionalizado para a educação da criança. Se por um lado, a constituição da escola pelo Estado, ocasionou, desde meados do século XVII, "a libertação das atividades do trabalho produtivo, para um sector do grupo geracional mais novo" (Sarmento, 2004, p. 12), por outro lado, a proclamação da escolarização obrigatória reservou à escola uma condição peculiar na conformação de um "estatuto social de infância" muito específico que, marcado por tensões junto a outras instituições sociais, gradativamente, passaria a ser foco de debates e de reflexões sobre os processos de educação e de formação humana. Em nossas sociedades recentes e no caso brasileiro, particularmente, essa questão atribui pertinência à discussão sobre a formação integral da criança por meio de práticas pedagógicas articuladas a uma proposta de educação em tempo integral.
Vale destacar que, originariamente, a educação integral se constituiu como uma referência à educação omnilateral2 - conceito de base marxista. Embora Marx não tenha elaborado uma teoria específica sobre a educação, em suas obras podemos encontrar importantes reflexões acerca da educação e de sua relação com o trabalho como produção humana. Em Marx, a educação omnilateral compreende a educação do homem integral, uma formação humana oposta à formação unilateral. Ainda assim, é importante salientar que a educação integral já se constituía, desde o final do século xix e início do século XX, como uma reinvindicação de movimentos de renovação pedagógica de cunho libertário.
De fato, a escola de tempo integral pública, chega ao Brasil, através de Anísio Teixeira depois de visitar as experiências e John Dewey3 nos Estados Unidos. No Brasil, nas primeiras décadas do século XX foram iniciados movimentos reivindicatórios de uma educação que pudesse superar a perspectiva tradicional de formação. Em 1932, vários intelectuais do movimento denominado "Pioneiros da Escola Nova4" elaboraram um manifesto em defesa da educação pública e nele apresentavam os princípios da educação integral. Para eles, a finalidade da educação era o desenvolvimento integral do indivíduo. Esse movimento influenciou também a elaboração da Constituição Federal de 1934 e 1946 e a elaboração da primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira5, lei 4024/61. Esse manifesto foi considerado uma iniciativa pioneira no país, introduzida pelo educador Anísio Teixeira que, fortemente influenciado pelas ideias liberais de Dewey, propunha outra forma de organização curricular, conhecida como escola nova.
No projeto, Anísio Teixeira propôs a construção de espaços denominados de "Escolas Parque", onde os alunos teriam aulas de esportes, artes e outras atividades criativas no contra turno escolar. As "Escolas Parque" ofereceriam atividades complementares às "Escolas classe", onde se trabalharia os outros conteúdos curriculares (Ferreira, 2007).
Essa organização curricular inspirou a criação dos chamados Centros Integrados de Educação Pública - Ciep's, dirigidos por Darcy Ribeiro. Atualmente, com base nas leituras e estudos sobre a educação em tempo integral, observamos que a experiência de implantação desses centros constituiu-se como uma das mais fortes expressões da educação integral no país. Posteriormente surgiram outros programas de educação em tempo integral no Brasil, como o Programa de Formação Integral da Criança (PROFIC) em São Paulo, e o Programa Nacional de Atenção Integral à Criança e ao Adolescente (PRONAICA), criado em 1990 (Ferreira, 2007).
Mesmo que muitas experiências não tenham tido continuidade, o que vem ocorrendo no Brasil é um crescimento significativo da ampliação do tempo escolar e de iniciativas voltadas à educação em tempo integral nas escolas de educação básica (Cavaliere, 2007). Como forma de incentivar essa ampliação, o governo federal criou, no ano de 2008, o "Programa Mais Educação" que consiste em uma política de educação nacional. Nessa politica está prevista a oferta de atividades socioeducativas no contra turno escolar, sendo esta uma das metas do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)6. No entanto, faz-se importante ressaltar que este programa está voltado exclusivamente para o ensino fundamental.
Na educação infantil encontramos outras formas de organização do programa de educação em tempo integral nas escolas, recorrentemente instituídas pelos municípios. Ainda assim, em algumas realidades, a precariedade das condições estruturais e a escassez de recursos prejudica oferta de atividades que, realizadas no contra turno escolar dentro dos mesmos espaços já destinados as atividades regulares da escola, carecem de substanciais melhorias.
É com o propósito de refletir sobre esses apontamentos, que neste texto tematizamos a educação em tempo integral na educação infantil. Temos como objetivo problematizar aspectos das indicações legais, das ações governamentais e institucionais que operacionalizam o programa educação em tempo integral na educação infantil no município de Vitória-ES. Em termos metodológicos, recorremos ao estudo de documentos que regulamentam esse programa em âmbito municipal, e realizamos quinze entrevistas semiestruturadas envolvendo quatro professoras regentes; seis assistentes de educação infantil; a diretora escolar; a pedagoga e a coordenadora do programa; e dois técnicos da secretaria de educação. Nas entrevistas, foram abordados temas como condições materiais, estruturais e financeiras da escola para o atendimento em tempo integral, justificativa para implementação do programa de educação em tempo integral na escola, mudanças fisicas ocorridas para possibilitar o atendimento às crianças em tempo integral, critérios de escolha dos professores para o atendimento a esses alunos, critérios de participação das crianças para o programa, fragilidades e pontos fortes do programa, objetivos da escola ao trabalhar com as crianças em tempo integral, obstáculos enfrentados na implementação do programa e como o programa pode contribuir para o processo de aprendizagem das crianças. Tomamos como espaço empírico de investigação, um Centro Municipal de Educação Infantil (CMEI), que atende 325 crianças com idades de 6 meses a 6 anos, pertencente ao sistema municipal de ensino de Vitória-ES. Destacamos que os dados foram discutidos a partir de uma analise de conteúdo (Bardin, 2011), em diálogo com a literatura que versa sobre Educação infantil, politicas educacionais e educação em tempo integral.
A educação infantil em tempo integral no município de Vitória-ES
Vitória é a capital do Espírito Santo que, juntamente com os estados de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo, compõe a região Sudeste do Brasil. O município é constituído por uma ilha principal, várias ilhas menores no seu entorno e uma parte continental situada ao norte. A capital do Espirito Santo, com 355.8757 habitantes, conforme a estimativa de população do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é o centro da região metropolitana que congrega mais seis municípios. É composta por oitenta bairros, divididos em nove regiões administrativas. Segundo o Censo do IBGE (2010) a população residente em Vitória era de 327.801 habitantes, e a população estimada para 2014 foi de 352.104. A área da unidade territorial é equivalente a 98,194 km2 e a densidade demográfica de 3.338,30 (hab/km2). Em relação à distribuição da população por sexo, as mulheres representam o maior percentual com 53,04% enquanto os homens correspondem a 46,96%. A faixa etária com maior percentual foi a de 25 a 29 anos com 10,2% do total da população.
No que diz respeito a população em idade escolar, a proporção de crianças de 5 a 6 anos na escola chegou a 97,91 %, em 2010. No mesmo ano, a proporção de crianças de 11 a 13 anos, frequentando os anos finais do ensino fundamental foi de 88,94 %. Atualmente, o sistema de ensino conta com 49 escolas que prestam atendimento à educação infantil e 53 escolas de ensino fundamental, contabilizando um total de 102 escolas.
Em relação ao quantitativo de matrículas, na educação infantil temos o total de 20.823 crianças matriculadas nos centros municipais de educação infantil, que atendem crianças com idade entre seis meses e cinco anos de idade. Das 57 escolas municipais que ofertam a educação infantil, somente três são, exclusivamente, destinadas a educação em tempo integral. o programa de educação em tempo integral é uma ação de governo voltado para os alunos da educação infantil ao ensino fundamental. o programa visa a permanência do aluno na escola, assistindo-o integralmente em suas necessidades básicas e educacionais buscando intensificar o processo ensino-aprendizagem (Vitória, 2010).
Na Educação Infantil, as crianças de seis meses a três anos de idade frequentam os Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI's) em horário parcial e/ou integral. Se a criança faz parte do programa de educação integral, ela permanece na escola por, no mínimo, sete horas diárias dentro do mesmo espaço escolar. As crianças com idade entre quatro a seis anos frequentam os núcleos Brincarte no horário de contraturno escolar. Então, se estudam na escola pela parte da manhã, frequentam o espaço do Brincarte no período da tarde, e se estudam à tarde, frequentam o núcleo Brincarte pela manhã.
Os alunos da escola onde desenvolvemos nosso estudo contavam com transporte, custeado pelo município, para chegar ao núcleo Brincarte. Essa configuração de atendimento retrata a condição atual do município, que evidencia incapacidade de ampliar sua jornada de tempo integral, ofertando atividades dentro de suas próprias unidades de ensino.
Conforme estabelece as Diretrizes para a política de educação integral (Vitória, 2011), a prefeitura faz a publicação sobre os critérios de matrícula no programa, as escolas realizam o cadastro das famílias interessadas e, em seguida, elaboram e enviam uma listagem de alunos aos Centro de Referência em Assistência Social (CRAS) do município para que se avalie a real necessidade de permanência desta criança em tempo integral.
Dados municipais8 informam que em 2016, o município prestou atendimento a 16.461 crianças de 0 a 6 anos. o número de matrículas no programa educação em tempo integral aumentou consideravelmente no curso dos últimos 10 anos, fazendo com que, em termos de política municipal, grande parte das unidades de ensino, particularmente as unidades de ensino fundamental, passassem a ofertar essa modalidade de educação.
Nesse aspecto, a administração pública de Vitória (ES) tem buscado cumprir o que o atual Plano Nacional de Educação prevê quando, na meta 6, estabelece que o município deverá "oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas, de forma a atender, pelo menos 25 % dos alunos da educação básica". Na mesma direção, a administração municipal busca cumprir o que sanciona a lei 9.0499 (Vitória, 2014) quando trata da ampliação gradativa do número de escolas com oferta de educação em tempo integral.
Reiteramos que, atualmente, o município conta com, apenas, três escolas de educação infantil que prestam exclusivamente o atendimento em tempo integral, tendo um longo caminho a percorrer para que o atendimento previsto pela meta do PNE seja alcançado, mesmo de forma gradativa.
Atentos ao conteúdo da meta 6 do Plano Nacional de Educação, observamos indicações de que a ampliação da jornada escolar diária deve se dar por meio do desenvolvimento de atividades de acompanhamento pedagógico e demais atividades relacionadas a cultura e às artes. Nas entrevistas que realizamos, a pedagoga disse-nos:
Infelizmente não temos salas de aula destinadas ao trabalho com Artes ou outras atividades que sejam diferenciadas para essas crianças. Elas permanecem o dia todo na escola, em um turno ficam em uma sala e em outro vão para outra sala, mas, sala regular também. Assim, creio que esse tipo de atendimento não pode ser considerado atendimento educacional integral. A criança precisa fazer coisas diferentes, mas infelizmente não temos espaço nem recursos. (entrevista -pedagoga)
De toda forma, observamos que a administração municipal vem buscando articular ações com os demais equipamentos sociais tendo em vista melhorar a oferta e o atendimento do programa de educação em tempo integral. O decreto de número 15.071 que estabelece critérios para a matrícula de estudantes da rede municipal no programa de educação em tempo integral. De acordo com este documento, "para se inscrever no projeto a criança ou adolescente deverá, prioritariamente, estar inserido no Cadastro Único da Secretaria de Assistência Social - Cadúnico/Semas".
Na expectativa de conhecer os modos de implementação do programa educação em tempo integral também consultamos o Projeto Político Pedagógico da escola focalizada neste estudo. Notamos que grande parte dos alunos atendidos pelo programa vem de famílias de baixa renda, marcadas pela condição de desemprego. Muitos são filhos de pais divorciados e/ou de pais adolescentes. Via de regra, no lar, as crianças são assistidas/cuidadas por avós e tios. Grande parte do grupo de crianças envolvidas no programa de educação em tempo integral são beneficiários do programa "Bolsa Família".
Nesse aspecto, a implementação do programa de educação em tempo integral tem seguido o que normatiza a portaria 15.071 relativamente à prioridade de atendimento: "as crianças e adolescentes beneficiados pelo Projeto Educação em Tempo Integral, deverão ser, prioritariamente, aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade social" (Vitória, 2011).
Tendo como perspectiva problematizar aspectos das indicações legais, das ações governamentais e institucionais que operacionalizam o programa de educação em tempo integral na educação infantil pelo município de Vitória/ES, uma questão que balizou nossa investigação dizia respeito às contribuições do programa de educação em tempo integral para o desenvolvimento e aprendizagem dos alunos envolvidos nesses programas. Abordamos essa questão durante as entrevistas e as declarações nos mostraram que grande parte dos entrevistados expressam insatisfação com a materialização do programa.
Para muitas crianças que participam do projeto, sua participação significa a garantia de suprimento alimentar adequado diário, bem como higienização básica diária, como banho e momento do sono. Um dos objetivos principais que existe o programa é para cumprir uma política pública educacional e para retirar as crianças do risco a que estão submetidas no cotidiano. (entrevista - pedagoga)
Até agora o programa tem sido somente a ampliação do tempo da criança na escola. Acho que da forma que tem sido implementada está só relacionada a esta ampliação do tempo [...]. (entrevista - assistente de educação infantil)
Tem que haver na prática, uma sala específica para esses alunos nos dois turnos, pois da forma como ocorre, ou seja, a sala que é deles pela manhã, é ocupada pelo grupo 6 à tarde e isso compromete a organização física do espaço. Outra coisa, a política do tempo parcial na realidade não comtempla essas aprendizagens diferenciadas nesse horário onde poderia oferecer efetivamente a oportunidade desses alunos experienciarem aulas passeio, em teatros, cinemas, zoológicos, clubes, fazendas, aulas de judô e balé, musicalização com instrumentos [...] (entrevista - coordenadora da educação em tempo integral).
Do jeito que vem sendo implementado o programa não consegue contribuir para mais aprendizagens não! Sempre na mesmice, não é oferecido nenhuma novidade para essas crianças que acabam ficando esgotadas no segundo turno, apresentando irritação, cansaço e indisciplina. (entrevista - professora).
As declarações evidenciam que o programa de educação em tempo integral não tem cumprido os propósitos anunciados nos documentos legais (nacionais e/ou locais), particularmente, quando os entrevistados asseveram que a participação de muitas crianças se restringe à "garantia de suprimento alimentar adequado diário, bem como higienização básica diária, como banho e momento do sono". Mas também quando afirmam: "o programa tem sido somente a ampliação do tempo da criança na escola"; o programa tem servido apenas para "tirar as crianças do risco social"; "o programa não consegue contribuir para mais aprendizagens"; O programa "não contempla aprendizagens diferenciadas".
De fato, ao nos reportarmos a lei 9.049, observamos que seu conteúdo está aquém do que se vem realizando na escola onde realizamos nosso estudo:
Parágrafo único. As Escolas de Ensino Fundamental em Tempo Integral têm por objetivo promover a ampliação de tempos, espaços e oportunidades educativas, visando alcançar a melhoria da qualidade da aprendizagem e da convivência social e diminuir as diferenças de acesso ao conhecimento e aos bens culturais.
No contato que tivemos com os centros municipais de educação infantil destinados a receber crianças de 6 meses a 6 anos de idade, observamos que eles não possuem estrutura física, materiais e recursos favorecedores da permanência da criança no programa de educação em tempo integral. Na escola pesquisada, registramos:
as crianças chegam a escola às sete horas. Permanecem na sala de aula até o horário do banho e do almoço. Em seguida podiam dormir. O local onde as crianças dormiam era a sala de informática. As professoras colocavam colchões e lençóis para que as crianças deitassem. As crianças eram despertadas por volta das 13 horas quando eram encaminhadas para uma outra sala de aula no turno vespertino (diario de campo).
Nas declarações dos entrevistados observamos outras questões relacionadas às ações governamentais e institucionais que operacionalizam o programa de educação em tempo integral na educação infantil pelo município de Vitória/ES. Vejamos:
Gente! Educação em tempo integral não pode ser isso não! Criança ficar na sala de manhã e depois na sala de aula a tarde também. Eles precisavam fazer uma aula de música, dança, pintura, não sei... uma aula especifica, afinal estamos tratando de educação integral! Eles precisavam ter um local adequado para dormir também, pois essa sala aqui é bem pequena para todos eles. (entrevista - pedagoga da educação emtempo parcial).
Eu vejo essas crianças na escola o dia todo... fico pensando quanta coisa poderia ser feita por elas se tivéssemos recursos financeiros para comprar mais livros, levar as crianças para passear em museus, teatros e exposições, locais que, devido as condições sociais em que eles vivem, eles não têm acesso. Seria ideal... (entrevista - assistente de educação infantil).
Procuramos dar condições melhores de aprendizagem para os alunos com os recursos que temos mesmo. Material que a prefeitura manda, como papéis, tintas, essas coisas... mas acredito que se falamos em educação em tempo integral poderíamos ter atividades esportivas, fora da escola, atividades culturais que potencializem o desenvolvimento dessas crianças. (entrevista -pedagoga).
Acessando outros documentos, notamos, ainda, que as condições de funcionamento da escola focalizada neste estudo não atendem ao disposto no Plano Municipal de Educação (PME), Lei n° 8.829 de 25 de junho de 2015. Esse plano tem como propósito:
Promover, com o apoio da União, a oferta da educação básica pública em tempo integral por meio de atividades de acompanhamento pedagógico e multidisciplinares, inclusive culturais e esportivas, de forma que o tempo de permanência dos alunos na escola, ou sob sua responsabilidade, passe a ser igual ou superior a sete horas diárias durante todo ano letivo; fomentar a articulação da escola com os diferentes espaços educativos, culturais e esportivos, e equipamentos públicos como centros comunitários, bibliotecas, praças, parques, museus, teatros, cinemas e planetários; entre outros. (Vitória, 2008)
Na nossa compreensão, a recente tendência de ampliação da jornada escolar no Brasil na perspectiva da educação em tempo integral traz consigo a necessidade de pensar novos modelos de educação para a infância, uma fase importante do desenvolvimento humano.
Sem perder de vista a compreensão de que a infância se realiza em meio a uma inextricável rede de entrelaçamentos humanos, narradas/constituídas, no mais das vezes, entre adultos e crianças de uma mesma geração ou de diferentes gerações, destacamos a importância do convívio social no processo educativo.
Nesse aspecto, observamos que, crescentemente, a escola vem se constituindo como instituição socializadora e, portanto, de fundamental importância no desenvolvimento das crianças. A pertinência social da escola em nossas sociedades recentes pode ser observada, especialmente, na medida em que ela impulsiona diferentes níveis e modos de interação com o outro, em meio às estratégias sistemáticas de apropriação do conhecimento pelas crianças.
Essa questão vem sustentando os debates empreendidos relativamente à necessidade de ampliar o tempo de permanência das crianças na escola. A partir do que declaram os entrevistados, consideramos, entretanto, que somente a ampliação do tempo, não garante uma "educação integral". Nesse aspecto, parece-nos importante destacar que os termos "educação integral" e "educação em tempo integral", embora demonstrem semelhança em sentido, são expressões narradas por diferentes concepções.
Segundo Gadotti (2009), a educação integral é uma concepção da educação que não se confunde com horário integral, tempo integral ou jornada integral. É possível realizar uma educação integral em tempo parcial, dependendo da proposta pedagógica da instituição, mas se torna inviável realizar uma educação integral numa instituição de tempo integral onde não haja uma proposta pedagógica bem definida para tal modalidade de educação. Nesse debate, Moreira e Bertolin apontam que a educação integral é "uma concepção geral da educação que não pode ser traduzida apenas como projeto de aumento de tempo de aula" (2016, p. 111). Desse modo, nos termos desses autores, a proposição de uma escola de tempo integral supõe considerar que a expansão do tempo de permanência da criança na escola "[...] também represente uma ampliação de oportunidades e situações que promovam aprendizagens significativas e emancipadoras".
Em associação a esse importante debate, os dados que sistematizamos nos mostram outros desafios na operacionalização da educação em tempo integral. Destaca-se, nesse cenário, a situação de pobreza e de extrema pobreza vivida pelas crianças em sociedades como as nossas. As ações governamentais e institucionais precisam considerar que a escola não tem sua ação educativa encerrada no espaço institucional. A escola é parte constitutiva da sociedade e os modos de realização de seu trabalho estão relacionados às condições de vida da população.
Atentemo-nos para o fato de que os programas de educação em tempo integral, em sua grande parte, estão direcionados aos alunos considerados em risco e em vulnerabilidade social. Janczura (2012), aborda as definições de risco e vulnerabilidade social, afirmando que ambas só podem ser entendidas quando associadas a diferentes contextos. Baseando-nos nas indicações dessa autora, entendemos que crianças e adolescentes se encontram em situação de vulnerabilidade social quando a família, a comunidade ou o poder público deixam de assegurar seus direitos mais elementares, como aqueles referentes à vida, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, conforme assegurado no art. 4.° do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Nesse sentido, em realidades marcadas por agravantes disparidades socioeconômicas, fazem-se necessários diagnósticos sociais bem construídos. Afinal, eles podem se constituir como orientadores das ações governamentais e institucionais que buscam atender de maneira mais adequada às demandas socioeconômicas da população, reverberando melhorias nos impactos das políticas educacionais implementadas.
Recorrendo à perspectiva da sociologia da infância, Kuhlmann (2007) destaca que a dinâmica das instituições de educação da criança pequena mantém vínculos estreitos com "a história da infância, da família, da população, da urbanização, do trabalho, e das relações de produção, etc. e, é claro, com a história das demais instituições educacionais" (Kuhlmann, 2007, p. 16). Nessa direção, é que para nós, a contribuição do programa educação em tempo integral precisa ser avaliada, considerando-se a imbricação das diferentes políticas materializadas pelas equipes de governo.
Em se tratando da educação em tempo integral vale considerar a dimensão educacional, expressa nas propostas pedagógicas elaboradas pelas instituições de ensino. Não por acaso, as propostas pedagógicas buscam a permanência do aluno na escola de modo a assisti-lo em suas necessidades, intensificando e qualificando suas aprendizagens. Entretanto, uma proposta pedagógica orientada pela expectativa de apropriação do conhecimento pelas crianças, se realiza em estreita vinculação com a política orçamentária cuja execução garante o financiamento das atividades do programa, o que envolve a formação de profissionais, a aquisição de recursos e de materiais pedagógicos, a oferta de transporte (quando for o caso), bem como de espaços físicos mais adequados.
Nessa mesma direção, destacamos a pertinência de ações governamentais pautadas na perspectiva da intersetorialidade. Apoiados na literatura (Junqueira, 1998; Monnerat e Souza, 2011) e nos dados que sistematizamos, arguimos que a materialização do programa de educação em tempo integral não se restringe à atuação de um setor específico do governo ou da política pública. Esse programa somente pode ser realizado em meio uma reconfiguração da própria gestão pública que, sustentada na articulação intra/intersetorial, supere a perspectiva administrativa pautada na fragmentação e no paralelismo de ações (Bourguignon, 2001). Na nossa compreensão, ao assumir a intersetorialidade como perspectiva de trabalho teremos melhores condições de garantir maior diversificação de atividades envolvendo os alunos, destacando-se a oferta de atividades esportivas e culturais, frequência aos teatros, aos cinemas, às zoológicos, a clubes, a fazendas, aulas de judô e balé, aulas de musicalização com instrumentos, conforme indicaram os entrevistados, participantes deste estudo. Ademais, pela via da intersetorialidade, a gestão pública reúne melhores condições para o atendimento às demandas sociais de pessoas/famílias que vivem em situação de pobreza e/ou de extrema pobreza e que constituem o público envolvido no programa educação integral.
As questões e indicações trazidas pelos entrevistados, nos apontam também que, na condição de programa afiliado às políticas sociais, a educação em tempo integral na educação infantil demanda mais do que o estabelecimento de dispositivos legais. Parece-nos fundamental que a administração municipal estimule o debate público tendo em vista avaliar as ações governamentais e institucionais desenvolvidas no âmbito do programa de educação em tempo integral. Mais exatamente, os diferentes participantes do processo -professores, coordenadores, pedagogos, estudantes e familiares- precisam ser estimulados a participar na indicação de mudanças que respondam de maneira mais adequada às necessidades e aos desafios institucionais e pessoais presentes na dinâmica de realização da pratica educativa em escolas que ofertam o programa de educação em tempo integral.
Reflexões e indicativos sobre o currículo na educação infantil em tempo integral
Outra questão que orientou nossa investigação dizia respeito às formas e modos de materialização do currículo na educação infantil em tempo integral. Observamos que, no programa de educação em tempo integral, o currículo vem se organizando a partir da proposta curricular da escola onde esse programa se realiza. Conforme declarações dos entrevistados, ao longo do ano, os profissionais que atuam no programa educação em tempo integral buscam articular suas atividades com o projeto institucional. Ainda assim, os entrevistados ressentem a ausência de atividades que poderiam potencializar o processo de aprendizagem das crianças. Considerando nossos propósitos investigativos, também acessamos a proposta curricular destinada ao programa educação em tempo integral; o projeto político-pedagógico (PPP); os registros de planejamento da professora da turma e o projeto de sala adotado pela professora10. Nesse último instrumento, observamos que cada escola tem autonomia para elaborar seu projeto institucional e, a partir daí, cada professora elabora o projeto que será trabalhado em sala, naquele ano.
A Prefeitura Municipal de Vitória trabalha com os chamados "Projetos Institucionais", onde cada escola tem a liberdade de escolher o tema a ser trabalhado. Após a escolha do tema, os professores desenvolvem os chamados "Projetos de Sala", por meio dos quais são desenvolvidas diversas atividades que têm como referência o tema do projeto institucional.
Observamos que a proposta curricular destinada ao programa educação em tempo integral foi elaborada levando em conta as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (Brasil, 2009). A proposta curricular também trata da "integralidade curricular" defendendo que a articulação das múltiplas estruturas e agentes se configura como aspecto de relevância para a materialização de uma educação integral. Ainda, assim, em entrevista, tivemos as seguintes declarações:
Aqui na escola temos a proposta curricular que norteia as atividades que serão desenvolvidas. No entanto, o que observamos é que, como as crianças estão matriculadas no tempo integral, elas fazem as mesmas coisas de manhã e de tarde, pois o currículo é o mesmo. Não que precise ter um currículo só para os alunos do tempo integral mas acho que as crianças ficam fazendo sempre as mesmas coisas e isso cansa os professores e os alunos. (entrevista - professora da educação em tempo integral)
Durante a investigação também recorremos aos registros de planejamento da professora que atua na turma do programa de educação em tempo integral. A professora registra seu planejamento em um formulário elaborado pela instituição. Nele estão registradas as atividades desenvolvidas a cada dia da semana. A leitura desse material nos possibilitou observar que a professora se depara com desafios específicos e recorrentes, tais como a falta de material pedagógico, ausência de espaços próprios para o trabalho com as crianças pequenas e falta de profissionais que colaborem na viabilização de determinadas atividades. Assim, muitas atividades registradas não puderam ser realizadas pela professora. Durante a entrevista ela relatou:
Ontem, estava programada uma atividade ao ar livre, para eles brincarem de roda. Só que choveu e não temos um espaço de quadra ou pátio coberto. As crianças ficaram tristes e eu também. Tentamos fazer uma adaptação para realização dessa atividade em outro dia, mas muitas crianças faltaram [...] (entrevista - professora da turma de educação em tempo integral)
Outra professora nos relatou:
cancelaram o passeio mas isso não é a primeira vez que acontece... acho ruim, pois mandamos bilhetes de autorização para os pais, preparamos a criança e colocamos essas atividades no nosso planejamento, para depois ter que arrumar tudo de novo. Sem contar que as crianças ficam na expectativa né? (entrevista - professora da turma de educação em tempo parcial)
Na discussão sobre os desafios e tensões que se colocam na materialização do currículo do programa de educação em tempo integral na educação infantil, encontramos importantes indicações sistematizadas nos estudos de Ramos (2011). Em seu trabalho ele analisou os currículos vivenciados na educação em tempo integral e observou que as práticas desenvolvidas no programa expressam manifestações e construções curriculares baseadas no modo pelo qual os sujeitos fazem uso dos tempos e espaços destinados ao programa (Ramos, 2011).
Ramos (2011) estudou a organização das práticas pedagógicas e do currículo em três escolas de educação em tempo integral, em Santa Catarina. Como resultado, observou que a política implantada não trouxe modificações significativas nas formas de organização dos currículos escolares. Evidenciou que a integração curricular ocorre de forma assistemática e tanto o tempo quanto o espaço pouco diferem daqueles utilizados pelas escolas regulares de turno parcial, tendo como diferencial, apenas, a quantidade de horas em que os alunos permanecem na escola. Observou que a proposta de currículo alternativo não se concretizou na escola, pois ela somente reproduziu em dobro as organizações das escolas de tempo parcial.
Em nossa investigação, os entrevistados comentaram sobre os modos de organização do currículo no programa educação integral:
Nós até tentamos organizar a proposta curricular da escola, contemplando algumas especificidades das crianças que permanecem em tempo integral na escola. Mas essa mudança de organização não é fácil, pois não depende somente dos professores e pedagogos, mas, sim, de toda a equipe pedagógica. Para isso, precisaríamos de tempo e o dia-a-dia da escola é muito corrido. (entrevista - pedagoga).
O ideal mesmo seria que o currículo fosse integrado, ou seja, que fosse elaborado de forma articulada, mas como fazer isso? Os tempos dentro da escola são muito complicados. Os profissionais que trabalham de manhã, não trabalham a tarde e os que trabalham a tarde não trabalham pela manhã. E, por isso não existe um momento para que esses profissionais se encontrem, para que assim, pudessem elaborar um currículo mais articulado. (entrevista -coordenadora da educação em tempo integral).
As vezes temos a sensação de que a criança recebe dois tipos de educação, pois a fala dos professores sempre se refere a turno e contra turno. Por que também, os professores são diferentes, um fica com as crianças de manhã e outra fica de tarde. Por isso muitas vezes as crianças recebem atividades que trabalham o mesmo conteúdo pois um professor não sabe sobre a atividade que o outro deu (assistente de educação infantil)
Não diferente do que nos mostram os estudos de Ramos (2011), observamos que na escola pesquisada não existe uma integração curricular mais sistemática. Os conteúdos trabalhados são desenvolvidos de forma desarticulada e, em muitas situações, esses conteúdos são "repetidos" no tuno inverso ao turno de escolarização regular. Na perspectiva dos entrevistados, a ausência de encontros de planejamento entre os profissionais constitui um dos fatores que mais "pesam" na organização/realização do currículo na educação em tempo integral.
Outros estudos evidenciam que as propostas de currículos direcionadas para o programa de educação em tempo integral não ocorrem de forma articulada, sob uma perspectiva de integralidade (Figueiredo, 2011; Aquino, 2011). As indicações desses estudos estimulam o debate sobre a necessidade de a instituição escolar reunir esforços no sentido de garantir que os conteúdos escolares estejam presentes e articulados entre si no desenho curricular da/na educação em tempo integral.
De fato, a produção coletiva de um documento curricular integrador é elemento/dispositivo importante no atendimento às demandas peculiares dos estudantes envolvidos na educação em tempo integral. Ainda assim, cumpre considerar que um "documento específico" dessa natureza não garante, imediatamente, os modos de realização curricular no cotidiano educativo que, desde logo, se constitui de múltiplos interesses que atravessam e delineiam as práticas pedagógicas cotidianas.
É nesse sentido que, para nós, um currículo vivido/praticado se coloca no contexto da educação em tempo integral implementada na escola que investigamos. A este respeito, as indicações de Sacristán (1995, p. 86) nos parecem muito adequadas, especialmente quando o autor destaca que "[...] aquilo que os alunos aprendem no contexto escolar - e aquilo que deixam de aprender - é mais amplo que a acepção de currículo como especificação de temas e conteúdos de todo tipo". Desse modo é que, na realidade escolar que investigamos, as possibilidades de realização da educação em tempo integral seguem marcadas/narradas pelo/nos desencontros e nos não encontros entre os profissionais, pela/na falta de tempo no dia-a-dia da escola, pelas/nas atividades e planejamentos "corridos", pela/na dinâmica de turno e contra turno, pela/na desvinculação das atividades realizadas em cada classe com o projeto institucional.
Essas questões se revelam potentes no debate sobre a proposta curricular para/na educação em tempo integral. Do que temos estudado, vale considerar que a prática pedagógica na educação em tempo integral não se dá no vazio histórico e social produzindo, ela mesma, repercussões na vida social.
Considerações finais
No curso deste trabalho, estudamos as especificidades do cotidiano de uma instituição de educação infantil que, no contexto municipal, implementa uma proposta de educação em tempo integral. Mais especificamente, reunimos dados e reflexões que nos permitissem problematizar aspectos das indicações legais, das ações governamentais e institucionais que operacionalizam o programa de educação em tempo integral na educação infantil.
Com base na análise documental realizada, percebemos que o programa de educação em tempo integral do município de Vitória é relativamente recente. Embora date de 2005, o que temos é uma política de governo. Os dados indicam também que o programa de educação em tempo integral pode contribuir no processo educativo das crianças, embora, o programa precise passar por mudanças significativas, tanto na sua dimensão educacional quanto no campo de materialização das politicas sociais. A este respeito, vale a pena não perder de vista a perspectiva de que a escola se constitui como agência educadora na imbricação das políticas públicas. A escola tem sua ação e seus efeitos no fluxo das lutas ideológicas, culturais, econômicas e sociais. Assim, avaliar o alcance dos fins educacionais de uma proposta de educação em tempo integral supõe considerar como ponto de partida as disparidades socioeconômicas vividas por uma parcela significativa da população brasileira. São as pessoas, elas mesmas envolvidas nas atividades realizadas no âmbito da educação em tempo integral, os agentes fundamentais na produção de indicadores educacionais que, articulados à conjuntura política e econômica, potencializam a dimensão pedagógica da educação em tempo integral.
Outra percepção produzida no curso desse estudo diz respeito à materialização do currículo na educação em tempo integral. Destacamos que o currículo se manifesta de diferentes formas, em variados contextos e em diversos tempos. Assim, a prática curricular não está atrelada somente aos momentos vividos em sala de aula, mas também a todos os momentos em que as crianças participam e interagem com seus colegas e adultos dentro da instituição. Os dados nos permitem observar que a ampliação do tempo da criança na escola não transforma por si mesma a organização curricular e didática e que há uma forte tendência em repetir, no templo ampliado, formas curriculares e de ensino já cristalizadas.
De toda forma, considerando educação escolar como direito público subjetivo (Brasil, 1996), as declarações dos entrevistados e as circunstâncias de realização do trabalho educativo na escola que investigamos, o debate sobre os modos de realização do currículo na educação em tempo integral deve passar, necessariamente por uma ampla discussão relativa às disposições efetivas de financiamento desse programa pela administração municipal. Um debate nesses termos, tem a potência de retirar o programa de educação em tempo integral da condição de mera carta de boas intenções.
Vale destacar que no contexto da escola investigada, os professores e coordenadores do programa de tempo integral concebem-na como uma política pública importante e que, de fato, podem colaborar com o desenvolvimento e aprendizagem da criança. Acreditam que o programa pode ir além de uma perspectiva assistencialista e colaborar no seu processo de aprendizagem das crianças envolvidas. Ressaltam que a implementação da educação em tempo integral demanda melhorias das/nas práticas pedagógicas cotidianas adotadas com os alunos, da/na estrutura física das instituições de ensino e, da/na formação continuada dos profissionais e outros trabalhadores da educação. Finalmente, compreendemos que, na condição de política pública específica, a educação em tempo integral precisa se constituir como dispositivo impulsionador de debates sistemáticos capazes de redimensionar nossas concepções políticas e pedagógicas relativas à infância e ao processo educativo da criança pequena.
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