Tablas de cognición contextual (TCC): un recurso para la investigación y mediación cultural en la enseñanza de la biología
DOI:
https://doi.org/10.17227/ted.num50-11653Palabras clave:
Aprendizaje en Botánica, Tablas de Cognición Contextual, Diálogo Intercultural, educación científica interculturalResumen
Este artículo presenta los resultados de una investigación cualitativa cuyo objetivo fue analizar la influencia del uso de las Tablas de Cognición Contextual (tcc) como un subsidio en las clases de botánica (tema del componente curricular biología), con una perspectiva intercultural. Los datos se obtuvieron de la aplicación de una secuencia didáctica con estudiantes agricultores y no agricultores que asisten a una escuela pública ubicada en el municipio de Coração de María, Estado de Bahía, Brasil, cuando se les pidió que construyeran dos tcc utilizando libros de texto, textos científicos y mediación de una profesora. El análisis de contenido se realizó en estas tablas y los resultados indican que los estudiantes pudieron señalar relaciones dialógicas de similitudes y diferencias entre sus conocimientos previos y los conocimientos científicos de la botánica, que tiene implicaciones importantes para el aprendizaje de la botánica, básicamente sobre la clasificación, estructuras, características, funciones y relaciones ecológicas de las plantas. Creemos que las tcc actúan como un recurso para la investigación y la mediación de los conocimientos culturales que pueden aportar dinamismo al diálogo intercultural en las clases de biología.
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Recibido: 30 de abril de 2020; Aceptado: 28 de octubre de 2020
Resumo
Este artigo apresenta os resultados de uma pesquisa qualitativa cujo objetivo foi analisar a influência do uso das Tabelas de Cognição Contextual (ïcc) como subsídio nas aulas de botânica (tema do componente curricular biologia), com uma perspectiva intercultural. Os dados foram obtidos a partir da aplicação de uma sequência didática com estudantes agricultores e não agricultores que frequentavam um colégio público localizado no município de Coração de Maria, Estado da Bahia, Brasil, quando lhes foram solicitadas construções de duas TCC tendo apoio de livros didáticos, textos científicos e mediação de uma professora. Sobre essas tabelas, procedeu-se à análise de conteúdo e os resultados indicaram que os estudantes conseguiram pontuar relações dialógicas de semelhanças e de diferenças entre os seus conhecimentos prévios e os conhecimentos científicos da botânica, as quais apresentam importantes implicações para a aprendizagem da botânica, basicamente acerca da classificação, estruturas, nomeação, características, funções e relações ecológicas das plantas. Consideramos que as TCC atuam como um recurso de investigação e mediação dos saberes culturais que podem trazer dinamismo ao diálogo intercultural nas aulas de biologia.
Palavras-chave:
aprendizagem em botânica, tabelas de cognição contextual, diálogo intercultural, educação científica intercultural.Abstract
This article presents the results of a qualitative research whose objective was to analyze the influence of the use of Contextual Cognition Tables (CBT) as a subsidy in botany classes (theme of the biology curricular component) with an intercultural perspective. Data were obtained from the application of a teaching sequence with farmer and not farmer students from a public school in the Coração de Maria Municipality, state of Bahia, Brazil, when they were asked to construct two CBT supported by textbooks, scientific texts, and teacher mediation. Content analysis was made on those tables and results indicate that students were able to signal dialogic relationships of similarities and differences between their prior knowledge and scientific knowledge from Botany, that have important implications to botany learning, basically about classification, structures, characteristics, functions and plant ecological relationships. We consider that CBT act as a resource for research and mediation of cultural knowledge that can bring dynamism to intercultural dialogue in biology classrooms.
Keywords:
botany learning, tables of contextual cognition, intercultural dialogue, intercultural science education.Resumen
Este artículo presenta los resultados de una investigación cualitativa cuyo objetivo fue analizar la influencia del uso de las Tablas de Cognición Contextual (TCC) como un subsidio en las clases de botánica (tema del componente curricular biología), con una perspectiva intercultural. Los datos se obtuvieron de la aplicación de una secuencia didáctica con estudiantes agricultores y no agricultores que asisten a una escuela pública ubicada en el municipio de Coração de María, Estado de Bahía, Brasil, cuando se les pidió que construyeran dos Tcc utilizando libros de texto, textos científicos y mediación de una profesora. El análisis de contenido se realizó en estas tablas y los resultados indican que los estudiantes pudieron señalar relaciones dialógicas de similitudes y diferencias entre sus conocimientos previos y los conocimientos científicos de la botánica, que tiene implicaciones importantes para el aprendizaje de la botánica, básicamente sobre la clasificación, estructuras, características, funciones y relaciones ecológicas de las plantas. Creemos que las TCC actúan como un recurso para la investigación y la mediación de los conocimientos culturales que pueden aportar dinamismo al diálogo intercultural en las clases de biología.
Palabras clave:
aprendizaje en botánica, tablas de cognición contextual, diálogo intercultural, educación científica intercultural.Introdução
Segundo Baptista (2018), o ensino de ciências que pretenda ser intercultural deve envolver o diálogo como uma relação de comunicação entre estudantes e professores e entre estudantes. Nesta relação, são apresentados os diversos significados culturais que esses sujeitos atribuem a um determinado tema que é objeto de ensino e aprendizagem. Ainda segundo Baptista, o diálogo intercultural auxiliará o professor na superação do uso exclusivo da pedagogia transmissiva, fortemente amparada no cientificismo, uma ideologia que confere superioridade epistémica a ciência ocidental com relação aos demais sistemas de saberes.
Como consequência, contribuirá para que os estudantes percebam a existência das linguagens que são pertencentes aos diferentes sistemas de conhecimentos e da importância dos seus domínios na tomada de decisões diante de situações que envolvam ou não a ciência. Os estudantes poderão compreender que, além da ciência ocidental, existem outros modos de conhecer e explicar os fenômenos naturais, como aqueles que estão atrelados às suas culturas, os quais, assim como a ciência, possuem seus próprios contextos de origem e de aplicabilidades (Cobern, 1996).
Deve-se ressaltar que o objetivo do diálogo não deverá ser, jamais, comparar e tentar substituir conhecimentos prévios, pois isto significa hierarquização e discriminação, podendo levar os estudantes ao sentimento de inferiorização diante dos conhecimentos científicos ou mesmo uma aprendizagem inadequada destes. O objetivo do diálogo deve ser sempre a negociação dos significados culturais dos conhecimentos apresentados, bem como as viabilidades das suas aplicabilidades em contexto culturais diversos, sempre partindo da perspectiva de que, concordando com Wegerif (2019), nas relações dialógicas as novas perspectivas ensinadas (científicas) não substituem as anteriores, mas as ampliam, levando a um repertório expandido de conhecimentos.
Assim, se a condução do diálogo social se dá pelo entorno de significados, da relação do Eu_ com o Tu (Buber, 2012), torna-se necessário que o professor investigue quais são os conhecimentos prévios à aprendizagem escolar que os estudantes possuem para que seja possível a adequação de estratégias de ensino e aprendizagem que sejam dialógicas. Para isto, Baptista (2018) propõe que os professores utilizem e construam Tabelas de Cognição Contextual (TCC), pois, além da investigação dos conhecimentos prévios, elas auxiliam no estabelecimento de relações entre esses conhecimentos e os conhecimentos científicos que estão sendo ensinados, sejam de semelhanças ou de diferenças em termos ontológicos e epistemológicos.
Diante dessa proposição de Baptista para o uso das TCC no ensino de ciências e sabendo da existência de dificuldades por parte dos estudantes na aprendizagem dos conteúdos da botânica, pontuamos o seguinte questionamento: como a construção das TCC por estudantes das escolas contribuem para as suas aprendizagens dos conteúdos da botânica?
O propósito deste artigo é apresentar e discutir os resultados de uma pesquisa qualitativa que envolveu estudantes agricultores e não agricultores de uma escola pública do estado da Bahia, Brasil, a qual teve por objetivo analisar como as TCC podem auxiliar nas aulas de botânica (temática do componente curricular biologia) com perspectiva intercultural.
Fundamentação da experiência
De acordo com Ursi et al. (2018), estudantes de muitas escolas ao redor do mundo vêm demonstrado relevantes dificuldades de compreensão dos conteúdos da botânica. Para Kinoshita et al. (2006) é muito frequente encontrar nas salas de aula de ciências estudantes desinteressados. Um dos motivos para que isso aconteça está na tradição de aulas excessivamente expositivas que priorizam a memorização e reprodução de conhecimentos científicos em detrimento das suas contextualizações e significações culturais, seja no universo cultural da botânica, seja no universo cultural dos estudantes.
Isto torna-se fator preocupante, pois, concordando com Salatino e Buckeridge (2016), a falta de interesse pelo estudo das plantas, bem como o ensino de botânica não preocupado com essa problemática, pode levar as pessoas a não se importarem com a flora e, por consequência, destruí-la, causando desequilíbrio ecológico nos ecossistemas.
Para o Sociointeracionismo proposto por Vygotsky, a cognição humana envolve uma relação dinâmica entre as suas características internas (biológicas) e externas, que são as interações com os meios sociais e culturais (Vygotsky, 1979). É, portanto, uma forma ativa, interpessoal e não isolada numa mera aquisição de informações que foram expostas para serem armazenadas nas mentes dos sujeitos.
De acordo com Vygotsky (1979), a aprendizagem tem lugar na zona de desenvolvimento proximal (ZDP), que é a distância entre o que o indivíduo já sabe (conhecimento real) e o que ele pode aprender (conhecimento potencial) sob a orientação ou em colaboração com os parceiros. A riqueza e a diversidade de interações determinam o conhecimento potencial a ser alcançado.
No ensino de ciências, essas interações ocorrerão através do diálogo intercultural entre a ciência que está sendo ensinada e as culturas dos estudantes. Nesta perspectiva, a construção de conhecimentos científicos acontecerá em contextos específicos que darão significados aos seus conteúdos; a ciência ocidental, assim como suas ramificações, será compreendida como uma entre as inúmeras práticas culturalmente situada. Um diálogo entre o professor e seus estudantes, bem como entre os estudantes, sobre um determinado tema que é objeto de ensino e aprendizagem, quando os sujeitos serão incentivados à participação com questionamentos, comunicações de saberes e negociações de seus significados culturais associados, científicos e não científicos (Baptista, 2018).
O papel do professor nesse contexto é facilitar a mediação cultural, o que para Teo (2013) significa criar espaços e oportunidades para negociações de significados das temáticas estudadas nas culturas envolvidas e como esses significados influenciam na construção de conhecimentos.
Segundo Brown et al. (1989), que advogam a favor da cognição situada, é necessário ensinar conhecimentos dentro dos seus contextos de atividade porque todo conhecimento está vinculado a uma atividade que está situada em contextos sociais, culturais e físicos. Aprender significa a participação ativa dos sujeitos diante de determinados contextos e situações. O contexto de atividade de um conhecimento detém importantes aspectos de uma forma cultural de produzir, ver e utilizar. O conhecimento é situado, sendo em parte um produto da atividade, contexto e cultura em que é desenvolvido e utilizado.
O construtivismo contextual de Cobern (1996), assim como a cognição situada, considera a importância de ensinar tendo por base os contextos de funcionamento dos conhecimentos. Argumenta que a heteroge-neidade cultural presente nas salas de aula de ciências, cujos sujeitos possuem diferentes visões de mundo, requer dos professores uma perspectiva de aprendizagem científica como a aquisição de uma segunda cultura. Para Cobern (1996), os professores de ciências podem se interessar por ensinar em contextos que deem sentidos aos conteúdos científicos, pois isso irá facilitar a compreensão da linguagem e cultura científica. Entretanto, para que isso ocorra, os professores precisam investigar e compreender os conhecimentos que os estudantes possuem e, além disso, dominar a natureza do conhecimento científico, sua origem, objetivos, contextos históricos e sociais, bem como as relações que podem estabelecer com outras manifestações culturais.
Nesse sentido, o pluralismo epistemológico proposto por Cobern e Loving (2001), coloca que as relações da ciência com outras manifestações culturais contribuirão para que os estudantes reconheçam os domínios particulares dos discursos em que os seus conhecimentos e os conhecimentos científicos têm -cada um no seu contexto- alcance e validade. Os estudantes compreenderão como a prática da ciência pode se beneficiar dos resultados de outros campos do conhecimento e, de igual forma, ver como algumas das ideias científicas podem contribuir para outros modos de conhecer.
A ciência ocidental não é o único sistema de conhecimentos e práticas que produz conhecimentos válidos. A ciência é uma atividade cultural e social e, como tal, tem características, valores e contextos de aplicação que lhes são peculiares e que podem interagir com as muitas maneiras de conhecer o mundo natural (Cobern e Loving, 2001).
Descrição da experiência
Contexto da pesquisa, sujeitos participantes e questões éticas
O colégio participante está localizado no município de Coração de Maria, Estado da Bahia, Brasil. Esse colégio funciona no Ensino Médio e nos três turnos (matutino, vespertino e noturno). Recebe estudantes das zonas rural (campo) e urbana, dos quais, na grande maioria, são agricultores ou filhos de agricultores. Trata-se de um espaço amplo, composto por salas dos professores, sala de direção, sala de vice-direção, oito salas de aula, cantina, secretaria, biblioteca e dois banheiros.
A pesquisa contou com a participação de uma professora de biologia e 26 estudantes de uma turma do 2° ano. A professora é graduada em Licenciatura em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS-Bahia) e leciona biologia e ciências há 21 anos no mesmo colégio. Os estudantes, dos gêneros masculino e feminino, com faixa etária entre 16 e 18 anos, são agricultores e não agricultores.
Muitos jovens que frequentam o colégio sob estudo, ao concluírem o Ensino Médio, continuam ajudando os seus pais nos trabalhos agrícolas. Já outros estão se mudando para outros Estados do país em busca de emprego assalariado, visto que o município não dispõe de um mercado de trabalho que consiga incluir esses jovens.
Informamos que este trabalho se insere no projeto mais amplo intitulado A formação docente e o ensino intercultural de ciências como contributo para o empoderamento científico e tomada de decisões: estudo de caso, o qual foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da UEFS (número 2.471.094/2018), e suporta subprojetos de temáticas variadas acerca da etnobiologia, ensino e formação de professores de ciências. Este está cadastrado no SisGen (Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético y Conhecimento Tradicional Associado), número AB1A096, de 08/10/2018. Assim, respeitando o referido comitê de ética, primeiramente foi realizada uma visita ao colégio participante. Ali apresentamos os Termos de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e de Assentimento (TE) aos sujeitos da nossa pesquisa e abrimos espaços para aqueles que desejassem as suas participações assinassem os referidos termos, segundo a Resolução que trata das pesquisas envolvendo seres humanos no Brasil (Ministério da Saúde, 2012).
Abordagem da pesquisa, coleta e análise de dados
A pesquisa apresentada neste trabalho caracteriza-se como qualitativa pois, entre outros aspectos, é descritiva e aconteceu no próprio ambiente escolar, o que facilitou o contato direto com os sujeitos participantes (Creswell, 2010) e, por conseguinte, com as suas experiências reais, de modo a melhor entender os significados que eles atribuem à realidade que os cerca e às suas próprias ações (Ludke e André, 1986; Michel, 2009).
A coleta de dados foi compreendida entre os meses de setembro e novembro de 2018, a partir da construção e aplicação de uma sequência didática (so). Primeiramente, foi realizado contato com a professora de biologia do colégio e lhe foi apresentado o projeto de pesquisa, os objetivos, os procedimentos e a finalidade. Em seguida, tendo a professora concordado em participar, foram realizadas reuniões para a construção da SD, totalizando dois encontros, segundo dias e horários que foram combinados entre as partes. A SD teve como temática central a reprodução das angiospermas, pois a professora a considerou como importante para a realidade dos estudantes que frequentam o colégio, visto que são agricultores. A base para composição dos conteúdos desta temática (morfologia e reprodução das angiospermas) foi o livro didático de biologia que é utilizado no colégio participante. O objetivo da aula foi compreender as explicações científicas para a reprodução das angiospermas relacionando-as às explicações locais.
O passo seguinte foi a observação participante pela pesquisadora das aulas ministradas pela professora participante (Ludke e André, 1986), com o intuito de conhecer previamente a dinâmica de uma turma do 2° ano Ensino Médio, onde seria aplicada a SD, bem como apresentação da pesquisadora, informes sobre a aplicação da SD e coleta das assinaturas pelos sujeitos participantes dos TCLE e TA. Importa destacar que a SD também foi apresentada e validada pelo grupo de pesquisa do qual a pesquisadora é integrante, que é o Grupo de Investigações em Etnobiologia e Ensino de Ciências (GIEEC-UEFS).
Após isso, a SD foi aplicada pela pesquisadora, na condição de professora pesquisadora, a qual, de acordo com Pereira (2003), exige o envolvimento ativo e atento entre o professor e os estudantes na construção do conhecimento científico, como meio de produzir conhecimentos sobre as práticas pedagógicas e melhorias associadas que atinjam as sociedades. Justificamos esta escolha pelo fato de que a professora titular considerou não aplicar, justificando que a pesquisadora estaria mais familiarizada como objetivo da pesquisa, o que é aceitável dentro da pesquisa qualitativa, segundo Ludke e André (1986).
A intervenção aconteceu na turma do 2° ano ensino médio do colégio participante, tendo um total de 4 horas aula, cada uma com 50 minutos. A primeira aula teve início com a organização dos grupos de trabalho, que foram seis, compostos por cinco e quatro componentes. Estes grupos foram identificados como G1, G2, G3, G4 G5 e G6. A cada um deles foi entregue uma TCC e solicitou-se preencher a primeira coluna com base nos seus conhecimentos prévios, partindo das seguintes questões:
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Quais são as plantas cultivadas na sua região e como essas plantas se desenvolvem e dão origem às novas plantas?
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A reprodução é uma das etapas importante no ciclo de vida dos seres vivos. E sobre as plantas angiospermas, quais são os tipos de reprodução que você conhece?
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Os animais possuem aparelhos reprodutivos masculinos e femininos, no caso das plantas você acha que elas possuem? Se possuírem, onde se localizam?
A TCC esteve formada por três colunas, a saber: Conhecimentos prévios (CP); Conteúdos de ensino de biologia (CEB); Conhecimentos científicos biológicos (CCB). O propósito disto foi identificar os conhecimentos prévios para dar início ao diálogo intercultural. Basicamente, conhecimentos locais agrícolas e outros conhecimentos que antecedam às aulas aqui apresentadas.
Na segunda aula, tendo a primeira coluna da TCC já preenchida, os estudantes foram convidados a preencher a segunda coluna com conhecimentos científicos buscando relações de semelhanças em exemplares de livros didáticos de biologia disponíveis no colégio (ver referências destes livros na segunda coluna das Tabelas 1 e 2 deste trabalho). Nesse momento foram distribuídas folhas de papel ofício tipo A4 em cada grupo com orientação de que eles construíssem uma segunda tabela, desta vez com relação de diferenças entre os seus conhecimentos prévios e os da biologia vegetal. Assim, cada grupo deveria construir duas TCC: uma de semelhanças e outra de diferenças (Baptista, 2018). Tanto para as relações de semelhanças quanto para as de diferenças, os estudantes deveriam partir dos seus conhecimentos prévios pontuados na primeira coluna com palavras-chaves, frases ou trechos para busca nos livros didáticos e texto científico para identificar essas semelhanças e diferenças ao preencher as TCC. Importa destacar que a professora (pesquisadora) esteve mediando as atividades durante todo o processo, sempre visitando os grupos e esclarecendo as suas dúvidas.
Relações de semelhanças entre os conhecimentos prévios dos estudantes e os científicos da botânica
Conhecimentos prévios dos estudantes (CPE)
Conteúdos de ensino de biologia (CEB)
Conhecimentos científicos biológicos (CCB)
G2: Conhecemos maneiras de reprodução pela polinização em que o gameta feminino recebe o pólen que é levado por meio dos animais, ou a reprodução ocorre pelo ar por meio das sementes ou por meio de esporos.
A polinização é o transporte dos grãos de pólen das anteras para o estigma das flores, possibilitando a fecundação. Assim, o transporte do pólen é fundamental para reprodução sexuada. Em muitas espécies, a forma mais simples de polinização é o transporte pelo vento e liberam grande quantidade de pólen, levados a grandes distâncias (Silva-Junior e Sasson, 2010, p. 422).
A polinização é um dos mecanismos envolvidos diretamente no processo de reprodução sexuada das Angiospermas (plantas com flores), uma vez que se trata do transporte dos grãos de pólen, que possuem os gametas masculinos para a parte receptiva feminina da flor, no caso o estigma (Raven et al., 1996, p. 364).
G5: Uma das maneiras de reprodução é assexuada em que cava a terra, planta a maniva, vai capinando ao redor e com o tempo nasce a mandioca.......As flores servem para formação do fruto. E para remédios como a camomila
Uma técnica comum da reprodução assexuada é a estaquia, em que um pedaço da planta- a estaca ou muda- parte vegetativa é removido e colocado na terra, iniciando a formação de uma nova planta. É usada no plantio da mandioca, roseira etc. (Favaretto, 2016, p. 232). As flores são séries de folhas modificadas e especializadas na reprodução sexuada. Composta por carpelos, que se fecham formando o pistilo, no qual se desenvolvem as sementes. Após a fecundação parte do pistilo transforma e frutos (Linhares et al., 2016, p.75).
A obtenção de mudas de mandioca é feita preferencialmente por propagação vegetativa, onde pedaços do caule, chamados manivas-semente ou estacas, são utilizados para gerar plantas geneticamente idênticas (Lima, 2017, p. 12). Flores e frutos são as unidades fundamentais da fenologia reprodutiva. As flores podem ser solitárias ou estar organizadas em inflorescências, havendo uma enorme diversidade de tamanhos e formas (Rech, 2014, p. 90).
G6: Uma das maneiras de reprodução é por meio da floração que possui o néctar e as abelhas suga o néctar e carregam o pólen.
As flores e frutos são estruturas exclusivamente das angiospermas e são fundamentais para reprodução, já que ajudam a dispersão dessas plantas (Linhares et al., 2016, p.75).
A flor contém os órgãos sexuais da planta, O androceu, órgão masculino, é constituído pelos estames, os quais produzem e liberam os grãos de pólen. O gineceu, órgão feminino, é constituído por um ou mais pistilos. Cada pistilo é composto de ovário, estilete e estigma (Bianchetti, 1999, p. 6).
Relações de diferenças entre os conhecimentos prévios dos estudantes e os conhecimentos científicos da botânica
Conhecimentos prévios dos estudantes (CPE)
Conteúdos de ensino de biologia (CEB)
Conhecimentos científicos biológicos (CCB)
G1: As plantas se reproduzem de maneiras sexuada e assexuada. A assexuada por meio de gametas e sexuada por meio de divisão da semente.
Na reprodução sexuada das plantas proporciona maior variabilidade genética, envolve a formação de sementes, após polinização e fecundação. Verifica-se também a reprodução assexuada caules e folhas, em que uma parte da planta pode dar origina um ou mais descendentes (Favaretto, 2016, p. 232).
A reprodução sexuada implica duas células especializadas - os gametas masculinos e femininos provenientes de um mesmo indivíduo nas espécies monóicas, ou de dois indivíduos distintos, nas espécies dióicas. A reprodução assexuada envolve partes vegetativas de um único indivíduo (ex., raízes, caules e folhas) (Aguiar, 2018).
G3: As formigas e lagartas interagem com as plantas, mas podem trazer doenças para as plantas ou até matar.
Animais e plantas estabelecem interações tróficas quando se alimentam delas. Certos animais comem apenas partes das plantas, não chegando a matá-las. E o que ocorre, com insetos que comem folhas (Martho e Amabis, 2013 p. 113).
O termo mirmecofilia define certo tipo de relação entre formigas e plantas, na qual as plantas apresentam estruturas especializadas destinadas a alimentar e/ou servir de abrigo para as formigas (Cruz et al., 2009, p. 32).
Na terceira aula foram entregues aos estudantes exemplares de um texto de 3 páginas elaborado previamente pela pesquisadora acerca da reprodução das plantas segundo autores da literatura acadêmica (Raven, 1996; Martins, 2013; Aguiar, 2018), com abordagem científica da botânica. A intenção foi que eles preenchessem a terceira coluna das TCC (de semelhanças e de diferenças), buscando complementar as suas anotações, para além dos seus conhecimentos prévios e livros didáticos (Baptista, 2018).
Na quarta aula, os estudantes apresentaram para toda turma as relações de semelhanças e de diferenças que eles encontraram com o preenchimento das duas TCC. A fim de ampliar a relação entre saberes no diálogo intercultural com a botânica, a professora levantou questões, por exemplo: existem semelhanças entre o que vocês já conheciam acerca da reprodução das plantas e as que são apresentadas no livro didático e texto científico?
Com o propósito único de auxiliar na interpretação das respostas dadas pelos grupos nas TCC, as aulas foram gravadas em áudio e foram realizadas anotações pela pesquisadora num diário de campo (Ludke e André, 1986). Assim, nosso instrumento de coleta e análise de dados foram as TCC construídas pelos estudantes em grupos, sobre as quais procedemos à análise de conteúdo (Bardin, 2011; Krippendorff, 2004). Estas foram transcritas para o editor de texto Word e suas respostas foram agrupadas por categorias temáticas.
Para agrupamento dos dados obtidos por categorias temáticas utilizamos o critério semântico proposto por Bardin (2011). Assim, após leituras atentas das tabelas, criamos unidades de registro com palavras-chave, partindo da interpretação dos seus conteúdos e significados. Após isso, classificamos os conteúdos por categorias temáticas, sendo geradas duas novas tabelas: uma contendo todas as relações de semelhanças e outra contendo todas as relações de diferenças entre os conhecimentos prévios dos estudantes e os conhecimentos científicos da botânica ligados às angiospermas. Sobre essas categorias, procedemos nossa discussão à luz dos referenciais teóricos das áreas de educação, etnobiologia e ensino de ciências.
Sistematização e análise da experiência
Dos seis grupos que participaram da aplicação da sequência didática, todos entregaram as TCC contendo as relações de semelhanças e quatro entregaram as TCC contendo as relações de diferenças. Por conta do curto espaço deste artigo serão apresentadas apenas as respostas da metade dos grupos, que estarão a seguir organizadas em duas novas tabelas, as quais constituem duas categorias centrais: 1) relações de semelhanças entre os conhecimentos prévios dos estudantes e os conhecimentos científicos da botânica. Respostas de três grupos para a questão Q1; 2) relações de diferenças entre os conhecimentos prévios dos estudantes e os científicos da botânica. Respostas de dois grupos para a Q2.
A escolha dessas questões se deu por conta das representatividades das respostas dos estudantes com relação aos conhecimentos socioculturais científicos e prévios. As categorias estão acompanhadas de discussão e seguidas de possibilidades de abordagens de conteúdos da botânica.
Categoria 1:
Relações de semelhanças entre os conhecimentos prévios dos estudantes e os conhecimentos científicos da botânica com implicações para o ensino de biologia.
Q1- Quais são as plantas cultivadas na sua região e como essas plantas se desenvolvem e dão origem às novas plantas?
Na primeira coluna da tabela, de semelhanças entre os prévios dos estudantes e os cientí ficos da botânica, observamos que os conhecimentos dos estudantes a respeito da reprodução das plantas cultivadas na região foram construídos em contextos variados. Por exemplo, os estudantes do G2 apresentaram em sua resposta termos científicos, o que não esperávamos, pois nas suas próprias falas, que foram captadas nas gravações das suas conversas informais, a ciência não faz parte do cotidiano de todos os seus integrantes. Todavia é possível que eles tenham chegado ao consenso com aqueles que não são agricultores de que a resposta do grupo deveria ter natureza científica. Assim, os estudantes do G2 indicam a polinização como um fator importante para reprodução das angiospermas, quando citam que as "... maneiras de reprodução pela polinização em que o gameta feminino recebe o pólen que é levado por meio dos animais". Este conhecimento foi pontuado por eles como sendo de acordo com o livro didático utilizado na escola e o texto elaborado pela pesquisadora, enquanto fonte científica de informações.
Sobre o fato de G2 apresentar resposta científica, importa destacar que outro grupo, que não é aqui mencionado, fez a mesma tentativa, pois com frequência questionava a pesquisadora como deveria escrever na primeira coluna da tabela de forma científica. E possível que os estudantes do referido grupo estivessem considerando os seus conhecimentos prévios como errados e com receio de expressá-los, por estarem diante de uma pesquisa de graduação, embora eles foram previamente avisados de que deveriam escrever livremente segundo seus saberes locais. Disto, inferimos que o professor deve estar sempre atento, buscando atenção aos seus discursos, de modo a não inibir as participações dos estudantes.
Outros grupos, porém, apresentaram respostas mais direcionadas aos conhecimentos tradicionais da localidade, possivelmente construídos nas suas atividades agrícolas dentro das comunidades onde vivem, indicando as partes das plantas que tem a função de reprodução, que são as flores, as sementes e a maniva (caule da mandioca), a exemplo o G5: "Uma das maneiras de reprodução é assexuada em que cava a terra, planta a maniva, vai capinando ao redor e com o tempo nasce a mandioca. O processo de reprodução assexuada da mandioca". O fato de os estudantes deste grupo terem encontrado a explicação sobre a propagação vegetativa nos livros didáticos e texto e terem preenchido a segunda e terceira coluna com informações científicas é um indicativo de eles conseguiram perceber a semelhança e ainda ampliaram os seus conhecimentos. Isto nos permite inferir que embora os conhecimentos não tenham a mesma natureza (epistemologia), aconteceu um diálogo entre ontologias, ou seja, entre os significados que caracterizam as explicações culturais.
Na resposta do G5 também é possível observar que os estudantes apresentam conhecimentos locais sobre as plantas que servem como fitoterápicos, algo relacionado com a literatura cientifica e que consideramos importante para o ensino de ciências intercultural: "As flores servem para formação do fruto. E para remédios como a camomila". De acordo com Mera et al. (2018), os conhecimentos acerca das plantas medicinais fazem parte dos conhecimentos prévios dos estudantes, podendo assumir grande relevância nas suas aprendizagens no que toca a conservação das espécies vegetais e preservação dos conhecimentos culturais associados. Como é possível notar na Tabela 1, o G5 não encontrou relações sobre o uso das plantas medicinais no livro didático e nem no texto que lhes foi dado para análise, entretanto, pontuou relações entre os seus conhecimentos com conteúdo sobre as flores e frutos, o que também é um indicativo de que os seus integrantes ampliaram os seus conhecimentos prévios com conhecimentos científicos da biologia vegetal.
Os estudantes apontaram interessantes aspectos nas suas respostas acerca das relações ecológicas das angiospermas com os animais, por exemplo a do G6: "... por meio da floração que possui o néctar e as abelhas suga o néctar e carregam o pólen". Notemos que há reconhecimento de que as abelhas realizam a polinização das plantas, quando afirmam que estes insetos se alimentam do néctar de uma flor e carregam o pólen para outras flores, o que consideramos importante para as suas aprendizagens com relação à manutenção da biodiversidade do planeta (Kevan e Viana, 2003) e no próprio município onde vivem, pois a polinização contribui para a reprodução da maioria das espécies de plantas com flores presentes na agricultura local e, assim, para a vida dos animais que as utilizam como alimento e abrigo (Klein et al., 2007), incluindo aí os seres humanos (Food and Agriculture Organization, 2005).
Os conhecimentos prévios dos estudantes e suas relações com os conhecimentos científicos apresentados nas TCC nos impelem a apontar estratégias para o ensino de botânica com vistas ao diálogo intercultural e ampliação de saberes culturais. No que tange às terminologias, o professor poderá construir um herbário digital com esses sujeitos (Lindenmaier, 2017), orientando-os a coletar exemplares das plantas que são utilizadas com diversas finalidades nas suas comunidades, por exemplo alimentícia e medicinal, e sobre elas realizar fotografias das suas principais partes (folhas, flores, caules etc.) com posterior relação entre a terminologia científica e a terminologia local, negociando os seus significados. Com o objetivo de contex-tualização da ciência, poderá inserir o histórico da atribuição de nomes científicos às espécies de seres vivos, ou da nomenclatura binomial do botânico sueco Carl von Linné (Linneus).
O diálogo intercultural ocorrerá porque envolverá espécies vegetais que estão presentes nos cotidianos dos estudantes, partindo das suas realidades culturais para o estabelecimento de relações com os saberes científicos. A consequência será a motivação dos interesses e participações, com atribuições de significados durante as aulas, enriquecidas com tecnologias digitais, algo que vem prendendo bastante a atenção dos jovens na atualidade.
Sobre a importância das abelhas para a polinização e reprodução das plantas, o professor poderá desenvolver projetos didáticos com extensão para além das salas de aula, que envolvam as comunidades onde vivem os estudantes. Isto porque acreditamos no uso desses projetos como motivadores e facilitadores da construção de conhecimentos científicos, por aproximar o ensino às realidades dos sujeitos de maneira a problematizá-las, uma premissa que está de acordo com as nossas concepções de diálogo intercultural e de educação pragmática de Dewey (1978), para o qual a teoria precisa estar relacionada aos cotidianos, pois os sujeitos se constroem nas ações e experiências. Por exemplo, a realização de entrevista com os agricultores da localidade acerca das suas práticas agrícolas e influências na biologia das abelhas, dialogando com as propostas científicas acerca do desenvolvimento de ações voltadas para a conservação destes organismos e das espécies vegetais nos ecossistemas agrícolas.
Outra temática igualmente interessante é o uso de inseticidas pelos agricultores nas flores das plantas cultivadas e os riscos para a vida das abelhas e para a reprodução dessas plantas. Especialmente quando será possível analisar colaborativamente com os agricultores a viabilidade, ou não, do uso do conhecimento científico para solucionar esses prejuízos e tomar decisões neste sentido, como é o caso do uso da vespinha (Telenomus remus) -um inimigo natural para o controle biológico da lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda) que atinge a inflorescência do milho (Zea mays), muito presente em Coração de Maria. Afinal, a ciência ocidental não é o único modo de explicação válida acerca do mundo natural (Robles-Piñeros et al., 2017) e espera-se que o diálogo auxilie os estudantes a terem a suas visões de natureza ampliadas, podendo fazer escolhas diante dos diferentes conhecimentos que tem ao seu dispor para solucionar problemas das suas realidades (Baptista, 2018). Além disto, auxiliar os jovens no resgate das suas identidades culturais, muitas vezes impactadas pela globalização e uso das tecnologias, por contactarem com as gerações precedentes e refletirem sobre as suas influências e importâncias na formação dos seus espaços sociais e visões de natureza.
Categoria 2.
Conhecimentos locais dos estudantes e suas relações de diferenças com os conhecimentos científicos da botânica com implicações para o ensino de biologia
Q2-A reprodução é uma das etapas importante no ciclo de vida dos seres vivos. E sobre as plantas angiospermas, quais são os tipos de reprodução que você conhece?
Conforme já informado, apenas quatro grupos apresentaram as TCC contendo relações de diferenças. É possível que isto tenha acontecido pelo fato de que alguns estudantes apresentaram dificuldades em construir as TCC, demonstrando que não estão habituados em relacionar os seus conhecimentos prévios aos conhecimentos científicos. Particularmente, eles demonstraram dificuldades em consultar trechos nos livros didáticos, solicitando o auxílio da pesquisadora para isto, que lhes indicava por índices temáticos.
As relações de diferenças apresentadas pelos quatro grupos estão voltadas, basicamente, para incoerências conceituais diante das explicações botânica para os processos reprodutivos das angiospermas, como é possível notar na resposta de G1 contida na primeira coluna (Tabela 2): "As plantas se reproduzem de maneiras sexuada e assexuada. A assexuada por meio de gametas e sexuada por meio de divisão da semente". A concepção dos estudantes de que os gametas são responsáveis pela reprodução assexuada das plantas não está coerente com as explicações da biologia, para as quais, os gametas são células produzidas por organizamos que realizam reprodução sexuada e que se fundem no momento da fecundação. De igual forma, a concepção de que as sementes são responsáveis pela reprodução assexuada, a semente é o óvulo da planta já fecundado, contendo o embrião. Logo, tanto os gametas como as sementes fazem parte da reprodução sexuada.
Sobre a concepção de que as sementes participam da reprodução sexuada, importa destacar que para os agricultores de Coração de Maria o termo "semente" significa qualquer parte da planta envolvida na sua reprodução (Baptista, 2007). Assim, é possível que o G1 tenha sido composto por uma maioria de estudantes agricultores, o que pode ser uma justificativa para eles terem utilizado este termo. Este fato indica uma boa oportunidade para que os professores investiguem e compreendam os conhecimentos prévios desses sujeitos para envolvê-los no diálogo intercultural, auxiliando-os a ampliar as suas concepções com o significado de semente para a botânica, afinal, como indicam El-Hani e Mortimer (2007), os objetivos da educação em ciências estão relacionados com a compreensão de teorias, conceitos e modelos científicos.
Ao buscar relações com os conhecimentos científicos nos livros didáticos e no texto fornecido pela pesquisadora, os estudantes do G1 conseguiram dialogar com a botânica, pois na segunda e terceira coluna eles apresentaram explicações mais coerentes do ponto de vista científico, indicando que a reprodução sexuada se dá por meio da polinização, fecundação e surgimento das sementes e a assexuada com partes da planta, como é o caso da propagação vegetativa a partir do caule da mandioca, a mandioca (Manihot esculenta crantz), muito comum no município de Coração de Maria.
A resposta dos estudantes do G3 contida na primeira coluna indica uma visão generalista de que os insetos são organismos que trazem somente malefícios para as plantas, podendo levá-las à morte, esquecendo-se que muitos insetos causam benefícios para a agricultura: "As formigas e lagartas interagem com as plantas, mas podem trazer doenças para as plantas ou até matar". Todavia, após dialogar com os livros didáticos e o texto científico, os estudantes ampliaram a sua concepção, apontando que existem animais, particularmente formigas, que se alimentam das plantas, mas não a matam. Nossa interpretação tem amparo também nas suas falas registradas nas gravações e durante as apresentações das tabelas, quando eles afirmaram que na localidade agrícola é comum as pessoas utilizarem o termo "inseto" para tudo que pode causar malefícios à agricultura. Essa concepção está de acordo com outros trabalhos relacionados com a temática e é comum entre as pessoas do campo, afinal, os insetos são predominantes nos ecossistemas, causam doenças e prejudicam a produtividade das plantas (Robles-Piñeros et al., 2018). Assim, é possível que os estudantes do G3 tenham associado os seus conhecimentos locais aos científicos nos seus pensamentos, agrupando formigas e lagartas como insetos, porém, externalizando esses organismos como sendo todos maléficos para a agricultura.
Para Costa-Neto (2002), no sistema de classificação etnozoológica, a categoria inseto é muito utilizada para fazer referência aos inimigos das plantações. Importa destacar que não se trata de anular os saberes culturais dos estudantes, ainda que sejam equivocados do ponto de vista científico, pois esses saberes lhes são úteis nas suas relações cotidianas, resultam das suas práticas de vida e não estão excluídos do que se compreende como conhecimentos (Arroyo, 2004), mas, sim, de considera-los nas relações dialógicas, negociando os seus significados, como e por que diferem dos conhecimentos científicos e em quais contextos cada um desses conhecimentos poderão ser utilizados.
Assim como proposto para as relações de semelhanças, sugerimos a elaboração e aplicação de projetos didáticos que envolvam espaços e sujeitos para além da escola e salas de aula para trabalhar as diferenças entre os conhecimentos culturais dos estudantes e os conhecimentos científicos ligados às angiospermas. No caso dos tipos de reprodução a que se refere o G1, sugerimos a criação de um laboratório vivo na escola, podendo partir de entrevistas estruturadas para saber da comunidade onde os estudantes se inserem quais são as plantas que se reproduzem de maneira sexuada e assexuada e como isto acontece para, então, estabelecer diálogos com as explicações científicas e selecionar as espécies vegetais que farão parte do referido laboratório. Uma ação interessante poderá ser a participação de um agricultor na escola indicando como se processa o plantio, cultivo e colheita dessas espécies, preferencialmente daquelas que possam ser aproveitadas no lanche escolar dos próprios estudantes (por exemplo sucos, temperos e doces), como uma forma de motivá-los a participação.
Já no caso G3, o professor poderá ampliar as respostas dos estudantes trabalhando a importância ecológica dos insetos e evidenciando que nem todas as espécies deste grupo causam prejuízos para as plantas (Bronstein et al., 2006). Os estudantes poderão criar vídeos documentando as ações dos insetos nos ecossistemas dos seus entornos que podem beneficiar a biologia das plantas. No caso das formigas, esses vídeos poderão estar voltados para a polinização, proteção e dispersão de sementes quando, sempre com o auxílio do professor e com um roteiro elaborado previamente, os estudantes poderão registrar como estes organismos interagem com as plantas na natureza, com posterior análises e diálogos em sala de aula a este respeito. Neste sentido, poderão destacar como as particularidades das interações entre as formigas e as plantas ao redor do mundo vem chamando a atenção de pesquisadores da biologia e ecologia sobre a importância dos processos evolutivos que regem o estabelecimento dessas interações (Cruz et al., 2009).
Considerações finais
Neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa qualitativa que objetivou analisar a influência da utilização das (TCC propostas por Baptista (2018) como subsídio nas aulas de botânica com vistas ao diálogo intercultural e para isto aplicou uma sequência didática com estudantes agricultores e não agricultores de uma turma do segundo ano do Ensino Médio de um colégio público localizado no município de Coração de Maria, Estado da Bahia, Brasil, quando lhes foi solicitado a construção de duas TCC, uma de semelhança e outra de diferença entre os seus conhecimentos culturais ligados à agricultura local e os conhecimentos científicos da botânica.
Nossas análises indicam que a construção das TCC pelos estudantes que participaram da nossa pesquisa influenciou nas suas participações, quando puderam estabelecer relações dialógicas de semelhanças e de diferenças entre os seus conhecimentos culturais e os conhecimentos científicos da botânica. Isto constitui um indicativo de que esses sujeitos compreenderam os contextos epistêmicos da ciência e poderão refletir e utilizar esses diferentes conhecimentos (científicos e locais) nas suas futuras experiências dentro e fora das suas realidades, especialmente agrícolas.
Particularmente sobre a classificação, características, funções e relações ecológicas das plantas que são cultivadas na agricultura local (Angiospermas).
Assim, consideramos que as TCC permitem um novo olhar sobre o ensino dos conteúdos da botânica atuam como um recurso de investigação e mediação dos saberes culturais que podem trazer dinamismo ao diálogo intercultural nas aulas de biologia, contribuindo para facilitação do processo de aprendizagem.
Sobre a mediação cultural, importa destacar que na presente pesquisa identificamos, através das gravações em áudio e observações diretas, que os estudantes apresentaram dificuldades em consultar trechos científicos relacionados com seus conhecimentos culturais nos livros didáticos e no texto científico que lhes foi disponibilizado, demonstrando pouca ou nenhuma familiaridade com essa prática. Recomendamos a utilização frequente das TCC e, de forma associada, a criação de projetos com estratégias que motivem os estudantes a se engajarem no diálogo intercultural em ambientes onde transitam diferentes conhecimentos culturais. Por exemplos os espaços agrícolas das comunidades onde as escolas estão localizadas, visitas aos laboratórios e museus de ciências, podendo acontecer virtualmente, quando esses ambientes não estão presentes nas comunidades.
Importa considerar as salas de aula como espaços multiculturais nos quais todos são corresponsáveis por construir conhecimentos quem ampliam as visões de mundo para que possam atuar com criticidade nas sociedades cada vez mais diversas do ponto de vista cultural e que exigem respeito e consideração das diferentes formas de ser, pensar e agir.
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